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Café Arcaico | A Vida é Bela

“Buongiorno Principessa”

Envolto em polêmicas e dividindo opiniões mundo afora, A Vida é Bela por muito tempo foi alvo de grande antipatia, principalmente aqui em solo tupiniquim, devido a sua vitória no Oscar de 1999 na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira, derrotando justamente nosso tão aclamado Central do Brasil. E sim, é impossível falar do premiado trabalho de Roberto Benigni sem fazer qualquer menção a essa rixa causada por seu triunfo sobre o filme de Walter Salles, aliás, aquela noite de premiações da Academia foi de muita revolta para os brasileiros, que viram também Gwyneth Paltrow e sua atuação “ok” em Shakespeare Apaixonado, desbancar Fernanda Montenegro e ser premiada como melhor atriz (essa realmente doeu). Mas indo direto aos fatos, se existe qualquer pessoa por aí que ainda se recusa a assistir A Vida é Bela por birra ou qualquer coisa do tipo, não sabe o que está perdendo, pois se trata de uma das histórias mais comoventes já contadas no cinema.

A clássica trama do dedicado pai que move mundos e fundos para proteger e salvar seu pequeno filho dos horrores da Segunda Guerra Mundial, mesmo não sendo de longa duração, pode ser dividida em duas partes um pouco distintas:

A primeira, uma simpática comédia romântica, na qual Guido Orefice (Roberto Benigni), um jovem judeu que trabalha como garçom no restaurante comandado por seu tio Eliseo (Giustino Durano), conhece e se apaixona por Dora (Nicoletta Braschi), fazendo de tudo para conquistá-la. Sempre munido com sua esperteza, bom humor e malandragem, Guido frequentemente se metia em algumas confusões e saía das mesmas com um jogo de cintura que lhe era típico. Esse segmento serve também como apresentação dos personagens e do contexto de uma Itália dominada pelo fascismo, já na iminência da guerra. 

A segunda parte, depois de alguns anos passados, com Guido e Dora casados e com um filho, o pequeno Giosué (Giorgio Cantarini), a trama se torna mais séria e sombria, com a guerra em andamento e a perseguição ao povo judeu. Por serem de origem judaica, Guido, Giosué e Tio Eliseo são capturados e enviados a um campo de concentração nazista, Dora resolve segui-los voluntariamente para pode ficar próxima de sua família, mesmo tendo noção dos horrores que aconteciam naquele local. Toda malandragem, esperteza e desenvoltura de Guido, que antes o livrou de diversos atritos, agora seriam utilizadas para que ele pudesse ocultar de seu filho a cruel realidade daquela prisão, fazendo de tudo para protegê-lo, inventando desculpas de que tudo aquilo era um jogo, e no final o vencedor seria premiado com um tanque de guerra.

A Vida é Bela

Lançado na Itália no final de 1997, A Vida é Bela além de ser dirigida e estrelada por Roberto Benigni, também conta com o roteiro de sua autoria em parceria com Vincenzo Cerami. A dupla de roteiristas tiveram como principais inspirações, em parte, relatos do próprio pai de Roberto, Luigi Benigni que, durante a Segunda Guerra Mundial se tornou membro do exército italiano e passou dois anos em um campo de concentração nazista. E em parte também, o livro Ho Sconfitto Hitler (Derrotei Hitler, em português), escrito por Rubino Romeo Salmoni, que foi um escritor italiano, nascido em Roma no ano de 1920 e, enviado para Auschwitz na Polônia em 1944, o mais cruel campo de concentração, responsável pelo extermínio de milhões de pessoas, principalmente judeus. Antes disso, Salmoni já havia sido enviado para o campo de Fossoli ao norte da Itália e, saindo sobrevivente em meio a tanta tragédia, relatou sua vida em diversos trabalhos.

Juntando os tons irônicos e de humor ácido da obra de Salmoni, com os relatos de Luigi Benigni, que também se utilizava do humor para contar a seus filhos sobre suas experiências dos tempos no campo de concentração, para assim não assustá-los com todos os horrores vivenciados por ele, Roberto Benigni encontrou o tom desejado para realizar seu filme, até porque, ele mesmo vinha de um longo histórico ligado à comédia. Sempre com sua veia cômica e rodeado de polêmica, Benigni se tornou notório na década de 1970 com a série televisiva Televacca, idealizada por ele mesmo, juntamente com Giuseppe Bertolucci, Beppe Rechia (que também dirigiu o programa) e Umberto Simonetta. Considerado um grande escândalo para a época, o seriado foi perseguido pela censura e cancelado logo adiante. Esse pontapé inicial de sua carreira já trouxe uma amostragem de como esta seria, com o ator se tornando uma celebridade ímpar no cenário cultural italiano, amado e odiado na mesma proporção.

Durante sua trajetória, que inclui trabalhos com pessoas de renome como, Bernardo Bertolucci, o também ator e comediante italiano muito popular Massimo Troisi, o cineasta norte americano Jim Jarmusch, entre outros, conheceu e se apaixonou pela atriz Nicoletta Braschi, com quem se casou em 1991, e desde então, se tornou sua musa inspiradora e parceira frequente. Com certeza é por isso que a relação de Dora e Guido em A Vida é Bela, é tão crível, tão romântica, com uma química notável entre ambos. Fazendo com que essa primeira sequência da obra seja tão poética, tocante e divertida, e não desnecessária como já foi apontada por muitos, que alegam que o filme começa mesmo quando a família é enviada ao campo de concentração. Pura bobagem, o casal se conhecendo e se apaixonando é algo um tanto quanto belíssimo, e muito do que acontece durante essa passagem tem algum reflexo futuramente.

Por tratar de um tema tão delicado como o Holocausto, durante a produção de A Vida é Bela, Benigni se consultou o tempo todo com o Centro de Documentação do Judaísmo Contemporâneo, em Milão, mas como sua abordagem seria em um tom tragicômico, nem tudo é relatado com tanta precisão dos fatos. Até por isso, logo ao início de sua projeção, o narrador (que é na verdade o adulto Giosué contando sobre o heroísmo de seu pai) deixa claro que tudo aquilo soava como uma fábula, nem tudo parecia real, e muito era de sua visão de criança, sendo ludibriado, por um bom motivo, por Guido. Mesmo tentando deixar claro que a obra não necessariamente seria realista e nem forneceria toda a verdade, algo que, segundo o ator e cineasta, só seria possível em documentários sobre o assunto, o filme sofreu algumas críticas bem pesadas, de pessoas que torceram o nariz, por abordar aquilo que foi um verdadeiro genocídio judaico, uma covardia sem tamanho, de forma tão branda e bem humorada, cheio de piadas ao longo do percurso.

Mas se por um lado vieram notas negativas, por um outro bem maior veio a aclamação mundial, tornando a realização de Roberto Benigni um grande sucesso, reverenciado ao redor do planeta. Elogios que sempre pontuaram o roteiro muito bem escrito, a sensibilidade da obra, a atuação de seu protagonista e a maneira com a qual ele conduz tudo o que se propôs a satirizar. E apesar de tratar-se de um filme tragicômico, com cenas realmente hilárias e algumas que se tornaram clássicas, em momento algum a película oculta a barbárie dos acontecimentos (a cena de Guido caminhando com Giosué adormecido em seu colo e encontrando uma montanha de corpos empilhados, mostra bem isso), e a comédia jamais é ofensiva em relação a seriedade dos fatos. O humor empregado por Benigni, por mais crítico e ácido que seja, é também inocente, bobo e pastelão, e isso não é nenhum demérito, pelo contrário, se trata de um estilo fácil de se digerir e acessível a todos os públicos. Lembrando muito o que fazia o gênio incomparável Charlie Chaplin, que também, lá em 1940, ousou parodiar o nazismo com o seu clássico histórico O Grande Ditador.

Longe de mim querer comparar Benigni com Chaplin, seria uma completa heresia, mas o feito do italiano foi algo louvável, com La Vita é Bella figurando entre os principais expoentes sobre o tema em questão, e que além de conquistar crítica e público, também se tornou um dos queridinhos das premiações cinematográficas mundo afora como, Cannes, David Di Donatello, César, Festival de Toronto, Critic’s Choice Movie e claro, o prêmio da Academia, sua consagração final. Naquela fatídica noite de 21 Março de 1999, não só faturou o merecido Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira (fãs de Central do Brasil me perdoem, também sou fã), mas ainda teve seu protagonista desbancando Tom Hanks, Ian McKellen, Nick Nolte e Edward Norton, e recebendo a estatueta de Melhor Ator, feito somente alcançado até então por Laurence Olivier e sua premiada adaptação de Hamlet, de 1948, onde ele também dirigiu e protagonizou, e venceu o prêmio por sua atuação. Para completar aquela cerimônia memorável, a Vida é Bela ainda foi agraciada com mais uma merecida recompensa pela belíssima e inesquecível trilha sonora composta e conduzida por Nicola Piovani.

Detalhe: Naquele ano ainda existia distinção entre os prêmios para melhor trilha sonora/drama e melhor trilha sonora/comédia, Nicola Piovani venceu na primeira categoria.

Entre alguma polêmica e extensos elogios, A Vida é Bela se tornou, merecidamente, a obra máxima de Roberto Benigni, e hoje é justo dizer que se trata de um clássico do cinema. Um filme sensível, comovente e mesmo assim, engraçado, daqueles que é impossível de se assistir e ficar aleatório, de alguma forma ele será impactante ao espectador. As críticas negativas podem até serem justificáveis, posso entender, até porque, não sou capaz de mensurar o quão grande é a dor daqueles que sofreram ou perderam parentes e amigos durante o Holocausto, mas faço parte do grupo que optou por apreciar o talento de Benigni, não só em seu maior sucesso, mas em outras realizações também (já aproveitando, vejam O Tigre e a Neve, com Nicoletta Braschi e Benigni, de 2005). Como ele próprio dizia para se justificar “Rir e chorar vem do mesmo ponto da alma, não? Sou um contador de histórias: o cerne da questão é alcançar a beleza, a poesia, não importa se isso é comédia ou tragédia. Eles são os mesmos se você alcançar a beleza”. E além do mais, todos os sacrifícios feitos por Guido Orefice para benefício de Giosué, toda dedicação desse pai para com seu filho, o colocam facilmente entre as maiores figuras paternas da história da sétima arte, se não a maior.

A Vida é Bela

Título: A Vida é Bela (La Vita é Bella)

Direção: Roberto Benigni
Ano: 1997
País: Itália
Duração: 115 minutos
Gênero: Drama/Comédia/Romance/Guerra

Elenco: Roberto Benigni: Guido Orefice

              Nicoletta Braschi: Dora

              Giorgio Cantarini: Giosué

              Giustino Durano: Eliseo Orefice

              Marisa Paredes: Mãe de Dora

              Horst Buchholz: Dr. Lessing

              Sergio Bustric: Ferruccio

              Amerigo Fontani: Rodolfo

              Francesco Guzzo: Vittorino

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