Hoje trago trechos do livro As Dores do Mundo, obra essa que traz temas como solidão, morte, medo, casamento…
Então, sem mais delongas.
Na vida dos povos, a história só nos aponta guerras e sedições: os anos de paz não passam de curtos intervalos de entreatos, uma vez por acaso. E, da mesma maneira, a vida do homem é um combate perpétuo, não só contra males abstratos, a miséria ou o aborrecimento, mas também contra os outros homens. Em toda parte encontra-se um adversário: a vida é uma guerra sem tréguas, e morre-se com as armas na mão.
Na velhice, as paixões e os desejos extinguem-se uns após outros, à medida que os objetos dessas paixões tornam-se indiferentes; a sensibilidade diminui, a força na imaginação torna-se sempre mais fraca, as imagens empalidecem, as impressões já não aderem, passam sem deixar vestígios, os dias decorrem cada vez mais rápidos, os acontecimentos perdem a sua importância, tudo se descolora.
O que ocupa todos os vivos e os conserva em contínua atividade é a necessidade de assegurar a existência. Mas feito isso, não sabem que mais hão de fazer. Assim, o segundo esforço dos homens é aliviar o peso da vida, tornar-se insensível, matar o tempo, isto é, fugir ao aborrecimento. Vemô-los, logo que se livram de toda a miséria material e moral, logo que sacudiram dos ombros todos os fardos, tomarem sobre eles mesmos o peso da existência, e considerarem como um ganho toda hora que têm conseguido passar, ainda que no fundo ela seja tirada dessa existência, a qual se esforçam por prolongar com tanto zelo.
A vida é um mar cheio de perigos e de turbilhões que o homem só evita à força de prudência e de cuidados, embora saiba que, mesmo que consiga lhes escapar com perícia e esforços, não pode, contudo, à medida que avança, sem retardar o grande, o total, o inevitável naufrágio, a morte que parece lhe correr ao encontro: é esse o fim supremo de tão laboriosa navegação, para ele infinitamente pior que todos os perigos dos quais escapou.
Os homens assemelham-se a relógios a que se dá corda e trabalham sem saber porque; e sempre que vem um homem a este mundo, o relógio da vida humana recebe corda de novo para repetir mais uma vez o velho e gasto estribilho da eterna caixa de música, frase por frase, compasso por compasso, com variações quase insensíveis.
A virtude, assim como o gênio, não se ensina; a ideia que se faz da virtude é estéril, e só pode servir de instrumento, como as coisas técnicas em matéria de arte. Esperar que os nossos sistemas de moral e as nossas éticas possam tornar os homens virtuosos, nobres e santos é tão insensato como imaginar que os nossos tratados sobre estética possam produzir poetas, escultores, pintores e músicos.
Não deixe de conferir: Frases do Livro As Dores do Mundo
Não admite dúvida que é o conhecimento da morte e a consideração do sofrimento e da miséria da existência que dão o impulso mais forte ao pensamento filosófico e às interpretações metafísicas do mundo. Se a nossa existência fosse ilimitada e isenta de dores, talvez nenhum homem tivesse tido a ideia de perguntar a si próprio porque existe o mundo e se encontra constituído justamente dessa maneira; tudo se compreenderia por si mesmo.
O homem, no íntimo, é um animal selvagem, uma fera. Só o conhecemos domesticado, domado, nesse estado que se chama civilização, por isso recuamos assustados ante as explosões acidentais do seu temperamento. Se caíssem os ferrolhos e as cadeias da ordem legal, se a anarquia rebentasse, ver-se-ia então o que é o homem.
A tolerância, que muitas vezes se nota e se louva nos grandes homens, é sempre resultado do mais profundo desprezo pelo resto da humanidade: quando um grande espírito se compenetra desse desprezo, deixa de considerar os homens como seus semelhantes, e de exigir deles o que se exige dos semelhantes. Usa então para com eles a mesma tolerância que tem com os outros animais, aos quais não temos que censurar a sem-razão nem a bestialidade
É a maldição do homem de gênio, que, na própria medida em que parece aos outros grande e admirável, esses lhe parecem pequenos e mesquinhos. Contudo, tem de calar toda a vida essa opinião, como eles calam a sua. Entretanto, é condenado a viver numa ilha deserta, onde não encontra ninguém que se lhe assemelhe, e sem outros habitantes senão macacos e papagaios. E é ainda vítima da ilusão, que lhe faz tomar de longe um macaco por um homem.
Devo confessá-lo sinceramente: a vista de qualquer animal regozija-me e satisfaz-me o coração; principalmente os cães, e todos os animais em liberdade, pássaros, insetos etc. Pelo contrário, a presença dos homens excita quase sempre em mim uma pronunciada aversão; porque, com poucas exceções, oferecem-me o espetáculo das deformidades mais horríveis e variadas: fealdade física, expressão moral de paixões baixas e ambições desprezíveis, sintomas de loucura e de perversidade de todas as espécies e grandezas; enfim, uma corrupção sórdida, fruto e resultado de costumes degradantes; feliz por encontrar aí os animais.
Gostou dos trechos do livro As Dores do Mundo?
Tem ideia pra algum post, encontrou algum erro? Manda pra gente lá no Tiktok! Aproveita e segue a gente também.
Para seguir a gente nas redes sociais: Facebook | Instagram | Twitter | Youtube | Pinterest | Tiktok