“Coloque um pouco de amor em seu coração
E o mundo será um lugar melhor
E o mundo será um lugar melhor
Pra você e pra mim, apenas espere e você verá”
Não é novidade nenhuma que, os tão aclamados anos 80, foi um período ímpar na história audiovisual, quase lá no final do século passado. Uma década onde, os padrões dos anos 70 foram rompidos e uma nova era iniciada, com a revolução dos videoclipes e uma maneira moderna de se fazer cinema. Década extremamente pop, tanto na música quando nas telonas, “liberou geral” o cinemão pipoca, com personagens icônicos, franquias de sucesso, heróis e vilões muito bem estabelecidos e, filmes de ação e aventura que ainda figuram no imaginário nostálgico de qualquer indivíduo que tenha vivido essa época. Se bem que, na década seguinte os efeitos oitentistas ainda ecoavam e, mesmo quem não tenha presenciado tais momentos, foi exposto a alguns reflexos no período da juventude (meu caso) e, aprendeu a amar ou odiar tal fase.
Toda aquela breguice que ainda vive no coração de muitos, tão aclamada e homenageada frequentemente, também presenteou a nossa querida sétima arte com alguns clássicos natalinos com enredos variados como, infantis, comédias, dramas e romances. Aqueles todos cheios de clichês, com alguma mensagem de esperança e de mudança do ser humano com o espírito do Natal, que todo mundo já sabia do final feliz e, mesmo assim, ficava apreensivo, se distraia e se emocionava, enquanto esperava ansiosamente pela visita do bom velhinho. Diversas obras que viram a luz do dia naqueles tempos, representaram e traduziram bem uma geração e, esse é o caso do cult de sucesso Os Fantasmas Contra Atacam (Scrooged), tradicional filme das sessões matinais de final de ano, lançado em 1988, dirigido por Richard Donner, estrelado por Bill Murray e inspirado no clássico de Charles Dickens, Um Conto de Natal (A Christmas Carol).
O romancista britânico da era vitoriana, Charles Dickens (1812 – 1870), um dos escritores mais aclamados da história da literatura, responsável por obras clássicas como, Oliver Twist, David Copperfield e Grandes Esperanças, escreveu seu conto natalino, ou como ele mesmo chamava, “livrinho de natal”, ao que se sabe, em menos de um mês, entre outubro e novembro de 1843, com o intuito de pagar dívidas, sendo publicado no mês seguinte, no dia 19 de dezembro, com ilustrações de John Leech. A história do velho avarento, Ebenezer Scrooge que, na véspera de Natal recebe a visita do espírito de seu ex sócio e, falecido recentemente, Jacob Marley, alertando-o sobre a visita de três fantasmas, O Fantasma do Natal Passado, o Fantasma do Natal Presente e, por último, o Fantasma do Natal Futuro, que iriam fazer com que aquele senhor mesquinho reavaliasse sua vida, se tornou um clássico, com uma gigantesca influência, consolidando-se como uma das obras mais importantes de seu autor.
O impacto dessa obra foi tão grande, não só no aspecto literário, mas também, na sociedade em geral, a ponto de estudiosos apurarem que, seus efeitos ecoaram na forma com que as pessoas celebravam o Natal, aumentando os projetos de caridade de um jeito considerável e, a maneira com que muita gente encarava os mais necessitados. Em manifestações artísticas, o conto foi alvo de diversas adaptações ao longo dos séculos XIX e XX, em peças teatrais, musicais, leituras públicas e dramatização em rádios. No cinema, foi adaptado pela primeira vez em 1901, com o curta-metragem britânico Scrooge or Marley ‘s Ghost, dirigido por Walter R.Booth, mágico e um dos pioneiros do cinema na terra da rainha e do chá das 17h. E de lá para cá, releituras nos mais variados formatos vieram sendo realizadas, curtas, longas, séries, peças e animações, o que corrobora o quão inspirador se mostrou esse pequeno grande trabalho de Dickens.
Mas como adaptar pela enésima uma obra tão clássica, trazendo algo novo para uma história tão conhecida? Que tal uma comédia de humor ácido, trocando Londres por uma Nova York dos anos 80 e, no lugar do velho Scrooge, Frank Cross, um egoísta e monstruoso presidente de uma rede de TV fictícia chamada IBC Television, que sob seu comando, exibirá uma dramatização ao vivo de Um Conto de Natal, em horário nobre no dia 24 de dezembro e, nesse contexto, ele próprio acaba recebendo a visita dos três espíritos? Este foi o caminho seguido pelos roteiristas Michael O’Donoghue e Mitch Glazer, para a aposta natalina dos estúdios da Paramount Pictures. Parceiros de trabalho de longa data, O’Donoghue e Glazer eram experientes em obras satíricas, tendo em seus currículos títulos como, o programa humorístico Saturday Night Live, show que revelou diversos atores e atrizes que se tornaram estrelas do cinema, como Bill Murray, por exemplo. Aliás, Murray, velho conhecido dos escritores, ao ser escalado como protagonista de Scrooged, no papel do odioso Frank Cross, deu seus pitacos no script, alterando uma porção de coisas, dando novos rumos, trazendo um pouco mais de sua visão sobre como deveria ser a comédia da qual seria o astro.
Com um orçamento de 32 milhões de dólares, Os Fantasmas Contra Atacam foi filmado ao longo de um período de três meses e meio, com a estreia prevista para o feriado de Ação de Graças de 1988 e, a direção ficou a cargo do talentoso e altamente recomendável, Richard Donner, cineasta de riquíssima carreira que, já carregava em sua bagagem filmes do porte de A Profecia, Superman, Os Goonies e Máquina Mortífera. Falar sobre a competência de Donner e fazer elogios ao seu trabalho, é chover no molhado, com um diretor desse calibre, claro que sairia, no mínimo, coisa boa. Bill Murray, que quatro anos antes havia chegado ao estrelato com o sucesso comercial de Os Caça Fantasmas (Ghostbusters, 1984), novamente via sua imagem associada à assombrações, e o marketing do filme se aproveitou disso para promover a produção. Surfando nessa onda, aqui no Brasil o título original Scrooged (fazendo referência ao velho Scrooge), virou Os Fantasmas contra atacam, até como se fosse uma sequência, a vingança dos fantasmas contra Bill Murray, que tanto os caçou, na pele de Peter Venkman, seu personagem mais famoso no grande êxito do diretor Ivan Reitman, de 1984.
A produção de Scrooged foi bem conturbada devido a entreveros de Richard Donner e Bill Murray, que se desentendiam o tempo todo por diferenças criativas, com visões distintas acerca da projeção. Aliás, Bill Murray sempre foi um ator bem conhecido também por ser muito difícil de se trabalhar, com um temperamento explosivo e atitudes imprevisíveis (para o bem ou para o mal). Donner, que nunca havia trabalhado com a estrela de Caça Fantasmas, chegou a dizer que o astro era “soberbamente criativo, mas ocasionalmente difícil – tão difícil quanto qualquer ator”. Muita coisa mudou, de fato, no decorrer das filmagens, a ponto de, o já saudoso Michael O’Donoghue fazer duras críticas às alterações ao seu roteiro, dizendo que apenas 40% do seu script foi rodado em tela e que, se tudo se seguisse de acordo com o que ele e Mitch Glazer tinham escrito, o filme seria uma verdadeira obra prima. Mesmo com todos os contratempos, o cronograma foi seguido, sem estourar o orçamento e o filme pôde ser lançado nos feriados ao qual era previsto.
Embora Os Fantasmas Contra Atacam seja um filme todo centrado em seu protagonista e sua saga de redenção, com direito a um Bill Murray surtado e no auge de sua carreira, há tempo para destacar algumas ótimas atuações, com um elenco mais do que afiado. É o caso da excelente Karen Allen, no papel de Claire Phillips, antiga namorada de Frank e líder de um projeto que acolhia e dava amparo às pessoas em situação de rua. Alfre Woodard também merece destaque atuando como Grace Cooley, funcionária de Cross, batalhadora, sofrida, viúva, que teve seu marido assassinado em frente a seu filho mais novo, o pequeno Calvin (Nicholas Phillips), tragédia que deixou o caçula da família Cooley traumatizado, a ponto de ficar mudo desde o ocorrido. Outro personagem importante é Eliot Laudermilk, vivido pelo hilário Bobcat Goldthwait, funcionário que ousou discordar do presidente da IBC, foi demitido pelo mesmo às vésperas do Natal e, desde então, virou alcoólatra e passou a planejar uma vingança contra seu ex patrão. Memorável também é, a participação de Carol Kane, que encarna a Fantasma do Natal Presente, com seu visual de fada, com asas, varinha de condão, ensaiando um balé de péssima performance e que, contrastando com sua aparência toda meiga, enche o protagonista de porrada, entre socos, tapas, agressões com uma torradeira, puxão nos lábios, etc. Dizem que ela chegou a machucar Bill Murray de verdade durante as filmagens, sem querer, é claro (Bom, vai saber).
Além dos destaques já citados, o elenco ainda conta com as presenças de Mary Ellen Trainor, Robert Mitchum, John Glover, John Forsythe, Mabel King, David Johansen, Maria Riva, Wendie Malick, Robert Hammond e, figuras como, os três irmãos de Bill Murray. Sendo eles, John Murray que interpreta James o irmão caçula de Frank, Brian Doyle Murray como o pai de Frank e, Joel Murray que vive um dos convidados do jantar de Natal de James, o qual Frank se recusou a participar, mas esteve presente em um dos “passeios” com a violenta Fantasma do Natal Presente”. E não só isso, Scrooged também é recheado de participações ilustres e especiais de algumas celebridades, que dão o ar da graça em breves aparições como, Lee Majors, o ciborgue do famoso seriado The Six Million Dollar Man, o cantor e ator Robert Goulet, os músicos David Sanborn, Miles Davis e Paul Shaffer, a ginasta multi campeã Mary Lou Retton, o casal de atores Logan e Anne Ramsey (a Mama Fratelli de Os Goonies), o ator e produtor John Houseman, e os atores e comediantes Jamie Farr, Buddy Hackett e Pat McCormick.
A trilha sonora ficou a cargo do genial Danny Elfman, ex-vocalista da banda de New Wave oitentista, Oingo Boingo e, hoje considerado um dos grandes músicos da história do cinema. Elfman, conhecido por seu estilo operístico e dramático, entrega todo o clima natalino necessário com suas composições, lembrando muito suas colaborações com o diretor Tim Burton, seu maior parceiro cinematográfico. Além do brilhante trabalho de Danny Elfman, a canção Put a Little Love in your Heart, da cantora e compositora Jackie DeShannon, lançada em 1969, ganhou uma nova versão para integrar a trilha, na voz de Annie Lennox e Al Green, com direito a videoclipe promocional com cenas do filme. Essa regravação alcançou um notável sucesso, sendo muito tocada nas rádios, com sua imagem ficando associada ao Natal. E apesar de não se tratar de uma canção natalina, tudo o que é dito em sua letra, sobre “colocar um pouco de amor em seu coração e tornar o mundo um lugar melhor”, casou muito bem com a mensagem a ser transmitida pela produção.
Em seu lançamento, Os Fantasmas Contra Atacam recebeu críticas mistas, com alguns elogiando e outros torcendo o nariz. Muitos acharam o humor um pouco pesado, perverso e, fazendo ressalvas até à atuação de Bill Murray (confesso que não entendi, Murray é genial). Os que aprovaram o filme, faziam menções positivas exatamente ao seu humor ousado, tratando-o como uma grata surpresa por sua abordagem cômica e, uma adaptação bem diferente do convencional, da obra de Charles Dickens. E nas bilheterias mundiais, acabou por fazer algo em torno de 100 milhões de dólares, um sucesso moderado, nada estrondoso. O fato é que, com o passar dos anos, Scrooged foi se popularizando cada vez mais em exibições televisivas, se tornando um dos filmes de férias favoritos do público, consolidando-se como um clássico natalino e, considerado até mesmo, um filme a frente do seu tempo e, talvez por isso tenha sido subestimado na época de sua estreia.
Figurando sempre em listas sobre os melhores filmes de Natal já feitos, a parceria Bill Murray/Richard Donner está longe de ser um filme perfeito pois, assim como qualquer obra comercial da década de 80, algumas coisas acabam envelhecendo mal, piadas que antes poderiam parecer engraçadas, hoje em dia, podem e devem, com toda razão, serem passíveis de problematização. Mas no geral, Scrooged é daquelas obras para reunir a família toda para se divertir do início ao fim e também se emocionar (com um lencinho de prontidão para eventuais lágrimas). Até porque, é para isso que servem as obras natalinas, não? E convenhamos, o desfecho com Frank Cross quebrando a quarta parede, dialogando com o público, contando sobre seu milagre de Natal, falando sobre o seu aprendizado, sobre sermos pessoas melhores, fazendo do mundo um lugar melhor para nós mesmos e para todos, ajudando uns aos outros, e não só no feriado de 25 de dezembro, mas todos os dias de nossas vidas, com direito a todo elenco e equipe de produção, batendo palmas e cantando juntos, em uníssono, a belíssima e já citada, “Put a Little Love in Your Heart”. É lindo demais de ser ver. “Youle love it!”
Informações Técnicas.
Os Fantasmas Contra Atacam
Direção: Richard Donner
Ano: 1988
País: Estados Unidos
Duração: 1h 40min.
Gênero: Comédia/Fantasia
Elenco:
Bill Murray: Frank Cross
Karen Allen: Claire Phillips
John Forsythe: Lew Hayward
John Glover: Brice Cummings
Alfre Woodard: Grace Cooley
Bobcat Goldthwait: Eliot Loudermilk
David Johansen: The Ghost of Christmas Past
Carol Kane: The Ghost of Christmas Present
Nicholas Phillips: Calvin Cooley
Robert Mitchum: Preston Rhinelander
Michael J. Pollard: Herman
Mary Ellen Trainor: Ted
Mabel King: Gramma
John Murray: James Cross
Wendie Malick: Wendie Cross
Brian Doyle-Murray: Earl Cross
Lisa Mende: Doris Cross
Maria Riva: Mrs. Rhinelander
Robert Hammond: The Ghost of Christmas Future