Raphael está com um projeto gigantesco no catarse, mas para que isso acontecesse ele precisou fazer um intercâmbio na Inglaterra, cursar arquitetura, fracassar no projeto de montar um jogo para vídeo-game e pesquisar durante dez anos para conseguir colocar sua história em prática. Se você me perguntar o que arquitetura, vídeo-game, cursos na Inglaterra e França tem a ver com histórias em quadrinhos, eu te respondo:
– Tudo!
Vem ler essa entrevista que você descobrir onde cada detalhe se encaixa.
1 – Raphael, é um prazer poder falar com você… e para começar eu gostaria que você falasse um pouquinho sobre sua vida profissional e pessoal.
Eu estudei arquitetura, no Rio de Janeiro, por 6 anos. Durante esse tempo eu fiz intercâmbio, morei um ano na Inglaterra. E foi lá que eu descobri como fazer quadrinhos. Lá eu descobri que tem uma galera que curte isso e que deu moral para o meu trabalho. Tanto é que eles pediram para ter uma versão física. Então eu comecei “pilhar” nisso lá. Quando eu voltei para o Brasil eu já estava produzindo. Recentemente eu fui selecionado para um curso internacional de quadrinhos, aqui na França. Então eu estou morando aqui. Resumindo, eu comecei fazer quadrinhos durante a faculdade, no Brasil ainda, era webcomics. Depois fui para Inglaterra, lá eu comecei produzir em inglês e os gringos começaram consumir e pedir a versão física, foi então que comecei a publicar as revistas físicas, quando voltei eu comecei publicar em português, e agora que eu terminei a série inteira de dez revistas, estou transformando elas em um livro pelo catarse.
2 – Bacana, você esteve na Inglaterra e na França, e você conhece o mercado independente brasileiro. Qual a maior diferença que você vê nesses locais?
Principalmente no foco da galera. Eu estive com mesa em Comic-Con na Inglaterra, Irlanda e no Brasil. Na França o primeiro evento que irei será no final do mês. Que é o festival de Angoulême, então eu não tenho noção ainda. Na Inglaterra a galera ia para o evento para encontrar quadrinho novo. Os caras sabem que nos eventos tem independentes e independentes não vendem na loja e o cara vai para ver isso. No Brasil a galera vai, passa pelo independente, dá uma olhada e vai no stand da loja para comprar Batman. Marvel e DC são boas, mas os caras encontram essas paradas em lojas. Então eu acho que as pessoas não perceberam que o evento é o lugar de encontrar os independentes. Você tem a possibilidade de conversar com os caras, trocar ideia.
Mas no Brasil você tem que puxar o público para mostrar seu quadrinho. Enquanto na Inglaterra, Irlanda e outros locais aqui de fora, a galera que vai no evento para conhecer, então o cara chega na sua mesa e fala: | – “O que é isso aqui? Me fala sobre isso”. | é outra vibe. Não que eles não consumam Marvel e DC, eles consomem mais que os independentes, igual no Brasil. A diferença é que quando o cara vai no evento ele sabe o que está procurando. Se o cara quer comprar Marvel e DC ele vai na loja para comprar.
3 – Muito bom saber como é o cenário do exterior, mas vamos falar sobre “Os Tomos de Tessa”, seu mega livro de 200 páginas que vai misturar ficção com épico e alienígenas.
Ela meio que mistura teorias da conspiração, fantasia e ficção cientifica, ela conta a história de como alienígenas construíram as pirâmides do Egito, que é um tema que existe desde os anos 80, com vários livros de conspiração, até documentários no History Channel. E ai eu peguei essa história muito louca e quis escrever uma fantasia sobre isso, só que eu conto essa história do ponto de vista dos aliens. Então você vai seguir a história de um alienígena que se vê em uma guerra interplanetária, você vai ver como essa guerra vai acabar dando na terra de alguma forma (na construção das pirâmides). Apesar desse negócio de construção das pirâmides ser o que acontece, a história não é sobre isso, aliás, isso acontece na história, mas não é sobre isso. Seria como Jesus tá em Ben-Hur, mas Ben-Hur não ser sobre Jesus, entendeu?
Você vai estar acompanhando a história do Rah, que é esse alienígena, ele está em uma guerra e precisa impedir que seu povo seja destruído, porque ele é o herdeiro do trono e vê que a guerra está chegando ao planeta dele e vai dar problema. | Estou tentando dar o mínimo de spoiler possível, mas é complicado. | O grande barato dessa história é que quem escreve “Os Tomos de Tessa” é o próprio Rah, só que no futuro, se é que isso faz sentido! Então temos o narrador escrevendo a história (Rah velho), o personagem principal é o Rah jovem, que está sendo narrado por ele mesmo no futuro. Então em alguns momentos da história o Rah (jovem) vai estar tomando uma decisão e o narrador (Rah velho) fala: | – “Eu mandei mal nessa hora, porque eu era um idiota quando era mais novo”. | Então ele tem um conflito dele mesmo com as atitudes que ele tomou no passado. É um jeito interessante de abordar o narrador. Como é um universo muito grande e complexo, com várias raças, povos, culturas e arquiteturas diferentes eu não teria tempo de explicar isso tudo por desenho, levaria muitos anos para desenhar, então o fato de ter um narrador que em certos momentos explica algumas coisas, ajuda a trama funcionar e a emergir o leitor naquele universo inteiro.
Outra coisa, por ser arquiteto, eu foco muito em como as raças alienígenas vivem, nas cidades que elas vivem, nos tipos de veículos que cada uma tem, tanto é que “Os Tomos de Tessa”, “Tessa” é o nome da cidade do Rah, então os “Tomos de Tessa” seriam os livros escritos nessa cidade. A raça do Rah, que são os akabianos, tem uma arquitetura que se parece muito com o Egito, e ao longo da história você vai conhecendo outros povos e raças e cada raça alienígena tem uma arquitetura própria, uma cultura própria, então a construção de mundo é muito rica. Eu uso isso principalmente para mostrar meio que como um estudo de caso sobre sociedades alternativas. Exemplo: existe uma raça que se parece com insetos de quatro braços que voam, em dado momento o Rah chega nesse planeta e o narrador comenta. | – “Eu odeio ir para esse lugar porque na língua deles não tem porta”. | E ele tem que escalar os prédios para entrar nos lugares, pois como eles são insetos voadores gigantes, na cultura deles porta e janela se traduzem para um “orifício que você entra”. Então o conceito de porta não existe nessa sociedade. É um pequeno detalhe que em algum momento da história ele cita que não gosta daquele local por não ter porta, mas que faz você parar para pensar, se uma sociedade voasse, você não precisaria de portas, porque janelas e portas seriam uma coisa só, então esse tipo de insight que eu coloco na revista é uma coisa que eu quero fazer para que o leitor pense enquanto está lendo.
4 – Pelo tanto de coisa que você expôs, o tempo de pesquisa deve ter sido muito grande, onde você se inspirou e quais foram suas referências?
Então, eu tinha 13 anos de idade quando comecei pensar na história dos “Tomos”, e a história era horrível, super infantil, servia para que eu brincasse com meus amigos no recreio. Mas essa história meio que grudou em mim, eu fui crescendo e reescrevendo, rescrevendo… e cada vez que eu reescrevia ela ficava mais madura. Quando completei 21 anos resolvei pegar a história e fazer virar um quadrinho de verdade. Juntei todas as pesquisas que eu tinha acumulado durante esse tempo, comprei livros que falam sobre essas teorias e estudei bastante. O interessante é que o fato de ter estudado arquitetura e gostar muito de história da arquitetura me levou a pegar os elementos da arquitetura de cada época, não exatamente o que acontecia, mas o que cada período arquitetônico “queria que acontecesse”. Exemplo: o gótico tinha por preceito “isso, isso e isso”, mas nem tudo o que eles tinham por preceito conseguiram executar. Então eu peguei alguns desses estilos icônicos e transformei eles. Pensando em algo como se o que eles queriam fazer tivesse acontecido. Então eu coloco isso em uma raça alienígena e vejo o que acontece.
Rola muita pesquisa, mas rola muita interpretação. O que eu quero propor é que o que a gente tem hoje se originou dessas raças, então o que a gente tem hoje seria uma interpretação do que os antigos viram desses alienígenas, então eu tenho uma certa liberdade para fazer coisas com os alienígenas, que são diferentes de hoje em dia, pelo simples fato de que o que a gente tem hoje em dia está errado, porque foi uma interpretação equivocada dos humanos. | Estou dando mais spoilers do que deveria nesse momento (risos) | Enfim, teve muita pesquisa, tenho muitos sketchbooks, muitos cadernos de croqui no qual desenhei e redesenhei personagens, arquiteturas e muitas coisas.
Acho que a parte mais importante que você vai gostar de saber é que para que eu tivesse essas cidades consistentes eu modelei elas todas, então elas existem, são modelos em 3D que fiz no computador, elas estão lá, tem todas as ruas, todos os prédios, estão construídas virtualmente. Então cada vez que eu tinha uma cena em uma cidade, eu simplesmente ia ao meu modelo em 3D, consultava e usava como referência para desenhar. Isso facilita, pois se um dia eu quiser fazer um jogo com isso eu tenho tudo pronto, isso é um adianto de vida enorme, porque eu faço tudo sozinho, desenho, roteiro e cor, eu não tenho tempo de ficar redesenhando as coisas várias vezes, então o fato de ter feito tudo em 3D me deixou com os cenários prontos, no qual só preciso ajeitar detalhes deles e pintar por cima, mas o desenho está feito. Lógico que demorou muito tempo para fazer, mas depois de pronto isso fez com que eu gastasse menos tempo desenhando do que eu gastaria.
5 – Sensacional, eu tinha visto no catarse que o projeto era muito grande, mas não tinha dimensão de todo esse trabalho. Aliás, eu vi que você compôs uma trilha sonora para HQ…
Bom, faz três anos que comecei produzir essa versão real da parada, mas um ano antes eu tinha resolvido fazer um jogo de vídeo-game, não um quadrinho. Juntei alguns amigos e a gente começou a desenvolver um vídeo-game dos “Tomos de Tessa”. Só que não deu certo, nós éramos novos, os caras não souberam programar direito e a gente acabou brigando. Então decidi fazer de um jeito que eu pudesse fazer sozinho. E assim que eu fui para os quadrinhos. Foi bom que aconteceu isso porque agora eu criei um amor pelos quadrinhos e quero continuar fazendo isso pelo resto da minha vida. Enfim, quando comecei fazer o jogo, eu comecei fazer os modelos e a trilha sonora do jogo, isso me rendeu material para o quadrinho também. Então eu aproveitei essa material. Eu tinha banda quando era mais novo e quando resolvi fazer o game, que não deu certo, eu me especializei em fazer trilha sonora. Como eu sempre fui muito ligado a música eu construí uma trilha sonora pro quadrinho, então você vai poder ler ouvindo a temas específicos, são seis músicas que eu fiz (talvez sete, estou na dúvida se uma delas vai entrar ou não). Que são referentes a partes específicas da história. Exemplo: Star Wars tem o tema do império, existem músicas para determinados momentos, eu também tenho músicas para determinados momentos, temas para determinado personagem, o tema do planeta “tal”, ou cena de porrada, nesses momentos eu vou dizer: | “Esse aqui é a música tal” | então você vai poder ouvir a música enquanto lê. Eu sei que existe, mas não é comum de se ver. Já estou experimentando fazer quadrinhos em 3D, que também não é comum, então já que estou saindo pela tangente, vou sair totalmente mesmo, vou experimentar e ver o que acontece.
6 – Certo, e qual sua expectativa para o projeto?
Eu sei que por ter começado publicar na Inglaterra, dei uma dividida no público. Eu fiquei no Brasil só um ano entre voltar da Inglaterra e vir para França. Então não tive tempo de divulgar no Brasil, eu fui em uns seis eventos, dois ou três grandes e os outros menores, o que não é um número grande para criar um público, então eu tenho um certo receio de que eu não tenha público suficiente para que esse projeto se banque. Por outro lado, todo mundo que para pra ouvir o que é o projeto fica “pilhado”, por isso eu tenho fé de que as pessoas que perguntam o que é o projeto e gostam, vão ser as pessoas que vão mobilizar as outras para apoiar o projeto. Mais uma vez, por estar na França, eu não tenho condições de divulgar o projeto como eu gostaria para galera do Brasil. Com isso eu dependo de quem me apoia convocar novos apoiadores, que vão convocar novos e assim vai ser uma rede. Eu espero que ao final da campanha eu tenha reunido gente suficiente para que esse projeto se banque. Pelas minhas contas, eu preciso de aproximadamente 400 apoiadores que queiram o livro impresso. E 400 apoiadores para galera que lê quadrinho no Brasil não é um número tão absurdo.
Tenho fé de que consiga. Porém, eu não posso garantir. Então o que eu posso fazer é divulgar para todo mundo, mesmo aqui da França. Eu tenho alguns amigos meus ai no Brasil que estão me ajudando. Os poucos eventos de quadrinho que eu fui no Brasil foi suficiente para conhecer quadrinistas, porque nesse meio de quadrinho independente todo mundo se conhece. Inclusive eu estou aqui morando com o Denis Melo que é o ilustrador do Beladona, ganhou vários prêmios do HQMIM anos atrás. Nós dois fomos selecionados para participar desse curso. Ele, assim como vários outros quadrinistas que conheci, estão me dando moral. Vai ter uma galeria de artistas convidados no final do livro, que eu cito no catarse. Por enquanto eu só revelei um artista, que é o Pedro Ferreira, ele é sensacional. Mas vão ser vários artistas, ao longo da campanha eu vou revelando esses caras.
É uma galera responsa que eu fiz amizade durante esse tempo que participei de eventos. Não só do Brasil, mas da Inglaterra e a galera aqui da França, então podem esperar artistas internacionais nessa galeria de arte no final do livro. Vai ter artista do México, França, Inglaterra.. enfim, muita gente que conheci e sentiu firmeza no projeto. Espero muito que dê certo, mas depende muito da galera, não depende mais de mim, a minha parte foi feita, o livro tá ai, depende da galera para fazer isso virar realidade.
7 – Realmente, depois de conhecer detalhes do projeto você acaba tendo vontade de adquirir o livro, pode contar que o HQ’s com Café vai adquirir um livro e ajudar no que for preciso…
Obrigado pelo apoio, isso é muito importante, tomara que essa divulgação ajude a fazer dar certo, porque eu quero muito que isso dê certo, eu preciso de toda divulgação possível, eu preciso converter o máximo de pessoas possíveis pra essa galera que entendeu o que é a história e acha maneiro, que bom que eu fiz mais um dos meus (risos).
8 – Vendo que você dedicou todo esse tempo para realização desse projeto, creio que não sobrou tempo para que você escrevesse outras coisas, né? Você tem ideia do que escrever no futuro?
Eu me dediquei muito durante esse tempo para os “Tomos”, e não consegui desenvolver nenhum outro título, porém, agora que terminei os “Tomos”, eu iniciei um projeto aqui na França, que chama-se “Salto”, é uma fantasia estilo punk, vai ser um livro fechado com mais ou menos 160 páginas, one-shot, que vai contar a história de uma cidade (meus quadrinhos sempre envolvem cidades, não consigo fugir da minha herança arquitetônica) estilo punk, dentro de uma caverna, onde todo mundo é feito de fogo, e por alguma razão, um cara nasceu azul, ele é um fogo azul. Toda jornada envolve esse cara sendo “zuado” por ser diferente. Ele descobre que toda aquela sociedade é uma mentira e sai em uma busca para tentar salvar as pessoas dessa mentira. É uma fantasia de muita ação, a inspiração seria meio que a história do Aang (Avatar), com o Aladim, com o Homem-Aranha dos anos 90, aquele que é magricelo e faz umas acrobacias muito loucas. Vai ser um quadrinho dinâmico que vai ter uma mensagem moral e social muito interessante sobre como a gente lida com a sociedade e com a zona de conforto. Esse livro tem previsão de ficar pronto em julho, mas tem todos os tramites de fazer acontecer, porque os “Tomos” ficou pronto em dezembro e agora que eu estou conseguindo fazer acontecer. Eu pretendo lançar um trecho do livro na internet, em abril, mais ou menos. Já tenho a página, dá para dar uma olhada no que se trata a vibe do quadrinho, é bem diferente dos “Tomos”.
Então esse é o meu próximo projeto que está em produção, e eu até tenho um terceiro projeto, que está bem mais embrionário, mas acho que vou trabalhar nele uns 3 anos, assim que acabar o “Salto”, que vai ser um negócio mais curto, eu vou fazer esse projeto que vai me levar vários anos, que chama-se “Emboaba”, que é tupi-guarani para forasteiro. Vai ser um quadrinho sobre as criaturas folclóricas do Brasil, vai ser uma parada sobre Curupira, Saci.. mas não igual Turma da Mônica, eu quero fazer com o Curupira o que Neil Gaiman fez com Sandman, eu quero transformar as figuras folclóricas brasileiras, que por várias razões viraram curiosidades infantis, no que realmente elas foram criadas para ser, lendas que dão medo, que são figuras mitológicas, não vai ser um quadrinho de terror. Como a gente acha legal dragão, elfos e anões, da mitologia medieval européia, eu quero que a galera ache tão legal quanto o Curupira, Saci e as criaturas que a gente possui no nosso imaginário, que por vários fatores são associadas a explicar sobre “florestinha” para crianças. Assim, pesquisei muito e o Curupira foi visto pela primeira vez por um monge, em torno de 1600 e ele descreveu o bicho como um demônio da floresta que não te deixava entrar na mata se você não desse uma oferenda (fumo e cachaça) e pedisse permissão para entrar, se não ele te matava. Esse é o personagem que eu quero trazer, o espírito da floresta que mata quem não está concordando com ele, não o bichinho fofinho que salva a mata. Bom, mas já divaguei demais aqui, esse projeto provavelmente começarei em 2018. Então ficou assim, salto em 2017, emboaba 2018, 2019…
9 – Rapha, foi um prazer falar com você. Deixe onde a galera pode entrar para comprar essa história e seus contatos.
Vamos lá: Página do Facebook dos Tomos | Página da campanha do Catarse | Página do Salto.
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