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Café Arcaico | Dersu Uzala

“Capitão!!!!” “Dersu!!!!”

Na verdade, é uma grande coincidência, mas o filme que vou abordar essa semana na coluna, assim como “Cinema Paradiso“, também tem como um de seus temas a Amizade.

O filme da vez se chama “Dersu Uzala”, lançado em 1975, dirigido por Akira Kurosawa, meu diretor favorito (não estranhe se houver vários filmes desse diretor nessa coluna, com certeza haverá rsrs).

Filmado e ambientado na Sibéria, em uma época muito difícil para o diretor, que havia perdido seu prestígio no Japão e já não conseguia mais financiamento para realizar seus filmes. Fato esse, que levou Kurosawa à tentativa de suicídio e depois a reclusão em sua casa. Até que em 1973, recebeu um convite de trabalho do estúdio soviético “Mosfilm”, e Kurosawa propôs a adaptação do livro “Dersu Uzala”. Uma obra autobiográfica, escrita pelo explorador soviético Vladimir Arsenyev.

Único filme de Kurosawa rodado completamente fora do Japão e falado em outro idioma, no caso, o russo. E que acabou vencendo entre os principais prêmios, o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1976.

A obra narra a história de um grupo de exploradores do exército soviético, liderado pelo Capitão Vladimir Arsenyev, que tinham como objetivo fazer um levantamento topográfico na Sibéria, durante o inverno, em 1902.

Durante a expedição acabam encontrando um caçador que habitava a região, chamado Dersu Uzala, um homem experiente, conhecedor da natureza, que tinha perdido sua mulher e filhos para a varíola, e vivia como nômade na floresta.

Dersu logo desperta a curiosidade no grupo de exploradores, principalmente do Capitão Arsenyev. O caçador, então, passa a ser o guia da expedição, devido ao seu conhecimento do local e experiência de vida na mata. Conforme os dias vão passando, a curiosidade de Arsenyev pelo caçador vai aumentando, principalmente depois que Dersu conserta uma cabana que eles encontram no meio da mata e pede para os exploradores deixarem um pouco de sua comida, fósforo e sal, assim, quem passasse por ali, não correria o risco de morrer de fome ou frio.

A bondade de Dersu deixa o capitão intrigado, que acabara de ajudar pessoas que ele nunca tinha visto e que talvez nunca conheceria. Arsenyev, cada vez mais interessado, acaba por aprender muito sobre a vida, ética, costumes e a relação de Dersu Uzala com a natureza. E toda essa curiosidade, aos poucos, vai se transformando em admiração, e essa admiração se torna um respeito mútuo, dando início à uma grande e improvável amizade entre os dois.

O filme tem algumas cenas memoráveis, como uma em que Dersu salva o capitão da morte certa em uma nevasca, construindo uma cabana sobre Arsenyev com arbustos recolhidos nas estepes. Cena bem tensa, em que parece que os dois serão levados pela ventania e sucumbirão à tempestade, mas a inteligência e agilidade de Dersu se sobressai diante toda adversidade. E o domínio técnico de Kurosawa em seu ofício de diretor criam todo a tensão adequada.

Destaque também para a belíssima fotografia de ASAKAZU NAKAI e as belas paisagens mostradas no filme. Com o fim da expedição, Arsenyev convida Dersu para ir com ele para a cidade, e viver com a sua família, convite que é recusado, e ali os dois amigos se separam. Porém, anos mais tarde, em 1907, uma nova expedição é comandada por Arsenyev, agora no verão, nessa mesma região. Arsenyev e Dersu se reecontram e retomam a amizade e parceria dos velhos tempos, se tornando novamente inseparáveis. Mas com o passar do tempo, Dersu vai ficando cada vez mais debilitado, com sua visão comprometida, o que acabaria comprometendo sua vida na mata e a efetividade como caçador, então, acaba por aceitar o convite de Arsenyev, para ir morar na cidade, com a família do capitão.

Na cidade, Dersu é bem tratado e logo se afeiçoa a família de Arsenyev, mas o choque cultural é muito grande e não demora muito para começar a questionar o padrão de vida, os costumes, ética, tudo tão diferente do mundo de onde ele veio e passou toda sua vida. E assim, se torna uma pessoa infeliz, vivendo sempre preso dentro de casa, o que era um grande contraste da sua liberdade na natureza, então, Dersu pede para voltar imediatamente para as colinas.

Há quem diga que o filme é um pouco arrastado, e o início do declínio criativo de Akira Kurosawa, outros o consideram mais uma grande obra de arte desse gênio.

Faço parte do segundo grupo, e a criatividade de Kurosawa nunca teve declínio, aliás, grandes obras vieram depois de Dersu Uzala, inclusive, o qual eu considero o seu melhor filme, “Sonhos” (Yume, 1990), que, com certeza, falarei aqui nessa coluna.

No final das contas, o Dersu Uzala é muito mais do que apenas um filme sobre uma bela e sincera história de amizade (uma das melhores que o cinema já viu) tem muita coisa a ser dita, sobre as relações humanas e a relação do homem com a natureza. Magistralmente arquitetada por Akira Kurosawa que era um humanista e ativista ecológico de “carteirinha”.

Informações técnicas. 

Título original: Dersu Uzala
País de origem: União Soviética/Japão
Ano: 1975
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Yuriy Nagibin, Vladimir Arseniev…
Duração: 2 horas e 25 minutos.

Elenco: Maksim Munzuk, Yuri Solomin, Svetlana Danilchenko, Dmitri Korshikov, Suimenkul Chokmorov, Vladimir Kremena, Aleksandr Pyatkov…

Sinopse: O capitão Vladimir Arseniev (Yuri Solomin) é enviado pelo governo soviético para explorar e reconhecer as montanhas da Mongólia, juntamente com uma pequena tropa. Em meio a expedição eles encontram Dersu Uzala (Maksim Munzuk), um caçador que vive apenas nas florestas. Percebendo que Dersu conhece bastante o local, o que pode facilitar o trabalho, o capitão lhe oferece que acompanhe a tropa até o término da missão. É o início de uma forte amizade entre o capitão e Dersu, que aos poucos demonstra suas habilidades.