Alvar Mayor é um mestiço, de pai branco e mãe indígena, seu pai era um cartógrafo de Francisco Pizarro (1476-1541) o conquistador espanhol responsável por destruir o império incas e causar o genocídio deste povo. Alvar Mayor é o primeiro latino-americano, trabalha como guia na América Espanhola, percorrendo diversas localidades da América do Sul. Suas histórias acontecem no século XVI, tendo roteiro de Carlos Trillo e arte de Enrique Breccia.
O álbum encadernado publicado no Brasil pela editora Lorentz tem 224 páginas e dezoito capítulos, cada um com uma média de catorze páginas, com histórias que podem tanto serem lidas de forma independente, ou formando um único romance gráfico. O foco narrativo acontece em torno da busca do El Dourado, ou cidade de ouro, e outras riquezas cobiçadas pelos espanhóis.
Os homens que buscam os serviços de Alvar Mayor são em geral brancos colonizadores vindos da Europa, todos desejando descobrir ouro, e assim obter riqueza. O desejo de riqueza dos colonizadores não encontra nenhum empecilho moral. Roubo, assassinato, estupros, falsas acusações de bruxaria permeiam um ambiente em que o desejo de enriquecer se sobressai a qualquer valor ético.
Já na primeira história “A Lenda do Eldorado”, um conde espanhol mata um rival e entrega sua mulher como prêmio a um soldado, tudo para ficar com um mapa que levaria a mítica cidade de ouro. Na maioria das histórias é a motivação da riqueza o que sempre comando os homens, seja chegar ao Eldorado, uma árvore cujas folhas podem curar doenças (A Cidade dos Incas), conquistar o ouro dos incas (Um tesouro inalcançável), descobrir o misterioso elixir da longa vida (Uma Busca).
Os roteiros de Trillo são muito bem construídos, procuram passar ao leitor a experiência brutal que foi a colonização da América Espanhola. Estão presentes as etnias indígenas, por vezes servindo como escravos, ou sendo massacrados. Estes são os que mais sofrem com o processo de colonização.
Na segunda história “A Plantação” Alva Mayor e seu companheiro de aventuras, o índio Tihuo, chegam a uma aldeia totalmente destruída dos índios huasis, os corpos daqueles que resistiram estão pendurados em árvores e os sobreviventes levados como escravos, os homens para trabalhar em lavouras e as mulheres como escravas sexuais. Os dois amigos então partem para libertar os indígenas presos.
Um outro elemento que permeia algumas das histórias é o realismo fantástico, uma tradição literária latino-americana, que Carlos Trillo incorpora a sua narrativa. Os limites entre sonho e realidade são explorados em “A Água dos sonhos”, em “Uma profecia” e “Interpretes do Destino” se faz presente o fatalismo latino-americano, já em “Os olhos do cego” e histórias subsequentes uma poeta imortal e sua deusa protetora precisam da ajuda de Alvar Mayor. Criaturas míticas aparecem em “O dia que a montanha enfureceu” e “O último dos deuses”.
Alvar Mayor não é apenas uma viagem pela história do século XVI na América Espanhola, mas uma viagem pelo espírito latino-americano. Um espírito gerado pela crueldade da colonização, mas também pela luta de povos indígenas e oprimidos em geral. Alvar Mayor é o herói latino-americano, simples e justo, um homem do povo, que desconfia dos poderes instituídos pela coroa espanhola, e a ele se opõe quando se trata de defender os oprimidos.
Para o leitor interessado na história da colonização espanhola da América, Alva Mayor é uma história em quadrinhos indispensável. Também é uma ótima chance de conhecer os quadrinhos argentinos, visto que no Brasil é publicado grande quantidade de quadrinhos americanos, japoneses e europeus, mas quase nada de nossos vizinhos sul-americanos chega ao mercado brasileiro. Boa leitura!
Texto de Edgar Smaniotto
Sobre o autor: Prof. Dr. Edgar Indalecio Smaniotto, é filósofo, mestre e doutor em Ciências Sociais. Pesquisador de histórias em quadrinhos associado a ASPAS- Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial; é prefaciador e ensaísta, escrevendo sobre quadrinhos e sua relação com a filosofia, já escreveu sobre histórias em quadrinhos para o Jornal Graphiq, o fazine QI “Quadrinhos Independentes”, a revista portuguesa Banda Desenhada Jornal, o blog do Tex, os sites Bigorna.net, e Arte-Final HQ; bem como textos acadêmicos e capítulos de livros.