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Vida real em quadrinhos, Um Contrato com Deus, de Will Eisner

No mundo da nona arte, Will Eisner é de longe o autor que eu mais admiro. Ele não inventa histórias mirabolantes. Seus personagens não são perfeitos, seus finais não são felizes. Ele fala sobre vida, vida real.

Ah. Meu amigo. Um Contrato com Deus e Outras Histórias De Cortiço é mais uma dessas obras magníficas do grande mestre. Se é sua melhor obra? Difícil dizer, mas quando se fala de Eisner, é praticamente impossível elencar qual graphic novel é melhor.

São quatro contos divididos naquelas quase duzentas páginas.

Um Contrato com Deus, O Cantor de Rua, O Zelador e Cookalein. Histórias simples. Vidas complexas.

Nelas somos apresentados ao mundo vil e cruel. Ao dia a dia dos pobres moradores da Avenida Dropsie.

Um judeu faz um contrato com Deus, ele promete honrá-lo, com uma condição. Deus também teria que fazer o mesmo.

Um contador frustrado encontra na música uma forma de lidar com seu insucesso. Só que o grande obstáculo da bebida se levanta.

Em outro canto, um zelador é dedicado ao serviço, seu trabalho é árduo, ele é solitário. Nas horas vagas, agrada seu cachorro e observa quadros de mulheres nuas na parede.

Na última história, várias vidas se interligam pelas férias. Uma mulher de baixa renda deseja encontrar um marido rico. Um homem de baixa renda deseja encontrar uma mulher rica.

Um aspirante à médico vê no verão uma forma de arrecadar um pouco mais de dinheiro, fazendo serviços extras.

Um jovem rapaz perde sua virgindade com uma mulher casada. Em outro ponto, um homem casado traí sua esposa, ela sabe, mas ainda se prende ao casamento devido aos filhos pequenos.

Cada história se desenrola de um forma. Uma filha morre. Uma menina, ainda menor de idade, se insinua para um rapaz solitário, que paga para vê-la de calcinha. Um bêbado rouba o dinheiro de uma velha e bate na sua mulher e filho.

Uma tentativa de estupro também ocorre. Assim como o coração do jovem é totalmente partido ao relacionar-se com uma mulher casada.

Eisner, em sua simplicidade, apresenta vidas reais complexas. O último enredo, lembra um filme de Woody Allen. Tudo se mistura. Feridas são expostas. Sentimentos são dilacerados. Sonhos são mortos. No final, todos seguem em frente, pois é a única coisa que existe como solução. Seguir.

Eisner, em sua humildade, ainda tenta explicar no começo da obra: Tentei nesse livro construir uma narrativa em cima de temas íntimos meus. Em quatro histórias, situadas em um prédio de aluguel, selecionei de minha própria experiência e daquela de meus contemporâneos memórias que mostrassem um pedaço da América ainda não de todo conhecida. As pessoas e eventos apresentados são pessoas e eventos que gostaria de ver recebido como verdadeiros. É claro que, na criação, nomes e feições foram alteradas.

Mas ele não precisa se explicar. Ou melhor, não precisava. Qualquer pessoa com o mínimo de senso de realidade enxerga o quão real aquelas páginas são.

Qualquer um que pare algum tempo e leia com calma, sentirá um nó na garganta ao ver o Ouroboros*.

Sim, a serpente engolindo a própria cauda, a continuação eterna de desgraças, traições e mentiras enquanto o sopro de vida ainda existe.

Will Eisner foi um gênio. Ele é uma daquelas pessoas eternas. Em sua simplicidade ao escrever, tocou feridas profundas, emocionou milhares e provou que um quadrinho, nunca é um simples quadrinho.

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*Ouroboros faz referência à criação do Universo e pode simbolizar a continuidade, o eterno-retorno e o renascimento na Terra.

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