Comparar livro e filme é complicado. Muitas vezes uma das duas mídias decepciona, e quase sempre esse “dever” fica com o filme. Muito se deve pelo tempo de produção e detalhes que citados em livros são impossíveis de reproduzir nas telonas.
Vide o final de Hannibal.
A última decepção com adaptações foi com “Trem Noturno para Lisboa“. Então, logo após de ler essa maravilhosa obra, comecei ler outra tão genial quanto.
Nineteen Eighty-Four, ou se você preferir, 1984. A obra de George Orwell é focada em Winston, um homem de meia-idade que vive em um mundo que é totalmente controlado pelo estado.
Nada foge dos olhos do “Grande Irmão”. Seja por meio de helicópteros vigiando as ruas, pelas ¹teletelas dentro das residências ou, ainda, pelas crianças que nasceram no regime totalitário do Grande Irmão e denunciam qualquer pessoa (muitas vezes sendo os próprios pais) que cometa uma ²crimideia.
Além desse controle sobre a vida dos cidadãos, o governo também falsifica todos os documentos históricos, eles não querem que nenhuma pessoa se volte contra o estado, então tome notícias fictícias que “pregam” que eles estão em democracia e que a vida que eles levam é a melhor possível.
Mas Winston não aceita esse regime. Com alguns lampejos de memória ele começa se revoltar. Ele parou de seguir a boiada e começou “questionar o governo”.
Que fique claro, Winston questiona mentalmente, pois o governo opressor “some” com qualquer um que pratique algum tipo de ato que vá contra o regime totalitário.
George Orwell é magnífico ao escrever o livro. Aliás, obra essa escrita em 1949, mas muito atual. Nós sentimos a repressão que Winston sente. Sentimos o ambiente carregado de medo. Sentimos a dor da tortura.
1984 é ímpar, seja ao mostrar os proletariados: “O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo, enchiam-lhes os horizontes. Mantê-los sob controle não era difícil”.
Seja ao mostrar que estar no poder pelo simples fato de estar no poder é um mal. Ou seja ao mostrar o quão falido é esse regime.
Sua leitura deveria ser obrigatória.
Pois bem, é notável minha admiração pela obra. Como é de praxe, depois de gostar de um livro eu rumo para o filme. Então entram duas questões. Primeiro: é excelente você saber todo o enredo para admirar uma adaptação. Segundo: quando você assiste uma adaptação sem esperar os mínimos detalhes, você não se decepciona.
Reproduzir o contexto de 1984 seria muito difícil. Mas foi bem feito. Lógico que sem toda a maravilhosa construção do livro. Mas mesmo assim bem feito.
Alguns itens são diferentes, como por exemplo o encontro de Winston com O’Brien (Richard Burton), alguns encontros com Júlia, algumas cenas da prisão… mas nada que comprometa o enredo. E mesmo o longa tendo quase duas horas, ele acabou sendo curto para riqueza de detalhes que Orwell colocou em sua obra. Muitas coisas não são expostas, apenas são deixadas subentendidas. Se você não ler o livro e for ver o filme, vai perder muita coisa.
Winston (John Hurt) é um bom personagem. Sua fisionomia surrada demonstra o mal do totalitarismo. Assim como a falta de depilação de Júlia (Suzanna Hamilton). Aliás, um ponto que merece destaque. Existem várias cenas de nudez no longa (e não são apenas cenas de peitos).
O totalitarismo não tem meio termo (tirando a parte proletária), até as roupas são iguais. Falta lâmina de barbear. Júlia, em certa altura, veste um vestido que ela tinha roubado, pois não aguentava mais usar roupas masculinas.
Em outro ponto ela rouba pão, açúcar, café… coisas simples para nós, mas que são negadas para população. (Lembre-se da Coréia do Norte e, atualmente, da Venezuela.)
Volto frisar. 1984 é super atual.
O longa contínua. O diretor Michael Radford não foge do contexto do livro e entrega uma adaptação mediana. No geral, ele não decepciona, mas não encanta, apenas serve como mais uma das diversas ramificações que tal obra gerou.
___
¹ – Teletela é um aparelho que transmite a programação do governo e, ao mesmo tempo, capta sons e imagens das casas que estão instaladas (são instaladas em todas as casas). As teletelas não são desligadas nunca, apenas podem ter seu volume regulado.
² – Crimideia é uma palavra em Novilíngua, idioma fictício do livro. A palavra se refere ao crime de pensamento, no caso aqui, todo pensamento contrário ao regime do Grande Irmão.