O universo das histórias em quadrinhos está conectado a uma série de relações científicas, culturais, sociais, econômicas e psicológicas. Entre as icônicas edições da Marvel, um grupo construiu uma história específica, tornando evidente o que a psicologia moderna chamou de os 5 estágios do luto (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação). Nesta narrativa, o que está em pauta é a morte do Capitão América, e no contexto, alguns heróis foram escolhidos para representar cada estágio do luto, e mostrar seus conflitos, a maneira de lidar com a morte e sua própria dor. A história propõe a compreensão do lado humano dos super-heróis, e a morte do Capitão América, acaba tocando o leitor, principalmente, se este já vivenciou alguma perda familiar (ou de alguém próximo), pois se enxerga nos diferentes estágios do luto apresentados na HQ.
1 – Negação: “Eu estava lá. Vi o cara levar um tiro… Ninguém ia querer ver o que eu vi… Não percebeu? Foi… A morte do Capitão América” (Wolverine). O primeiro estágio do luto é protagonizado pelo personagem Wolverine, o anti-herói apresenta-se bastante frustrado com a situação, chegando a buscar respostas entre os vingadores e sugerindo que um deles pode ser culpado pela partida de Steve Rogers. Em seu discurso, ainda é possível notar que Wolverine considerava o Capitão América um símbolo, evidenciando que apesar de um homem ter morrido, alguém deve vestir o manto, o escudo, e representar a cultura americana.
2 – Raiva: “E eu não tô falando só com vocês dois, seus manés. É com todo mundo. Todos a fim de arrancar a cabeça de alguém. Mesmo que seja um do outro. Tá, eu não sou o cara mais indicado pra dar o exemplo… Mas ceder à raiva desse jeito… Não vai mudar o fato de que a gente perdeu um dos grandes” (Coisa – Quarteto Fantástico). Mesmo um dos super-heróis da Marvel que adora uma briga, ficou sensibilizado com a partida de Steve Rogers, a raiva absorve os sentimentos de vários personagens que representam esse estágio, levando a brigas entre amigos, e levando em consideração a inaptidão de lidar com os sentimentos que vão aflorando com a dor, a dificuldade de compreender fatos que se apresentam como reais.
3 – Barganha: “Você não sabe como lidar com isso, né? O Luto. A dor. A perda… Então, partiu pro que sabe fazer melhor… Tentou um acordo. Tentou fazer uma barganha pro sofrimento desaparecer” (Gavião Arqueiro – os vingadores). Tony Stark, em sua percepção lógica de resolver os problemas, “arrumou” logo um candidato para usar o traje do Capitão América, para o Homem de Ferro, era imediato ter um novo representante dos ideais americanos, ignorando totalmente algum tipo de sentimento, ou o tempo que o ser humano precisa para digerir determinadas coisas, sua alegação era que as pessoas não poderiam saber (ou acreditar) que “o primeiro vingador” tinha sucumbido.
4 – Depressão: “Dizem que o verdadeiro legado de um herói tem como base as vidas que ele salvou. Me conhecendo. Meu legado vai ser julgado pelas vidas que perdi”. (Homem Aranha). A depressão chega atropelando Peter Parker, não se deve esquecer que o herói adolescente passou por dois momentos difíceis bem no início de sua trajetória de herói (a morte de seu Tio Ben, e de sua namorada Gwen Stacy). A ideia de que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” acerta em cheio o aracnídeo mais famoso do mundo nerd, o fazendo repensar sua vida, suas escolhas, e o quanto Steve Rogers foi importante. “O que nós vamos fazer sem você capitão?” (Homem Aranha).
5 – Aceitação: “Este não tem de ser um dia de tristeza. Podemos aceita-lo como uma dádiva de união e esperança. O tipo de dia pelo qual o Capitão América viveu. (Falcão – Os Vingadores). O dia começa chuvoso na quinta parte da história “Morre uma lenda”, os grandes super-heróis reunidos, não é apenas mais uma missão, a reunião é um tributo, um momento em que o grupo se despede de Steve Rogers. Depois de alguns discursos, ao término da cerimônia a chuva se dissipa, e é possível ver tímidos raios solares, alguns toques de esperança, nas palavras de Falcão: “Steve Rogers, O Capitão América Jamais Morrerá”.
Em suma, levando em consideração a dificuldade de lidar com a morte de super-heróis, por parte das próprias editoras que até o século XXI dificilmente desconstruíam a imagem de Super-herói = imortal, a leitura de “Morre uma Lenda”, se revela uma boa aquisição para repensar a humanidade, o efeito que uma história em quadrinhos pode causar no leitor, e a habilidade de desenhistas/roteiristas de nos tocar entre as páginas de cada HQ.
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