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HQ’s Entrevista | Aline Lemos

Seu nome é Aline Lemos, mas pode chamar de “Line”. Nossa professora de história, encontrou por intermédio da arte, uma forma de se comunicar com o mundo. Realizando diversos trabalhos individuais e coletivos, ela vem se destacando no meio do cenário.

Mas falar da Aline em tão poucas linhas é muito complicado, eu poderia citar que ela é Mestre em História pela UFMG, que foi vencedora do prêmio HQ MIX 2019, que fez intercâmbio na França… também poderia citar dezenas de outros trabalhos, exposições e cursos que fez. Mas o melhor é descobrir quem é ela, com ela mesmo contanto. Então, sem mais delongas…

1 – Aline, você fez intercâmbio em Angoulême (França), um local onde os quadrinhos são bem difundidos, com uma cultura totalmente diferente, em um país desenvolvido. Não deu vontade de ficar morando lá?

Angoulême é uma cidade muito interessante e tem várias instituições e eventos voltados pra quadrinhos. Aprendi muito lá! O melhor foi ter acesso a bibliotecas públicas lotadas de quadrinhos, devorei tudo que pude. Mas tirando a parte dos quadrinhos, foi uma experiência muito difícil. Tive inúmeros contratempos que me prejudicaram financeiramente e psicologicamente. Eu vivia longe de Angoulême e ficava muito isolada. Embora os colegas tenham sido receptivos, o país não é. Eu realmente adoeci nessa época e precisei voltar ao Brasil depois de seis meses, enquanto o previsto pra eu ficar era um ano. Não tenho vontade nenhuma de voltar a morar lá.

2 – Qual foi a maior aprendizagem que você trouxe de lá?

Não importa o quão desenvolvido seja o país ou o mercado de quadrinho neles, enquanto a sociedade não enfrentar alguns problemas eles vão continuar reverberando negativamente no nosso campo de trabalho. Em 2015 eu cobri o FIBD, um dos maiores festivais de quadrinhos do mundo. Da mesma forma que acontece com eventos aqui, estudantes e autores que não podiam pagar um espaço no evento realizavam seus próprios eventos independentes. Também presenciei a articulação de autoras francesas no coletivo BD Egalité, reivindicando as mesmas pautas que as minhas colegas quadrinistas estavam levantando aqui no Brasil: igualdade salarial, de espaço no mercado, fim da discriminação com seu trabalho, da objetificação das personagens e profissionais… Por outro lado, estavam mais organizadas, coisa que temos muita dificuldade de fazer aqui pela falta de experiência democrática. Nesse sentido de organização, também gostaria que o quadrinho estivesse em instituições de ensino e cultura sólidas como as de lá.

3 – O quanto ser formada em História ajuda para desenvolver suas obras?

Imagem via: https://desalineada.tumblr.com/

Estudar História me ajudou a ter um senso crítico sobre a atividade de narrar, a pensar nas implicações políticas do que é dito, em como a cultura funciona em diálogo com a sociedade. Também me deu muitas referências culturais que eu gosto de explorar, principalmente da história da arte e dos estudos de gênero. Não sei se necessariamente ajuda, mas certamente me dá um ponto de vista específico.

4 – Aproveitando. Qual sua visão sobre os acontecimentos políticos dos últimos anos em nosso país? E como você vê nosso futuro?

Tem sido difícil pra muitas pessoas engajadas em uma política progressista e também para agentes da cultura, como eu e muitos colegas com quem converso. Estamos nos confrontando com uma enxurrada de conservadorismo e de uma política baseada em ódio, que quer eliminar o diferente, mesmo. Na prática, essas políticas já começaram no governo anterior com o desmonte de direitos sociais e políticas de arrocho. Artistas são especialmente atingidos porque raramente contam com uma estrutura profissional sólida, além da cultura ser historicamente vista como algo supérfluo. No governo atual é pior, porque ela é vista como ameaça. Essa política é muito desanimadora e tenho visto um cenário de desilusão, mesmo. Mas acredito que o mais triste é que não é uma política nova, é algo que permaneceu subterrâneo mesmo quando tivemos políticas progressistas e que agora está saindo à luz do dia. Eu não quero prever o futuro, mas acredito que é importante pensarmos sobre ele, sobre como vamos fazer pra criar uma sociedade em que é possível discutir a diferença com padrões mínimos de civilidade, que não destrua os mais frágeis e a natureza e entre em colapso. Sempre existiram vozes lutando contra isso e agora mais do que nunca é importante ouvi-las.

5 – Qual o papel do feminismo no meio dos quadrinhos?

Acredito que o papel do feminismo é o mesmo que na sociedade, o de promover uma crítica das relações de poder baseadas no gênero, para assim promover a igualdade e liberdade. Os quadrinhos são um microcosmo da nossa sociedade, os problemas que enfrentamos no geral também se refletem nele. Como enfrentamos os casos de assédio no nosso meio? Nossa estante tem espaço pra que tipos de narrativas, sob quais pontos de vista? Porque as mulheres não estão atingido espaços de maior poder, apesar de estarem igualmente presente nas bases? O feminismo ajuda a pensar essas questões. Não são problemas descolados do que nós produzimos, mas que fazem parte disso, com consequências negativas para a cultura.

6 – Sabemos que você trabalhou em diversos zines coletivos. Até que ponto é melhor trabalhar sozinha e até que ponto é melhor trabalhar em grupo?

Espero continuar trabalhando das duas formas. Acho muito estimulante o trabalho coletivo, por causa dos aprendizados e dos resultados inesperados. Ajuda ter parceiros que combinem com a sua forma de trabalho e que estejam igualmente comprometidos. Também é uma boa forma de ampliar o impacto do seu trabalho e de formar relações profissionais. Trabalhar sozinha é bom quando você quer desenvolver uma ideia pessoal e ter maior liberdade.

7 – Qual maior dificuldade que você encontra no meio artístico? E se você pudesse mudar algo nesse meio, o que seria?

É muito difícil se profissionalizar. Gostaria que fosse mais fácil ter informação sobre como atuar no mercado e que esse fosse mais democrático. Como quadrinista, uma das principais dificuldades é a distribuição. Pra ter acesso a livrarias e bancas, é preciso trabalhar com uma editora e no mercado editorial, o autor é quem recebe o menor retorno. O mercado independente está fervendo com autores buscando alternativas e eu gostaria muito que essa atividade gerasse frutos mais permanentes. Formas de comercializar que se aproximem mais do público local e com foco nos produtores. Isso também passa por um maior acesso à cultura como um todo, se eu pudesse certamente teria mais investimento público para isso.

8 – Você está com um projeto no Catarse. Fale um pouco sobre ele e como o pessoal pode ajudar.

Se chama FOGO FATO e é uma HQ de ficção científica e fantasia urbana com 80 páginas. É o meu segundo livro, mas a primeira história longa que escrevo. Comecei a pensar nesse projeto em 2016, mas demorei a conseguir tempo de sentar e escrever. Eu queria abordar conflitos atuais, em especial a representatividade LGBT e o direito à cidade, na perspectiva da ficção fantástica. Minhas referências eram o cyberpunk feminista e o realismo mágico. Com tantas convulsões políticas eu tive muito medo de que minha distopia se tornasse desatualizada. Mas depois desencanei das pretensões e resolvi só escrever a história, porque precisamos de histórias para agora. A impressão do livro vai ser financiada coletivamente e as pessoas podem apoiar e garantir um exemplar até dia 12 na página do Catarse.

9 – Quais são seus projetos futuros?

Concluir FOGO FATO e depois ficar um tempo sem realizar nenhum projeto longo. Quero voltar a estudar artes e produzir cartuns políticos com mais frequência.

10 – Quem é Aline Lemos?

Uma pessoa não binária e bissexual mineira, que tem tentado ser gentil consigo mesma e com os outros.

11 – Deixe todos os seus contatos e locais onde os leitores poderão comprar seus trabalhos.

Tumblr| Instagram | Twitter | Tanlup | Email: [email protected]

Aline, o HQ’s com Café agradece o tempo concedido. Desejamos sucesso nessa sua caminhada, se você quiser falar alguma coisa, essa é sua hora.

Muito obrigada pelo convite! Minha caixa de mensagens está sempre aberta pra quem quiser continuar o papo.

  • Crédito para imagem da capa: Carol Rossetti

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