Opinião com Café.
Clayton Alexandre Zocarato.
O gênero policial, misturado com uma pitada de crueldade e ironia, marcou muitos dos filmes de Charles Bronson (1921 – 2003), tanto que o slogan “o homem de poucas palavras e muita ação”, o fez um ícone dentro dos “durões do cinema” hollywoodiano ao lado de Clint Eastwood (1930) , Lee Marvin (1924 – 1987), Anthony Quinn (1915 – 2001) e Lee Van Cleef (1925 – 1989), durante os anos 60, 70 e 80.
Bronson ganharia destaque mundial a partir do temeroso Desejo de Matar, de 1970, teria mais quatro continuações (1982, 1985, 1987, 1994), na pele de Paul Kersey, arquiteto e pacifista, que culmina por se tornar uma “pedra nos sapatos” da criminalidade, cometendo assassinatos camuflados por justiça depois do abuso sexual cometidos contra sua esposa e filha.
Todavia, antes, estreou essa película, feita na terra da “pizza”, na pele de um matador profissional com crise de consciência após anos levando “seu ofício” da forma mais próxima da perfeição que fosse possível.
Jeff Heston, personagem principal, busca construir uma vida longe da matança, porém se depara em certo momento com uma neurose de não conter a própria aceitação da sua condição humana “comum”, diante um período ao qual em franco andamento a Guerra do Vietnã (1955 – 1975), bem como os desejos de transcendência incorporada pela sociedade hippie, vai destruindo aos poucos a ideia da família nuclear e tradicional, formando um efeito psicanalítico nostálgico ao qual, a busca de superação mental e de novas emoções, confronta com a condição “do homem precário”, segundo a visão do escritor e político francês André Malraux (1901 – 1976), no que condiz a uma troca constante de suplemento moral diante o desafio de viver em uma sociedade tecnicista e sem atrativos de arquitetura solipsismos a que venham a transcender a realidade ao qual o “eu” vive.
Heston, depois de tentar junto com amada Vanessa Shelton (Jill Ireland, 1936 – 1990), (foram casados na vida real), sofre uma violenta perseguição, consegue se livrar, mas ganha de presente à admiração, e de brinde a ameaça do chefão do crime Al Weber (Telly Savalas – 1922 – 1994, famoso detetive Kojak), que o quer para seus “quadros” de “bambino speciale” da sua querida família.
Uma pitada da ação da “máfia” entra em cena aqui, não de forma escancarada e sim como mesura a arte em realizar crimes, pode conter até mesmo um livre-cambismo da “bandidagem”, como uma especialização em homicídios, onde o melhor trabalhador é disputado a ferro e fogo, como forma de demonstração de soberania perante os rivais.
A “fortuna e a virtú” de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) esta mais do que na ativa, pois é tradição das cidades italianas organizarem em torno do material e da violência, como uma apresentação de regras para aqueles que adentram dentro de seus espaços de influência, isso vindo desde a época do Império Romano, passando pelo poderio dos Borgias na Renascença, e chegando até luta pelo poder do crime por famílias criminosas alojadas em cidades como Nápoles, Roma, e Palermo durante o século XX.
Mas “o “carequinha” Savalas”, não chega a ser um “capo” literalmente, em certa medida passa ao ridículo da simpatia, contendo uma exaltação da criminalidade como um modo de ver as coisas de uma forma ao “contrário”.
A metáfora dos “negócios a serem resolvidos”, faz um crescimento da união do sangue derramado, dos desafetos e inimigos ganham um interesse notório, no limiar de acertar, tudo dentro do polo de acumulo capitalista, ao qual tem que ser resolvido de uma maneira ou de outra, não importando, que para isso ocorra, uma chacina aqui e outra ali, como primazia de fazer o “olhar”, do adversário, um preâmbulo de desgaste intelectual, e ao mesmo tempo de comprovação de que dentro do “mundo dos negócios”, a lei do mais forte sempre prevalece.
Uma práxis existencialista transcorre com a interpretação de Bronson, fugindo da imagem de um anti-herói tradicional, e sim de um homem que busca ver a maldade e o lado sombrio da humanidade, uma forma em preencher lacunas do vazio da solidão, construindo uma pedagogia de autoconhecimento que comisere a miserabilidade de não conter nenhum laço afetivo, terno e ético diante seus semelhantes.
A maldade como forma de suplementação ao desgaste psicológico, de usar a frieza no utensílio a uma linguagem, que fala do absurdo em gerar atributos para um estreito, de questionar o porquê viemos muitas vezes a agir com descrédito, em aceitar que possamos nos livrar de amarras, a um ordinário campo idealístico, de projetar um nefasto prognóstico, a subjetividade, contendo ternura e respeito pelo que não está de acordo com nossas vontades e desejos mais profundos.
Heston é a personificação do esquecimento, ao qual a humanidade paga para aqueles que “praticam a maldade”: mas como diria o genial Jorge Luis Borges (1899 – 1986) , “o esquecimento já não seria de certa maneira uma vingança das mais cruéis?”.
Heston não consegue esquecer a humanidade por isso, necessita de um objetivo para suas existências, assim como Weber, um saudosista dos “velhos tempos”, onde a carnificina rolava a solta, com “nuvens de chuva de chumbo”, a la carte “os tempos da Lei Seca de Chicago, durante o reinado de Al Capone (1899 – 1947)”.
A burocracia e os “bons costume do crime”, fizeram com que o gosto da “ação” ficasse de lado, e os criminosos ficassem “light”, organizando emboscadas e atentados, tirando o “cavalheirismo dos duelos” a céu aberto.
Tanto Savalas como Bronson refletem o controle da liberdade humana, ao qual foi exercido pelo advento da revolução tecnológica, minando o desejo de redenção, se tornando limitado pelo fluxo intrépido de regras a serem cumpridas.
Não basta unicamente usar da violência, e sim lhe oferecer uma pincelada, de levar para os mais profundos assentamentos psicológicos, a magnitude do proibido como um realismo trágico, diante a bestialização de atitudes intelectuais que não fiquem unicamente prezas ao campo do discurso, e sim desperte a ira e o desejo de cobiça, defronte os desígnios de aceitar o “comum”, como um espectro de formalidade perante a maioria dos seres humanos.
O abstratismo de angariar o desejo de morte heroica dentro do panteão dos galãs, não consta em nada na atuação de Bronson.
A revolta e o desejo de cumprir seu “serviço” esboçam o mais profundo sentido de cumprimento do dever, custe ao que custar, cego, dogmático, não podendo haver falhas, exigindo o máximo de si, avesso a uma civilidade clara de sentimentalismo.
O ensejo, a escravocracia da profissão de matador, enaltece o enxugamento da criatividade, sendo Heston, por mais que o glamour que vida burguesa de assassinatos, possa oferecer, uma vítima do seu próprio ego, um sujeito desalmado, que não goza de seu portentoso patrimônio, e assim um fanfarrão, disfarçado em dádivas materialistas e luxo saliente, por fim sua violência, é a denuncia da insensatez humana, contra os aspectos simples de uma vida digna, feitas nos pequenos atos, convertendo a arte em migalhas de ativismos anacrônicos dentro de seus enredos de criticidade consciente.
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Cidade Violenta (Città violenta).
Filme com 1 hora e 48 minutos de duração.
Direção: Sergio Sollima | Policial – Drama – Suspense | Itália (1970)
Elenco: Charles Bronson, Jill Ireland, Telly Savalas, Umberto Orsini.
Sinopse: Disposto a deixar o seu passado de mortes para trás, um assassino profissional viaja com mulher para na América Central. O que não imaginava era que estava sendo espionado. Traído por sua namorada, ele escapa por pouco de uma tentativa de assassinato, e agora vai em busca de vingança.