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HQ’s Entrevista | Carmen Sheila

Aos 11 anos de idade ela já atuava, com 18 veio a chance de fazer dublagem. Hoje, aos 72, ela é consagrada em sua área. Talvez você não conheça sua fisionomia, mas sua voz é inesquecível. Personagens como: Cheetara (ThunderCats), Felícia (Pinky, Felícia e o Cérebro), Dee Dee (O Laboratório de Dexter), Dona Cabeça de Batata (Toy Story), Talia Shire (Rocky – Um Lutador, Rocky 2 – A Revanche, Rocky 3 – O Desafio Supremo), Susan Blakely (Falcão: O Campeão dos Campeões), Conchata Ferrell (Two and a Half Men)… e outras dezenas, tiveram a honra de receber sua voz. Hoje vamos ter a honra de conversar um pouquinho com Carmen Sheila.

Para você, que está no 4G, eu reuni alguns trechos da entrevista. Mas é muito melhor escutar a doce voz da Carmen. Aproveite.

0:31 | Você pode falar para gente como foi seu inicio no mundo da dublagem? E qual foi seu primeiro personagem?

Eu fui para rádio nacional com 11 anos de idade. Aos 18 anos eu me casei, e já estava surgindo a dublagem, mas eu não tomava conhecimento. Até que um colega nosso, o Domingos Martins, faleceu. Ele era um grande rádio-ator e já dublava muito. A irmã dele chamava-se Dulce Martins. Ela fazia a Aninha em um programa com uma audiência enorme. Mas ela disse que não tinha mais coragem de ir a rádio sem o irmão dela. Então o Floriano Faissal (diretor) me chamou e falou que eu podia fazer a Aninha, na qual era o único papel principal feminino, ela era a noiva do Jerônimo.

Quem fazia o Jerônimo era o Milton Rangel, eu nem conhecia ele, porque a voz dele ficou muita marcada, e ele não podia fazer outro programa na rádio. Só então que eu o conheci, nessa época ele já estava dirigindo e dublando. Umas três semanas depois fazendo o programa que era diário. Ele me convidou para conhecer o mundo da dublagem, relutei um pouco, mas fui convencida em ir ao estúdio da Cinecastro, onde a dona era a Carla Civelli. Na hora do teste soltaram o looping na tela, eu fiquei olhando para eles e disse que não sabia dublar.

Ela então perguntou para o Milton se eu não tinha ido lá para dublar, o Milton respondeu que me ensinaria, mas que ela precisava ver minha interpretação… Ela gostou, mas eu acabei ficando pouco tempo na Cinecastro, o Milton me levou para Herbert Richers, onde já tinha mais trabalho, mas eu dublava coisinhas pequenas.

Herman, o Monstro

Só depois que eu fiz um teste para o meu primeiro seriado, que foi Herman, o Monstro. Onde eu fizia a Lily (Yvonne De Carlo), depois, quase ao mesmo tempo, eu fiz “O Homem de Virgínia”, dirigido e protagonizado pelo Domício Costa.

4:54Falando um pouco de Anime, você dublou o Atsuko Uramesh em Yu Yu Hakusho, você se lembra desse processo de dublagem? Pois é um anime muito conhecido no Brasil, principalmente pelas frases marcantes, você lembra como é que era (o trabalho)? 

Não, não lembro. Hoje não mais, mas houve uma época, durou pouco. Que eu me senti muito magoada, porque era uma época em que todos os colegas participavam de animes e eu nunca fui requisitada. Só há uns dois anos, um moço de Niterói, que faz uns eventos com dubladores, me convidou. Eu fui muito feliz, porque alguém havia lembrado de mim, eu nunca fui convidada para esses eventos de dublagem.

6:11 | Interessante, você fez a Cheetara (ThunderCats), Felícia (Pinky, Felícia e o Cérebro), O Laboratório de Dexter (Dee Dee), Tutubarão (Leila), Soninha (Ursinho Gummy)… e desses desenhos, qual foi o que mais te marcou?

O que mais fez sucesso, foi a Felícia. Até pelas crianças ela é conhecida, embora ela seja mais conhecida pelos mais velhos. Já tive até uma cachorrinha que coloquei o nome de Felícia… O Huguinho, do DuckTales, eu gostava muito de fazer, até porque éramos eu, Marisa e Miriam Ficher, naquela época nós dublávamos juntas, hoje é tudo em canal separado.

8:00Você fez bastante filme também, Talia Shire (Rocky – Um Lutador | Rocky 2 – A Revanche | Rocky 3 – O Desafio Supremo), Susan Blakely (Falcão: O Campeão dos Campeões), Conchata Ferrell (Two and a Half Men), quando vocês pegam um trabalho desse na mão, vocês conseguem ter uma noção se aquilo vai ser um sucesso ou um fracasso?

Não, eu não. Pode ser que o dono da empresa tenha comprado o lote já sabendo que nos Estados Unidos já era um grande sucesso. Há um ano eu gravei American Horror Story (Jessica Lange), eu já sabia que tinha sido um sucesso e que ela havia ganho o prêmio de melhor atriz com o seriado.

9:11 | Bacana, e quando vocês pegam um filme desses, existe um contrato no qual vocês não podem falar nada para ninguém?

Não, essa coisa do segredo é mais da Disney. Quando a pessoa faz um teste e é escolhido, ele não deve comentar. A Disney confia muito no profissional, então você não pode tirar foto, nem falamos para os colegas, para evitar que vaze. Mas eu não estou garantindo para você, eu acho que é mais a Disney que é rigorosa.

10:23 | Você fez parte da direção de dublagem de “A Usurpadora”. Foi uma novela interessante porque a Paola Bracho ficou muito conhecida, até hoje temos esses memes espalhados pela internet…

Eu dirigi durante 5 anos, na Herbert, só novelas mexicanas. Uma das últimas foi Rebelde. Eu montei toda a escalação, liguei para todas as mães dos jovens dubladores para saberem seus horários de estudos. E deixando a modéstia de lado, eu acho que escalei muito bem, tínhamos um elenco primoroso. Só que tinha mais de 300 episódios, isso me cansou. Então pedi para o Herbert arrumar outro diretor. Então ela foi passada para o Mario Cardoso e o Duda Ribeiro, e eles foram muito bons também.

12:44 | Em todos esses anos que você trabalha no meio, você consegue notar um avanço na área? Ou a inserção de famosos que não estudam atrapalha o desenvolvimento da profissão?

É muita gente que chega. Chegam alguns valores, mas são poucos. Muitos colegas falecidos não serão substituídos. Quem vai substituir André Filho? Quem vai substituir Magalhães Graça?… Tem alguns que não tem substituição, até chegam talentos, mas eles só vão estar prontos daqui 10 anos. O processo da dublagem é longo.

13:55 | Eu noto no meio da galera que muitos adoravam as dublagens, mas que hoje estão migrando para o legendado. Há muita troca nos filmes…

Agora eles fazem redublagem. Nós dublamos Titanic, a direção foi da Marlene Costa, só que ela não tinha nada que facilitasse pegar um looping pelo meio, acertar um looping, e foi um primor. Para que que foram redublar Titanic?… Exemplo, eu dublei a Kathy Bates no Tomates Verdes Fritos (1991), realmente, o som tá picotado, e tudo mais, então esse sim, mas Titanic o som estava perfeito. Ai eles mudam o elenco da forma deles, eu não fui chamada para redublar, e muita gente também não foi… mas o que vamos fazer?

16:09 | Infelizmente eles não percebem que perdem público com isso… 

Hoje a qualidade não impera, eles tem pressa de aprontar. Sou de uma época em que o filme saia do estúdio sem defeito. Mas não adianta me amargurar porque fui substituída no Rocky, eu era a esposa do Rocky, quando veio o Rocky IV, não mudou de estúdio, mas eu fui substituída. O público “gritou”, mas eu botei de lado. Eu já me prendi muito. Na época dos Animes eu senti um pouco de tristeza. Mas eu vi que não levaria vantagem alguma em ficar triste, então deixei “pra lá”.

18:00 | Realmente, tem coisas que não podemos ficar chorando… hoje eles não ligam muito para qualidade…

Eu não posso ser tão radical, existem estúdios e clientes, a Disney mesmo, ela prima pela qualidade. Existem casas aqui no Rio de Janeiro que prima muito pela qualidade. Mas existem alguns que embrulham e mandam.

18:55 | Carmen, para encerrar. Quem é a Carmen Sheila versão “pessoa”?

(risos) Antes de tudo a Carmen Sheila é atriz. Quando eu brincava eu imitava minha professora. Tanto é que fui para Rádio Nacional com 11 anos. A Carmen Sheila de hoje procura curtir todos os momentos felizes, todos os momentos bons, mas é claro que não tenho só momentos bons, mas eu procuro fazer do meu limão, uma limonada. Eu amo meu oficio, quando entro em um estúdio, não importa se vou fazer uma ponta, vozerio ou a protagonista, meu respeito é igual, sempre. Entro no estúdio, respeito cada looping, cada frase que o diretor diz, eu entro com muito respeito, porque eu amo meu oficio, tudo que eu sou eu devo a dublagem. Sou agradecida ao meu pai. Ele foi um grande incentivador da minha carreira, e ao Milton Rangel, ele quem me ensinou dublar.

21:05Você quer deixar algum contato?

Tenho uma parceria com o Ronaldo Júlio. Eu dou aula para quem quer dublar, mas não conhece. Ou conhece, mas não está pronto ainda. Eu apresento a dublagem… 5 meses depois (20 aulas) eu passo para o Ronaldo Júlio, onde é uma aula avançada, mais difícil, ele dá aula até para dubladores que estão na área, mas não estão fortalecidos totalmente.

Agradeço muito seu tempo e sua paciência. 

Acha, eu que agradeço, gosto muito de estar em contato com meu público. Que não é muito grande (risos), mas eu sempre trato todos com muito respeito e sempre gosto de falar alguma coisinha para eles, quero mandar um abraço para quem acompanha e sabe alguma coisa da minha carreira. Obrigado por terem me deixado fazer parte da infância de tanta gente, isso me dá muita alegria. Vou fazer 73 anos, estou aqui de pé, na luta e amo meu trabalho.

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