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Café Arcaico | M, O Vampiro de Dusseldorf

“Espere, pois não vai demorar, o homem de preto já está vindo com sua lâmina bem afiada, e fará picadinho de você…”

Lançado em 1931, dirigido pelo austríaco Fritz Lang (1890-1976), M – O Vampiro de Dusseldorf é um suspense/policial de extrema importância para o cinema, sendo um dos grandes expoentes do Expressionismo Alemão e um dos precursores do chamado Cinema Noir (subgênero de filme policial, que teria seu ápice a partir do final dos anos 30, muito influenciado pelo movimento expressionista).

Alemanha, início da década de 1930. Um serial killer desconhecido assombra uma cidade (provavelmente Dusseldorf), sequestrando e assassinando crianças. Mães, preocupadas com seus filhos, vivem em agonia, sempre temendo o pior, enquanto a polícia local não tem nenhuma suspeita sobre a identidade do criminoso.

Elsie Beckman (Inge Landgut, 1922-1986), uma garotinha, moradora de um cortiço na parte pobre da cidade, sai da escola e caminha para casa, brincando com sua bola. A jovem joga a bola em um poste para pegá-la de volta, nesse poste há um cartaz anunciando uma premiação pela captura do assassino de crianças. Nesse momento, surge uma sombra, a silhueta de um homem reflete no anúncio e ouve-se um assovio. O ser misterioso elogia o brinquedo de Elsie, se mostra amigável, e leva a garota para um passeio, comprando-lhe um balão de um ambulante cego, e dirige-se com ela para algum lugar da cidade.

Paralelamente a isso, na casa da jovem, sua mãe Frau Beckman (Ellen Widmann, 1894-1985) se mostra preocupada, inquieta pelo atraso da filha, ouve as outras crianças chegando da escola, mas a sua não estava presente, e ninguém sabia do seu paradeiro. Então, em algum lugar deserto, o balão da menina voa, choca-se com os fios da rede elétrica, a bola corre sozinha sobre algumas folhas, num gramado, a pequena Elsie estava morta.

Mais um atentado deixa a população em polvorosa, o desespero toma conta, inclusive, da polícia que não está nem perto de solucionar o caso. As autoridades pedem para que os cidadãos fiquem alerta, que monitorem nas ruas qualquer suspeito em potencial. O pavor desperta o pior que há no ser humano, pessoas beiram o linchamento só de ver qualquer homem conversando com alguma criança, tentando justiça com as próprias mãos. A polícia, autoritária, promove “batidas” em bares, prendendo qualquer individuo sem documentação, para interrogatório.

Toda essa investigação acaba atrapalhando os “negócios” da máfia local, comandada pelo poderoso Schränker (Gustaf Gründgens, 1899-1963), que não consegue realizar seu trabalho sujo, devido a presença frequente dos policiais pela região. O líder mafioso, então, resolve reunir seus comparsas, recrutando os vagabundos e mendigos da cidade, para tentar pegar o assassino antes dos investigadores, e assim poder voltar com seus negócios ilegais sem preocupação. Nesse ambiente caótico, a trama vai se desenvolvendo em um grandioso suspense.

Nascido na Áustria, em 1890, Fritz Lang iniciou sua carreira na Alemanha, logo após a Primeira Guerra Mundial, aonde lutou e fora gravemente ferido, tendo perdido um olho. Muito influenciado pelo movimento expressionista, Lang realizou seus primeiros filmes já se mostrando um diretor de extrema habilidade, até que, em 1927 lançou Metrópolis, sua obra prima futurista de ficção-científica, que se tornou um dos maiores filmes do cinema mudo e um dos grandes clássicos da história da sétima arte, daqueles obrigatórios na lista de qualquer cinéfilo. Mas foi em 1931, com M – O Vampiro de Dusseldorf, que o cineasta beirou, ou melhor, alcançou a perfeição cinematográfica.

Levemente baseado em fatos reais, esse grande trabalho teve seu roteiro escrito por Thea Von Harbour (1888-1954) e Fritz Lang, que na época eram casados, e tendo como base a história de Peter Kurten, um assassino em série que cometera diversos crimes, entre roubo, sequestro, abuso de adultos e crianças e assassinatos na cidade alemã de Dusseldorf  (o criminoso detinha a alcunha de “Vampiro de Dusseldorf”). Kurten foi capturado e condenado à morte por decapitação em 1931, justamente o ano de lançamento da obra de Lang.

O suspense/policial, protagonizado de forma memorável por Peter Lorre (1904-1964), foi o primeiro filme sonoro de seu realizador, em uma época que o estilo ainda “engatinhava”, e Lang revolucionou o cinema, trazendo técnicas totalmente inovadoras na forma de se contar uma história, uma visionária forma narrativa jamais vista antes, associando de maneira primorosa o som, o silêncio, luz e sombra, e maneira de se conduzir a câmera, tudo ligado a personagens, ambientes e acontecimentos, cada um com sua peculiaridade. Como por exemplo, sempre que a melodia “In the Hall of the Mountain King”, do compositor norueguês Edvard Grieg (1843-1907), é assoviada, sabemos que o assassino está por perto, e a medida que os assovios vão se tornando mais intensos, a iminência do crime vai surgindo, criando a tensão necessária. E ainda, discutindo temas como a esquizofrenia, psicologia criminal, pena de morte e moral e ética do ser humano. Mas o principal de tudo, Fritz Lang constrói uma crítica ao nazismo e a seus ideais que, se fortaleciam cada vez mais, naquela época, liderado pelo presidente e militar ultraconservador Paul Von Hindenburg.

Conta-se que, Adolf Hitler, antes de se tornar o Führer (mas já líder do Partido Nazista desde 1921), era fã do trabalho do diretor, que também era seu conterrâneo, chegando a convidá-lo para dirigir filmes e propagandas anti-semitas para o partido. Convite este, que foi recusado pelo cineasta, por ser contra o que pregava aquele regime e também por ser meio judeu. Inclusive, acredita-se que, o casamento entre Lang e Thea chegou ao fim, porque a esposa aceitou o convite e se filiou ao Partido Nazista.

Dois anos após o lançamento de M, em 1933 (ano em que Hitler assumiu o poder), o filme foi banido da Alemanha, e logo em seguida, Fritz Lang fugiu do país, temendo a perseguição aos judeus, emigrando para a França, e em seguida, exilando-se nos Estados Unidos, aonde passou a trabalhar em Hollywood. Ficando por lá até o final dos anos 50, quando finalmente retornou à Alemanha. O exílio também foi o destino do ator e judeu Peter Lorre.

É difícil dizer se, M – O Vampiro de Dusseldorf é o melhor ou o mais relevante trabalho da brilhante carreira de Lang, pois em seu currículo, consta também, grandes obras de arte como, o já citado Metropolis e a trilogia do Doutor Mabuse. Mas há de se enaltecer essa louvável realização de 1931, revolucionária, totalmente a frente de seu tempo, e que já previa as atrocidades, batendo de frente com uma ideologia que se enraizava e futuramente devastaria grande parte do continente europeu. Trazendo reflexões que ainda podem ser discutidas em tempos atuais, mesmo após quase noventa anos de seu lançamento.

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Dados Técnicos.

Título: M, O Vampiro de Dusseldorf – 1931
País: Alemanha,
Duração: 110 minutos
Direção: Fritz Lang
Elenco: Peter Lorre (Hans Beckert), Gustaf Gründgens (Schränker), Ellen Widmann (Frau Beckmann), Inge Landgu (Elsie Beckmann),   Otto Wernicke (Inspetor Karl Lohamann), Theodor Loos (Inspetor Groeber)…

Sinopse: Franz Becker (Peter Lorre) é um assassino em série de crianças, que se aproxima das suas vítimas enquanto assobia sempre uma mesma música. Depois de diversos crimes, a cidade é tomada pelo frenesi da investigação policial, e se torna um caos, enquanto o assassino vive uma vida simples e normal. A cobertura da imprensa, a ação de vigilantes e a pressão política acabam por atrapalhar o trabalho dos policiais. Na caçada ao homem que mata crianças, além de toda a sociedade e a polícia, os bandidos marginalizados também se juntarão.