“A vida passa tão rapidamente que poucos de nós paramos a pensar naqueles que perderam o passo…”
Com a frase acima tem início uma das mais belas obras dos anos 30, e que continua atual até os dias de hoje.
Lançado em 1937, dirigido por Leo McCarey e baseado no livro “The Years Are So Long” de Josephine Lawrence, “A Cruz dos Anos” (Make way for Tomorrow) não obteve o merecido reconhecimento à época de seu lançamento, mas desde sempre foi o filme favorito de seu realizador, Leo McCarey, vencedor do Oscar de Melhor Diretor por “Cúpido é Moleque Teimoso” (1937) e “O Bom Pastor”(1944), dizia que a Academia o premiara pelos filmes errados, pois “A Cruz dos Anos” era sua melhor obra.
O filme se inicia com o casal de idosos Barkley e Lucy Cooper reunindo seus filhos, George, Nellie, Cora e Robert para contar-lhes que, devido a falta de pagamento das prestações, o banco tomara sua casa. Após discutirem a situação, chegam a conclusão de que o ideal seria os pais irem morar com Nellie, pois esta, tinha uma melhor condição de vida. Nellie, porém, não gostando da ideia, diz que precisa de um tempo para convencer seu marido a aceitar seus pais. E como o prazo para eles entregarem a casa era iminente, a solução provisória foi Bark ir morar com sua filha Cora, e Lucy com seu filho George, em cidades diferentes por um período de 3 meses, até Nellie acertar as coisas com o seu marido.
Na residência de George, sua esposa Anitta e sua filha Rhoda, logo começam a se incomodar com a presença da idosa Lucy e toda a atenção que ela requer na sua condição. Rhoda até impede seus amigos de frequentarem sua casa por vergonha da avó, passando a sair muito de casa, e muitas vezes em companhia duvidosa. A pobre Lucy passa seus dias preocupada com seu marido, Bark, que agora estava distante dela, depois de 50 anos de casados. E ao mesmo tempo que se preocupa, tem que viver em um ambiente em que ela sabe que não está sendo bem aceita. E toda essa situação coloca uma pressão pra cima de George, que pra não se indispor com sua esposa e filha, e nem abandonar sua mãe, começa a pressionar sua irmã Nellie a apressar as coisas com o seu marido, para que ela possa logo acolher seus pais. Mas o que ele não sabe é que o marido de Nellie não aceitou receber o idoso casal em sua casa, e a situação parece não ter uma solução fácil.
Enquanto isso, na residência de Cora, Bark passa os dias dormindo no sofá e sendo mal tratado por sua filha, que não tem nenhuma paciência com o pai idoso. O único entretenimento de Bark é conversar com seu novo amigo, e dono de uma loja, Max Rubens. Bark ainda sonha em arrumar um emprego pra poder comprar uma casa e voltar a viver com sua esposa Lucy, sem depender de ninguém, mas com sua idade avançada, conseguir trabalho não era nada fácil.
Até que, com a chegada do inverno, Bark adoece com um forte resfriado e, Cora, pensando em uma maneira para que ele se recupere logo, e já querendo se livrar do pai, resolve, entrando em consenso com os irmãos e com o seu médico, mandá-lo para a casa de sua irmã Addie, na Califórnia, pois lá, o inverno já costumava ser tão rígido. Addie, que não tinha participado da primeira reunião que decidiu o futuro dos pais, por morar muito longe, também alega não ter condições de cuidar dos dois e aceita receber só o pai, com o intuito de recuperá-lo e depois mandá-lo de volta.
Nesse ínterim, na casa de George, Lucy pegando a correspondência, descobre uma carta de um asilo, no qual seu filho estava planejando mandá-la. Então, antes de seu filho George lhe contar seus planos, Lucy conversa e pede pra ser mandada para um asilo, como se isso fosse ideia sua, pra que seu filho não se sentisse culpado. Ela, ainda impõe a condição de que seu marido Bark não soubesse sobre isso, pois ele nunca aceitaria e George acata o desejo de sua mãe.
Então a família se reúne e o casal se reencontra para a despedida. E como a distância entre Nova Iorque e Califórnia é muito grande, aquela poderia ser a última vez que Bark e Lucy iriam se ver. Os dois, então, saem pela cidade, e resolvem ir até o hotel onde passaram a lua de mel, e reviver os passos do dia de seu casamento, há 50 anos. O que se segue a partir daí, é uma verdadeira obra de arte, os diálogos, as lembranças, tudo que eles abriram mão pelos filhos, os arrependimentos, a alegria de ter um ao outro, mesmo que a vida não tenha saído como o planejado. E para ficar só com a sua esposa pela última vez, até que chegasse a hora de ir para estação de trem, Bark dá um jeito de desmarcar o jantar que eles teriam com os filhos.
A cena final na estação é belíssima. Aliás, o diretor Leo McCarey sofreu grande pressão do chefão da Paramount, Adolph Zukor, para que esta fosse alterada, o que McCarey recusou prontamente e isso acabou acarretando com a sua não renovação de contrato. Mas a recusa foi certeira, pois é tudo tão bonito, tão sutil, sincero, inocente, puro, romântico e triste, sem ser piegas ou apelativo. Tudo na medida, conduzido magistralmente por seu realizador.
Bark e Lucy, figuram entre os melhores casais do cinema. E “A Cruz dos Anos” é um excelente drama familiar, que demonstra como poucos o “abismo” entre gerações e um belo retrato sobre a velhice.
Como dizia Orson Welles (realizador de “Cidadão Kane” e tantas outras obras relevantes pro cinema) sobre o filme: ” – Isso faria uma rocha chorar”.
E caro/a leitor/a, isso não é nenhum exagero. Cada cena memorável, é de cortar o coração.
A obra prima de Leo McCarey sequer concorreu a um Oscar. Pelo jeito, a Academia cometera suas injustiças desde sempre.
Informações técnicas.
Título original: Make Way for Tomorrow.
País de origem: EUA
Ano: 1937
Direção: Leo McCarey.
Duração: 1 hora e 31 minutos.
Elenco: Victor Moore, Beulah Bondi, Fay Bainter, Thomas Mitchell, Porter Hall, Elisabeth Risdon, Minna Gombell, Louise Beavers…
Sinopse: Bark (Victor Moore) e Lucy Cooper (Beulah Bondi) são um casal de idosos que sofrem um desastre financeiro e perdem a casa onde moravam. Assim, são entregues à mercê dos seus filhos de meia-idade e apesar de serem cinco, nenhum deles aceita hospedar os dois. O casal então é separado e cada um vai para uma casa para que os filhos possam dividir o inconveniente de tê-los por perto. Depois do desconforto que os velhinhos levam para a família, fica decidido que um deles iria para uma casa de repouso em Nova York e o outro para a Califórnia. Durante esse processo de separação, o casal vai perdendo a auto-estima e a dignidade.