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HQ’s Entrevista | Chico Lopes

Dentro de um espaço comunicativo cíclico a criação de novas ideias e provocações o escritor Chico Lopes. Vencedor de um Jabuti em 2012 por seu livro “ O Estranho no Corredor”, na categoria romance, nos proporcionou um diálogo variando desde o clássico ao esculacho, mas sem perder o carisma e a provocação cavalheira, do intelectual, que faz de sua cortesia filosófica, um instrumento para adentrar a novas mentes, que sejam adocicadas pelo sabor da literatura.

1 – Como você pensa que está a leitura no Brasil atualmente?

Na minha experiência de publicação (dez livros publicados desde 2000), percebi que há um nicho bem pequeno de interessados na literatura que pratico. Meus livros oferecem, creio, prazer literário, mas não oferecem evasão, não fazem parte dos gêneros que atualmente são os mais procurados: biografias de celebridades, fantasias adolescentes, religiosos, autoajuda, crônicas de humor ou amenidades. Entre-se numa livraria, atualmente, e se verá como a ficção brasileira séria fica em prateleiras bem menos ostensivas. Há talvez um interesse por ela, mas é bem limitado. Não sei se, à razão do crescimento populacional, estamos de fato fazendo mais leitores. Há campanhas bem modestas nesse sentido, há talvez um número maior de bibliotecas, mas a pobreza educacional do país transformou o brasileiro comum em alguém que não tem simpatia por leitura. O governo atual não mostra interesse nenhum por atacar o problema. A massa em geral é manipulada pela televisão e se contenta com aquelas narrativas estúpidas das telenovelas. Não vejo saída pra isso que não seja de longuíssimo prazo.

 2 – A literatura de autoajuda, hoje, não poderia ser vista como um plantel teórico de controlar formação de uma subjetividade crítica, já que vivemos momentos de descrença perante os órgãos governamentais e propriamente no Estado, de uma forma direta?

Com a pulverização das ideologias políticas, tendo a esquerda e a direita fracassado em muitos planos e governos, e com chamada “globalização” depois da Queda do Muro e da desintegração da União Soviética, penso que o interesse pelo engajamento ideológico sofreu abalos violentos. O mundo tornou-se mais caótico e as pessoas bem mais individualistas, de modo que o “sentir-se bem” suplantou o dever de ser consciente. Nasceu um hedonismo sem pátria e sem cara, sem preocupações sociais mais consistentes. A Literatura de autoajuda, que dificilmente pode ser classificada como Literatura, é como a mania, muito disseminada pelo país há décadas, de consumir calmantes. É uma literatura “lexotânica”, se posso cunhar um neologismo. Esses livros não são nada, repetem indefinidamente mantras de sugestão para que as pessoas pensem positivo, quer dizer: sejam automatizadas e permaneçam insensíveis aos problemas do tecido social. De modo que essa massa sonâmbula e desinteressada de política pode sim servir a governos que não desejam pessoas dotadas de crítica e percepção de seus podres.

3 – Como você imagina que o escritor possa ser ativo dentro de nossa sociedade civil atual?

Acho que os escritores devem sempre ser do contra. Eu sempre fui, mesmo quando militei discretamente em um partido, uma espécie de fonte de desacordo, de dúvida. E este desacordo é fundamental. Estou com Albert Camus nisso de achar que os verdadeiros dilemas do ser humano são existenciais e metafísicos, de modo que os regimes políticos, por mais bem-intencionados que sejam, não podem fazer muito para acalmar a inquietude básica. Onde houver um sistema, haverá opressão, e a Literatura tem que pôr o dedo na ferida, tem que incomodar, senão pra quê escrever? Acho que o escritor, fazendo seu papel natural de desacordo, já colabora em muito para que o sistema seja questionado e minado.

4 – Em sua opinião, quem seria os grandes escritores da liberdade, ao longo de sua carreira como escritor?

A meu ver, a Literatura sempre nos dá uma liberdade enorme. Uma liberdade que outras artes, mais vigiadas pelo sistema da indústria cultural (o cinema, por exemplo) não podem ter. Uma página em branco é um convite a usar a imaginação, o talento e a indignação como melhor parecer ao escritor. De modo que meus escritores favoritos são, para mim, fonte de uma liberdade, de uma independência de pensar que tem norteado minha vida: Dostoiévski, Proust, Camus, Julien Green, Truman Capote e muitos outros. Alguns nem eram engajados politicamente, mas, com sua literatura, convidaram os leitores a aventuras fundamentais dentro de si mesmos, livrando-os do jugo da ignorância e da manipulação.

5 – Quais são suas principais influencias literárias?

Não saberia enumerar, pois li muito, e continuo lendo bastante, nos meus 65 anos de vida. Creio que, nos contos, recebi influência bem marcada de Dalton Trevisan, de Clarice Lispector, de Cortázar, Guy de Maupassant, Machado de Assis. Minha ficção trata de descompassos entre o homem e seu meio, de fugas radicais (inclusive via loucura), e no meu romance “O estranho no corredor”, que recebeu um Jabuti em 2012, na orelha o editor me comparou a Graciliano Ramos, citando um escrito de Antonio Cândido sobre ele. Gosto muito de Graciliano, um dos escritores brasileiros que mais releio. E gosto muito de Guimarães Rosa, Clarice, Machado. A gente acaba sendo um amálgama de tudo que leu e viveu, e mais da própria experiência subjetiva, de modo que é difícil discernir onde as influências se fazem mais notar. Digo: fica mais difícil para o próprio criador, mas a visão dos leitores e dos críticos abre percepções.

Chico Lopes e Clayton Zocarato

6 – O cinema perdeu um pouco do seu romantismo, ficando ele mais mercadológico, ou ele se tornou um sínodo de acumulação de capital? Como o senhor pensa esses dois pontos de vista?

Desde sua fundação, o cinema é uma indústria de entretenimento e só aos poucos foi sendo reconhecido como arte, devido a experiências isoladas de cineastas e produtores mais corajosos e com menos medo de perder dinheiro. Tem que ser claro, desde o início, que um filme é um investimento, que o romantismo da profissão talvez seja fundamental para que se faça as coisas com prazer e otimismo, mas que há uma realidade financeira implacável que não perdoa de modo algum o insucesso. Ninguém pode ser ingênuo em relação a essas coisas sem pagar muito caro pela ingenuidade.

Mas, no passado, por tudo que li sobre cinema, alguns produtores tinham uma sensibilidade um pouco mais refinada e bancavam certos riscos, de modo que Orson Welles, por exemplo, pôde fazer seu gigantesco e modelar “Cidadão Kane”. Hoje em dia, há conglomerados milionários que, ao investir num filme, só querem repetir formulas que já deram certo, de modo que o número de franquias e os filmes calculados para determinados públicos está matando qualquer prazer de se ir ao cinema. Há poucos filmes adultos em cartaz, quase tudo apela para a ação, a magia, o espetáculo, e a verdadeira reflexão não está interessando a essa massa sonâmbula e idiotizada.

Leio muito publicações americanas no original, como tradutor que sou, e a preocupação com o sucesso e o dinheiro, que sempre foi marcante em Hollywood, hoje em dia chegou a extremos, parecendo enlouquecedora. Bons diretores que não façam um filme de sucesso e continuem fazendo sucesso são simplesmente postos fora da jogada. Aconteceu com o famosíssimo Francis F. Coppola e continuará acontecendo com outros. A acumulação do capital é de fato bem mais importante, porque se criou o mito perverso de que o sucesso de bilheteria tudo absolve, de modo que a qualidade não está mais em questão – um filme horrível sob todos os pontos de vista pode dar dinheiro, um filme importante e revelador da condição humana pode ser um incômodo para os produtores se não der lucro. Viu-se isso recentemente com “Blade Runner 2049”. Teve um grande orçamento, mas não lucrou o esperado, porque não fez concessões e investiu numa visão bem melancólica do futuro. No entanto, foi visto por muita gente, mesmo assim. Mas os produtores atuais são de uma ganância tão absurda que é preciso que um filme lucre infinitamente. A fome não de pouco, mas de MUITO, MUITO dinheiro, tudo destrói. E os diretores vão ficando mais concessivos, por mera questão de sobrevivência, e emigram para séries ou procuram produtores mais independentes, mas aí têm que se contentar com um público menor.

Isso vem acontecendo analogamente com a literatura, onde os editores só visam best-sellers e nem saberiam reconhecer um Machado de Assis se ele aparecesse com originais à sua porta, hoje em dia. Com isso proliferam as editoras pequenas, que se dirigem a um pequeno público com tiragens muito limitadas, e podem bancar alguns riscos. Mas, naturalmente, os livros que produzem têm uma distribuição muito problemática e não chegam a ser conhecidos nem resenhados pela grande mídia.

7 – Em seus livros, algo muito peculiar “é a saudade”, que remonta a uma certa nostalgia de tempos mais românticos, e com certo “ar” de candura e inocência? Estamos sendo mais céticos e perdendo a confiança uns nos outros?

Só um livro meu é abertamente nostálgico, o de memórias, “A herança e a procura”, que fala de meus 40 anos vividos em Novo Horizonte, SP. Foi lançado em 2012 e se esgotou. Os outros podem conter evocações e saudades, mas são críticos. Vejo a nostalgia como algo que não escapa a um filtro crítico e o descompasso entre presente e passado é um fosso insuperável. Mas as recordações agradáveis têm certo poder regenerador, não há dúvida, que nos faz gostar de viver e nos consola de certas feridas, até certa medida. Agora, ninguém chega aos 65 anos sem ser forçosamente nostálgico. Principalmente quando, como eu, se foi jovem num período áureo da cultura brasileira, como os anos 1960 e 1970. Debaixo da ditadura, a música, a literatura, tudo era de uma qualidade imensa. Claro que não tenho saudades da ditadura sob o ponto de vista político e existencial de jeito nenhum, mas a qualidade artística daquela época foi realmente superior.

8 – Escola? Uma “carroça medieval” ou um “automóvel desgovernado”? Qual sua concepção de educação no Brasil?

Acho lamentável. Paga-se mal o professor, mas não é só isso – há muita complacência com a burrice e programas paternalistas profundamente equivocados. Temos muito a fazer nesse aspecto para atingir um padrão decente.

9 – A “literatura virtual” (hipertexto, cibertextos, pdfs ), está tomando conta do mercado de livros? Isso não causaria um relativo esquecimento do prazer em se ter o desafio em enfrentar “calhamaços” como aqui citados, Proust, Balzac, Dostoiévski, que venham a esmiuçar a formação de novas mentes intelectualizadas?

Acho que quem realmente gosta de ler não se importará tanto com a mudança das formas e meios de leitura e não vejo assim um esquecimento tão agudo do prazer de se ler “calhamaços”. Claro que pessoalmente prefiro livros impressos, porque gosto de capas, do cheiro das páginas, de levá-los pra cá e pra lá, nos trajetos de ônibus ou pra cabeceira da cama, mas os livros eletrônicos têm seu papel e vejo muitos jovens ligados neles. Não tenho objeções contra a internet porque o tipo de romantismo que ainda tenho (se tenho algum) não é aquele que prefere a luz de velas à luz elétrica. Acho que os avanços tecnológicos podem ser ruinosos, causando certa apatia e uma preguiça mental maior, mas podem ser benéficos – tudo depende de quem os usa e para quê.

10 – A universidade brasileira é em grande conjectura, um “marasmo de burocracia”, como enfrentar esses entraves na busca de um subjetivismo científico e dialético?

Não saberia dizer, não passei por nenhuma universidade. Sou autodidata em quase tudo. Fui sempre transportado pelo prazer da leitura, dos filmes, das traduções (Inglês e Espanhol) e me aperfeiçoando a meu modo. Se quisesse fazer uma faculdade nos meus tempos de jovem, teria enfrentado imensas dificuldades, devido à pobreza da minha família. Mas diria que o pedantismo universitário às vezes me aborrece, o velho culto do diploma que alguns formados ainda têm, mesmo se levando em conta que, ao sair da universidade, trombam com um mundo onde alguém não-formado pode ganhar muito mais e ter vantagens práticas muito superiores. A mania de se achar “doutor” e superior ao resto é uma fraqueza deprimente. Trai um provincianismo tolo e patético.
As universidades formam sim mentalidades meio rígidas e burocráticas, mas espíritos livres podem conquistar o que elas têm de bom – a oferta de conhecimento – e fazer uso inteligente disso.

11 – “Vou me, para Pasárgada, lá sou amigo do rei”, (Manuel Bandeira), qual seria a Pasárgada do escritor Chico Lopes?

Juro que não sei. A pátria ideal é sempre apenas ideal e não me parece ter localização geográfica precisa – está mais nos nossos desejos que na realidade concreta. Também, sem querer fazer piada, não gostaria de ser amigo de rei nenhum porque sou plebeu e republicano até os ossos, acho as monarquias um horror (risos).

12 – “Quando está tudo uma bagunça, melhor acabar com isso, no mundo de segredos, no mundo de sons…” (Break It Down Again) ( Roland Orzabal), usando de um trecho da canção do líder do Tears For Fears, o “desconcerto da humanidade” em nosso atual momento histórico, com ascensão de Donald Trump, e os ideias bélicos do Oriente, como Putin e da Coréia do Norte, crises humanitárias em vários países africanos, o Brasil com sua “espalhafatosa bagunça moral e ética, “o mundo não está se acabando”, dentro de seu próprio sentido de egoísmo, em pensar o coletivo, e esquecer do indivíduo? Como a literatura pode entrever dentro dessa bagunça sociopolítica e sociocultural que vivemos?

Muito pertinente, a tua colocação. Acho que a literatura brasileira não está percebendo a imensidão de assuntos que tem à disposição neste país insano, os escritores jovens ficam muito presos aos seus umbigos e assuntos limitados, relações sexuais, botecos, historinhas pessoais de amor e frustração, etc. Falta um olhar para essa loucura coletiva toda. Mas creio que a complexidade do desafio os assusta e eles se refugiam no que está mais próximo e fácil de relatar. Fico pensando que esses anos todos de loucura não nos deram nenhum romance de importância e abrangência social à altura no Brasil – do resto do mundo não posso falar. Posso estar enganado, mas não li de brasileiro nada assim.

13 – Voltando ao cinema, em seu livro “Na sala escura; a arte de sonhar com os olhos abertos”, o senhor cita desde Herzog a Hitchcock e também clássicos literário que foram adaptados para o cinema como: “O Leopardo”, de Luchino Visconti. O cinema em sua opinião não seria a literatura por outros caminhos? Como valorizar a imagem sem perder o brio do letramento crítico?

Creio que alguns filmes conseguem adaptar muito bem o universo literário, “O leopardo” sendo um dos exemplos mais felizes. Gosto também de três adaptações brasileiras: “Vidas secas”, do Graciliano Ramos por Nelson Pereira dos Santos, “A hora da estrela”, de Clarice Lispector por Suzana Amaral e “O beijo da mulher-aranha” de Manuel Puig por Hector Babenco. “Os inocentes”, de Jack Clayton, é uma adaptação perfeita do livro “A volta do parafuso”, de Henry James, e gostei muito de “Desejo e reparação”, adaptação de Joe Wright um romance de Ian McEwan. As boas adaptações fazem isso – valorizam a imagem sem perder o brio do letramento crítico – mas, na maior parte dos casos, deixam muito a desejar.

Acho que o Cinema, como disse, não tem a liberdade criativa da Literatura, e, como exemplo, posso dizer que eu teria gostado muito de ser cineasta, mas isso é praticamente impossível quando se é pobre e se vive no interior, como sempre vivi. Mas, se você quiser ser escritor e for pobre-diabo, bastará que tenha dinheiro para comprar caneta e papel, grosso modo, ou ter um micro pra digitar. Tudo que será requerido de você será imaginação e talento. Já um filme exige dinheiro demais – produtores, elenco, distribuição, mil e uma contingências práticas, e o talento individual deve se curvar ao trabalho de equipe, poucos diretores podem ser livres diante do que fazem, fugindo à tutela do produtor e do estúdio que impõe estrelas (Hitchcock foi um exemplo positivo, mas só conseguiu fazer o que queria quando se tornou produtor dos próprios filmes). Eu gostaria de ser roteirista, mas não saberia por onde começar nem quem procurar. Uma vez um cineasta de curtas quis filmar um conto meu do livro “Dobras da noite”, de contos, mas fez um roteiro absurdo, tão distanciado do meu conto que achei melhor nem dar bola para a coisa. Cinema é suplício no Brasil. Depois do filme feito, há que enfrentar a dificuldade da distribuição, de ocupar salas tomadas em maioria pelo filme estrangeiro.
O Cinema tem ligação muito forte com indústria e lucro. A Literatura pode voar em territórios mais extensos e livres. A força das palavras nos leva para lugares onde a imagem perde, seguramente. Não consigo imaginar filme algum que chegue perto de “Em busca do tempo perdido”, de Proust, em termos de poesia literária e profundeza filosófica. As duas artes são diferentes, claro, mas há uma grandeza em Proust e Dostoiévski que obras-primas como “Cidadão Kane” e “A estrada da vida”, do cinema, não alcançariam em intensidade emocional e riqueza intelectual.

14 – Alfred Hitchcock esboçou em suas películas o lado sombrio da mente e conduta humana, onde a percepção do mal está no sentido de uma normalidade da crueldade, como um estilo de conduta social. Será que não estamos perdendo “um pouco do gosto de sangue” dos relacionamentos humanos como diria o pensador romeno Emil Cioran, e vivendo o exagero do politicamente correto, dentro os arcabouços de um novo Leviatã da dita pós-modernidade?

Eu acho o “politicamente correto” uma desgraça, uma limitação imposta por gente medíocre a mentes que querem voar, querem criar livremente. Não conhecia a frase de Cioran. Acho que os exageros de preconceito, claro, são inaceitáveis, mas ficar cunhando eufemismos piedosos não significa nada, não altera erro humano algum. E, quando se trata de arte, o compromisso com a realidade e com a complexidade humana está acima de tudo. Acho que a lucidez do artista, mesmo que pareça cruel, tem uma profundeza que meros moralistas nunca poderão entender. O que lhes resta é tentar castrá-la. Inutilmente.

15 – O tempo, a experiência, o amadurecimento, a literatura pode trazer isso, ou pode fazer elevar sonhos além da realidade do “eu”? Como o senhor pensa um leitor que sonhe, mas ao mesmo tempo mantenha os pés no chão?

Bem, eu diria que o tempo, a experiência, o amadurecimento são coisas muito ambicionadas e não sei se um escritor se aprimora como pessoa, mas certamente, se ele conseguir seguir com coerência seu traçado estético, obterá amadurecimento dentro dele como escritor com o passar dos anos, devendo ter cuidado para não cair em fórmulas e deixar de ter o que dizer. Mas, por trás do escritor, haverá sempre um ser humano frágil, assustado, transportando uma carga de passado que o presente não chega a dissipar por completo e com medo de um futuro de senilidade onde não poderá escrever mais. O escritor sim é que tem que sonhar, sonhar sempre, mantendo porém os pés no chão (até porque é impossível desgrudá-los da lama em que pisamos, somos todos apenas humanos). O leitor atento poderá segui-lo.

16 – Cultura pop: leitura, imagens, e vídeos de entretenimento, ou o clássico sem ser “chato”? Podemos unir diversão, mas com qualidade, sem cair no nefasto sentido de “Indústria Cultural de Massa”?

Acho que as distinções entre cultura de massa e cultura de elite, refinamento e massificação, foram terrivelmente embaralhadas nos últimos anos, e muitos críticos perderam a orientação (ou a vergonha) e tendem a cair no vale-tudo pós-moderno, o que, a meu ver, é um perigo constante de degradação. O Brasil está num fedor de arrasar no tocante à música, por exemplo. Creio que o que mais me irrita na indústria cultural é ela estar em mãos de pessoas que não têm apreço algum por essa mesma massa a que se dirige – qualquer coisa que faça sucesso lhes parece boa, só há máquinas caça-níquéis soando constantemente. Uma cultura pop pode nos dar algo muito bom, como deu os Beatles e outros tantos gigantes do rock ou bons filmes americanos comprometidos com entretenimento sem perder a qualidade. No entanto, hoje em dia há muita hipocrisia e repetição safada nessas misturas de “alta e baixa cultura” e vejo gente pretensamente culta defendendo coisas que precisariam ser examinadas com mais cuidado, porque não têm um pingo de arte, é só comércio, e comércio degradado. O que tem que haver é um justo discernimento e não a supervalorização do que é espetacular e midiático. Se nos ativermos apenas ao “acho isso chato”, “não gostei”, “prefiro aquilo”, diante de certas coisas que assumem compromissos menos comerciais, simplesmente jamais faremos justiça à arte. Talento não é uma coisa tão disseminada e democrática assim não, há uma considerável distância entre Rita Lee e Beethoven. E também a palavra “elite” tem que ser vista sem o ranço opressivo que se lhe aplica.

17 – Para encerrarmos, como Chico Lopes define o próprio Chico Lopes?

Diria que sou um obstinado. Gostar de arte e passar 65 anos praticando arte, ganhando pouco dinheiro e quase nenhuma compreensão social, só pode ser explicado como obstinação. Mas não posso me queixar de falta total de reconhecimento. O apoio de certos leitores e amigos me fez sobreviver, e vou em frente. Arte é paixão. Sou um apaixonado. Um apaixonado é alguém que mais se desaponta do que se contenta. Mas sempre se levanta – cai sete vezes, levanta oito.

Fotos retiras do Facebook do Chico Lopes.

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