Rom Freire não é facilmente definido. Começou sua jornada como office-boy, já foi apontador de Jogo do Bicho, trabalhou como designer… em 2009 começou tirar seu sustento “apenas” com os quadrinhos. Rom, autor de diversos personagens, faz trabalhos autorais (Abaité), em parceria (Projeto Encontros) e, ainda, trabalha para o mercado norte-americano.
Acha que acabou?
Ainda não, o artista já fez histórias de terror, eróticas, cósmicas… enfim, lembra que eu falei que ele não é facilmente definido? Pois bem, me enganei, Rom é multitalentoso.
1 – Rom. Vamos começar falando sobre seus heróis. Primeiro gostaria de saber um pouco sobre Loonar. Como foi seu processo de criação? Aproveite para falar sobre sua origem e poderes.
A Loonar (que não tinha esse nome) começou inicialmente como uma personagem erótica. Na época, eu desenhava HQs desse gênero para um site norte americano, então tive a ideia de criar minhas próprias HQs e tentar vendê-las a esse site. Mas gostei tanto do visual dela que desisti da ideia e resolvi escrever roteiros “sérios”. Mas também não tinha essa pegada cósmica, ela era mais uma justiceira urbana, que combatia assaltantes, traficantes, etc, e se chamava Fist.Depois achei que um nome em inglês não seria legal para uma personagem brasileira e resolvi usar Punho mesmo, mas depois de ver tantos justiceiros urbanos, achei que seria mais bem aproveitada com outra temática. Como sempre gostei dos personagens cósmicos trabalhados pelo Jim Starlim (Warlock, Dreadstar, Capitão Marvel…), criei outra origem para ela nesse sentido. Nessa nova origem, ela seria uma mutante que nasceria com superpoderes após a mãe dela, a rainha de uma civilização alienígena, ser exposta, grávida, a uma energia cósmica chamada Mega Força. Mas repensei e resolvi transformá-la em uma entidade cósmica poderosíssima, o avatar da Mega Força. Ela pode fragmentar uma pequena lua, atravessando-a com o próprio corpo, ou canalizar todo seu poder em um único disparo e vaporizá-la. Mas isso a deixa momentaneamente exaurida, criando um casulo de rochas lunares, onde ela fica protegida até recuperar suas forças. Ela é meio fria e distante, e tem poucos amigos, sendo o principal o Catalogador (personagem de Lancelott Martins), que a considera uma filha, e sabe o potencial destrutivo que ela tem.
2 – E os Guerreiros de Glaatu? Fale sobre eles.
Os Guerreiros de Glaatu são uma raça anfíbia alienígena preparada desde a infância para a guerra. Cada cidadão, homem ou mulher, são tratados de igual para igual e tem as mesmas oportunidades, direitos e deveres. Glaatu é semelhante a Terra, com apenas 30% de terra seca, mas possui apenas um continente, onde se localiza a Cidade Koral, sede de todo o império. No núcleo do planeta existe um veio inesgotável de Orite, uma substância mais resistente que o aço e que emana uma energia poderosa, cobiçada por todos na galáxia. Essa energia é responsável pelo crescimento gigantesco de animais e plantas nativas, inclusive dos próprios humanoides, que possuem mais de dois metros e meio de altura. O Império Glaatu mantém um rico comércio desse material com outras raças, mas constantemente são atacados por piratas espaciais e até outros impérios galácticos, que tentam a todo custo se apossar das minas subterrâneas do precioso metal. Sua principal forma de locomoção são os gigantescos Singrai, animais semelhantes a arraias que podem sobreviver no vácuo espacial, e que tem módulos tecnológicos acoplados em suas costas. Suas armas são feitas de Orite e projetadas para disparar a forte energia desse metal. Para evitar que os haters me acusem de plágio, quero deixar bem claro que criei esses personagens em 2008, bem antes do Avatar de James Cameron, e até cheguei a desenvolver um blog para eles em janeiro de 2009, como podem ver nesse link: http://glaatu.blogspot.com.br/ . O filme dos Na’Vi só chegou aos cinemas em dezembro, praticamente um ano depois, e antes disso, nunca tinha ouvido falar sobre esse projeto do diretor.
3 – Santino (Grimorium) é um personagem de uma história de terror. Como surgiu a ideia de criação desse universo?
Desde criança, sempre gostei do gênero. Passava noites sem dormir, mas não deixava de assistir filmes como “Pague Para Entrar, Reze Para Sair” ou “O Exorcista”. Também conheci muito cedo os contos de Allan Poe e Lovecraft e curtia muito o Doutor Estranho, da Marvel, e John Constantine, da DC, um dos meus personagens preferidos, quando escrito pelo Garth Ennis, na primeira versão da revista Vertigo, publicada pela Abril em 1995. Hábitos Perigosos ainda é uma das melhores HQs de terror que eu já li. Outras revistas que fizeram parte da minha infância e adolescência foram Kripta, Sobrenatural, Medo e as clássicas Mestres do Terror e Calafrio, da saudosa Editora D-Arte, de Rodolfo Zalla. Então peguei todas essas referências e juntei tudo nesse título, onde Santino (nome de batismo do necromante imortal Grimórium) atravessa as eras combatendo todo tipo de ameaça sobrenatural, de fantasmas vingativos a vampiros ressentidos. O personagem foi criado em 2006, mas só foi publicado pela primeira vez em 2010, na revista Do Além, de Leonardo Santana, em uma HQ curta chamada “Em Nome do Pai”. Meu traço era bem diferente e hoje eu mudaria tudo ali, mas vale como registro.
4 – Você tem mais algum personagem?
Recentemente criei Krohnos, um ciborgue gigante coadjuvante do universo da Loonar, mas que tem um conceito tão legal que decidi escrever histórias próprias para ele. Não gosto de criar centenas de personagens e não ter tempo para me dedicar a todos eles. Prefiro ter poucos e conseguir trabalhá-los decentemente e mostrá-los ao público. E mesmo assim já é difícil, pois o tempo é curto devido ao volume de trabalho que tenho, do qual tiro meu sustento.
5 – Abaité é um projeto autoral seu que envolve uma história de terror com o folclore brasileiro. Qual sua opinião sobre nós brasileiros adorarmos a mitologia que vem de fora (nórdica e grega, principalmente) e desvalorizarmos nossa própria cultura?
Abaité surgiu imediatamente após eu ver uma imagem na rede social que glorificava mitos e lendas celtas e desdenhava de nossos personagens mitológicos. Então resolvi mostrar como nossos seres folclóricos tem potencial para estrelar HQs de terror, unindo um texto rico com uma arte detalhada. Esse preconceito do brasileiro quanto ao material nacional é triste, mas cabe a nós, autores, mostrar que temos muito material bom aqui, que vale ser conhecido.
6 – Deixando um pouco seus personagens de lado. Você conhece os dois lados da moeda. Afinal, você atua no mercado nacional e internacional. Qual a maior diferença que você nota entre os dois mercados? Aproveite para dizer o que o Brasil tem de superior e inferior quanto ao mercado internacional.
A maior diferença está na postura dos editores e leitores. Enquanto lá fora uma revista tem todo o apoio logístico e financeiro de uma editora e os leitores compram qualquer coisa de seu personagem preferido, mesmo que seja material ruim, aqui temos, geralmente, de bancar do próprio bolso nossas edições, e ainda tentar convencer o leitor, acostumado ao material gringo, que nosso trabalho é equivalente em qualidade ao lá de fora. Não fosse assim, não seríamos aceitos para trabalhar para eles. Também temos o fator financeiro quanto ao valor pago por página. Enquanto lá fora conseguimos, no mínimo, U$ 50 por página (mais ou menos R$ 150), aqui vamos de R$ 60 a R$ 100. Mas não que os editores daqui não valorizem nosso trabalho, pelo contrário, mas porque é impossível pagar mais do que isso, tirando do próprio bolso, sem aumentar absurdamente o preço de capa, o que também afasta o leitor. Eu mesmo escrevi, desenhei, letreirei e diagramei a Grimórium, o que me permitiu fixar um preço de capa bem baixo, sem margem de lucro pessoal. Agora imagina um roteirista que precisa pagar o desenhista e/ou um colorista? Todo esse gasto vai impactar no preço final da edição. E olha que mesmo a um preço baixo (R$ 5,90), ainda tenho dificuldade em vender a Grimórium, por ser formatinho, P&B… E o único lucro que eu incuti no orçamento, seria usado para bancar o #2. Ou seja, publicar por publicar, para ver o próprio personagem ser conhecido, mas sem almejar lucro imediato, não é pra qualquer um, e isso as vezes desestimula. Mas não adianta esmorecer. É bola pra frente…
7 – Fale um pouco sobre o Projeto Encontros, sua parceria com o Lancelott Martins.
Em um país de economia forte e um mercado de quadrinhos profissional, Lancelott seria dono de uma grande editora, repleta de personagens incríveis e populares. O sujeito não para. Tá sempre criando e recriando. O respeito que ele tem pelos personagens clássicos é um exemplo a ser seguido, e tem uma energia contagiante. Além disso, imagina a alegria que foi para mim, entusiasta da HQB, ter a oportunidade de desenhar personagens que li na infância, como, Homem-Fera, Fantasticman, Golden Guitar, Garra Cinzenta, entre outros. O Lancelott fez um roteiro amarradinho, cheio de reviravoltas e com cenas impactantes (a que gostei mais de fazer foi o robô gigante Audaz atravessando a Baía da Guanabara sob fogo cerrado de aviões da FAB). Encontros merecia uma edição caprichada, formato americano, colorida (muitas páginas chegaram a ganhar cores), mas nossa abalada economia tornou inviável esse formato. Mas quem sabe, em um futuro próximo, tenha o reconhecimento merecido e possa sair em uma edição de luxo.
8 – Você vem trabalhando em mais algum projeto? Quais suas expectativas para o futuro?
Ainda continuo trabalhando para o mercado norte americano, mais precisamente para a Urban Style Comics, de Andre Batts, sediada em Detroit, ilustrando a revista mensal do super-herói Dreadlocks, além de outros projetos com personagens nacionais, como o Escorpião de Prata, de Eloyr Pacheco, Os Invictos, de Rafael Tavares, Syghma, de JC Juncom e Lorde Kramus, de Gil mendes. Também vem aí um novo crossover entre Grimórium e Penitente, criado por Lorde Lobo, O primeiro aconteceu na revista Penitente Encontra #4. E o meu futuro é continuar firme e forte fazendo quadrinhos, pois essa é a minha profissão.
9 – Depois de abordarmos tantos heróis e projetos, quero saber: como começou sua paixão pelo universo dos quadrinhos? E de onde surge tanta inspiração?
Como acontece com a maioria, começou com alguma HQ que li na infância, mas não lembro exatamente qual. Na época existiam muitos títulos infantis como Sítio do Pica-Pau Amarelo, Brasinha, Gasparzinho, Turma do Lambe-Lambe (do grande Daniel Azulay, uma das minhas inspirações como desenhista), além dos heróis Marvel, na época publicados aqui pela extinta RGE. Uma revista que me marcou muito foi o Almanaque Premiere Marvel #2, com a estréia de Rom, O Cavaleiro do Espaço. Então, quando resolvi adotar um nome artístico, a escolha foi fácil. E a inspiração vem de todo lugar, das ruas, das pessoas, dos eventos que acontecem mundo afora, dos livros e revistas que leio, filmes que assisto, etc…
10 – Para finalizar. Quem é Rom Freire?
Pai, marido, filho, irmão, amigo, ou seja, um ser humano como qualquer outro, que já foi office-boy, apontador de Jogo do Bicho, designer e agora desenhista profissional de HQs, sonho realizado desde 2009, quando comecei a tirar meu sustento apenas da Nona Arte.
11 – Deixe os contatos onde os leitores poderão adquirir suas histórias e falar com você.
Aproveito para informar que além de HQs, também trabalho com comissions, sketchs, model sheet, etc.
https://www.facebook.com/rom.freire (chamar inbox)
Rom, o HQ’s com Café não tem palavras para agradecer pela oportunidade, desejamos que você obtenha todo sucesso do mundo. Se você quiser deixar algum recado, essa é sua hora.
Eu que agradeço imensamente a oportunidade e espero que minha vivência posso influenciar outros artistas a investirem cada vez mais tempo e dedicação a esse mundo maravilhoso dos quadrinhos.
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