“Senhores, há momentos em que me envergonho de fazer parte da raça humana, e este é um deles.”
França, 1916. Primeira Guerra Mundial.
A Grande Guerra estava em seu auge após dois anos de uma sangrenta batalha. As tropas francesas consolidaram uma linha de trincheiras bem sólidas, que se estendiam do Canal da Mancha até a fronteira com a Suíça, depois de expulsarem os alemães, com vários contra ataques surpresa, quando estes se aproximavam de Paris. Porém, nesse período, o cenário pouco mudara e os avanços não eram significativos.
Afim de conseguir uma vitória expressiva, o General George Broulard (Adolphe Menjou) se encontra com o também General Paul Mireau (George Macready), com uma ordem superior, para que a divisão de Mireau comandasse um ataque para a tomada de um local conhecido como Colina Formigueiro, aonde os alemães resistiam há mais de um ano, e era considerada uma posição chave para os avanços do exército. No início, Gen. Mireau fica contrariado, já que parte da sua tropa havia sido massacrada recentemente, então, considerava essa investida impossível. Porém, Gen. George acaba persuadindo-o com a promessa de uma promoção de cargo, e a ambição acaba falando mais alto.
Nas trincheiras, Coronel Dax (Kirk Douglas), protagonista do filme, que comandava as tropas responsáveis pela invasão e tomada da colina, fica indignado com a missão, considerando aquilo suicídio. Mas acaba tendo seu cargo ameaçado, e já sabendo como as coisas funcionavam com seus superiores, acaba acatando às ordens.
O ataque acaba sendo um fiasco, grande parte das tropas de Dax são massacradas pelos alemães, e muitos soldados nem conseguiram sair das trincheiras para tentar um avanço contra o exército inimigo, devido ao forte poder de fogo germânico. Contrariando o general que queria a todo custo essa investida, mesmo que fosse impossível, chegando até a dar ordens para que seu batalhão fosse bombardeado por seus próprios soldados, ordem essa que não fora obedecida, causando-lhe uma grande revolta.
Gen. Mireau acusa o pelotão de covardia, leva o caso ao Alto Comando, convocando a Corte Marcial. Dessa forma, foram escolhidos três soldados, selecionados por comandantes de cada divisão, para irem a julgamento, servindo como exemplo (na verdade, serviriam como bodes expiatórios), e se condenados, pegariam pena de morte por fuzilamento. Coronel Dax, já tendo experiência como advogado criminalista, resolve advogar em defesa de seus homens, e agora a vida de três soldados inocentes estariam em suas mãos. Nesse ponto, a obra deixa de ser um filme de guerra, se tornando um filme de tribunal.
Glória Feita de Sangue foi lançado em 1957 e dirigido pelo lendário Stanley Kubrick (1929 – 1999), ainda em início de carreira. Com um roteiro escrito pelo próprio diretor em parceira com Calder Willingham e Jim Thompson, baseado no romance homônimo de Humphrey Cobb, de 1935 (que por sua vez, baseou-se em uma história real). O filme é um drama anti belicista, com uma forte crítica aos horrores e futilidade da guerra, ao militarismo e autocracia. Assim como, o egoísmo e ganância dos generais do Alto Escalão, que visam o benefício próprio, tentando realizar grandes feitos para se promover, mesmo que isso custe a vida de milhares de soldados. Mostrando também, de forma contundente, a diferença entre classes, os superiores definindo as estratégias e o destino da guerra em palácios luxuosos, com grandes festas e bailes sendo promovidos, contrastando com a realidade vivida pelas tropas nas trincheiras, com toda a sujeira, sangue derramado, depressão e trauma. Soldados sendo tratados apenas como números, totalmente descartáveis.
Com essa obra as portas finalmente se abriram para o jovem diretor promissor, com apenas vinte oito anos de idade na época de seu lançamento. E mesmo sofrendo com a censura, sendo sua exibição proibida na França durante vinte anos e também em outros países europeus, o filme teve uma boa recepção da crítica especializada. Chamou a atenção dos produtores de Hollywood, e Stanley Kubrick despontou para o mundo, realizando, posteriormente, grandes filmes como Spartacus (1960), Lolita (1962) (este um filme menor), Doutor Fantástico (Doctor Strangelove, 1964), 2001-Uma Odisséia no Espaço (2001 – A Space Odissey, 1968 – sua obra máxima), Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), etc.
Considerado um dos maiores diretores de todos os tempos, com um estilo único de direção, belos enquadramentos, sempre com uma fotografia impecável e um perfeccionismo invejável. Sua busca pela perfeição era tão grande, que demorava anos e anos para realizar um projeto, sempre trabalhando de forma exaustiva, exigindo muito de si mesmo e de toda sua equipe.
Paths of Glory foi seu quarto longa-metragem, os anteriores haviam sido O Grande Golpe (The Killing, 1956), A Morte Passou por Perto (Killer’s Kiss, 1955) e Medo e Desejo (Fear and Desire, 1953). Fato curioso: Medo e Desejo, seu filme de estreia, recebeu elogios de alguns críticos de Nova York, já enxergando que aquele novato realizador tinha algo a mais. Porém, a obra foi renegada pelo próprio Kubrick por se tratar de um trabalho amador, inclusive, com o diretor perseguindo e comprando todas as cópias possíveis para destruí-las. Essa tentativa de reprimir a película acabou por não ser bem sucedida, seu filme não foi extinto, e hoje em dia, existe disponibilidade para download e DVDs/Blu-ray comercializados. E convenhamos, o trabalho nem é de todo ruim, vale muito pelo fator curiosidade.
Essas produções predecessoras já demonstravam o talento do qual Kubrick era detentor, mas foi com seu drama anti guerra que esse gênio mostrou a que veio. Sua técnica apurada fez-se desenvolver cenas memoráveis (Kirk Douglas marchando nas trincheiras é uma delas), batalhas muito bem filmadas, até perfeitas demais para a época, de tirar o fôlego o realismo alcançado, contando com uma ótima fotografia de Georg Krause, e um excelente roteiro, proporcionando diálogos geniais, aonde nada que fora dito era por acaso, sempre faria algum sentido em algum momento, tudo milimetricamente arquitetado.
Conta-se que Kirk Douglas, que já era um astro do cinema àquela altura, leu o roteiro e disse a Stanley Kubrick que, com certeza a produção fracassaria nas bilheterias e seria pouco lucrativo, mas precisava ser feito, aquela história tinha que ser contada. E de fato, tudo isso aconteceu, o retorno financeiro foi mínimo, porém, atualmente, figura entre os melhores filmes de guerra já feitos, e sem nenhum exagero, pode ser colocado como o melhor filme sobre a Primeira Guerra Mundial. Outro fato curioso: A única mulher do elenco, que interpreta e protagoniza a belíssima cena final, creditada como Susanne Christian, atriz, pintora, dançarina e cantora alemã, futuramente viria a se casar com Kubrick, em 1958 (os dois se conheceram durante as gravações), mudando seu nome artístico para Christiane Kubrick, e permaneceram juntos até a morte do diretor em 07 de Março de 1999.
O cinema kubrickiano, considerado frio, racionalista (mas sempre genial), aqui entrega uma obra completamente emocional, com o diretor mostrando-se hábil, com extrema competência ao lidar com um drama sentimental, forte e profundo. Se bem que, profundidade é algo que nunca faltou à filmografia dessa lenda da sétima arte.
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Dados Técnicos.
Título: Glória Feita de Sangue (Paths of Glory) – 1957
País: Estados Unidos
Duração: 1 hora e 28 minutos.
Direção: Stanley Kubrick.
Elenco: Elenco:Kirk Douglas (Dax), Ralph Meeker (Philippe Paris), Adolphe Menjou (George Broulard), George Macredy (Paul Mireau), Wayne Morris (Roget), Richard Anderson (Saint-Auban), Timothy Carey (Maurice Ferol), Christiane Kubrick (Cantora), Joe Turkel (Pierre Arnaud), Peter Capell (Juiz Principal/Narrador), Emile Meyer (Padre Dupree)…
Sinopse: Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, Mireau (George Meeker), um general francês, ordena um ataque suicida e como nem todos os seus soldados puderam se lançar ao ataque ele exige que sua artilharia ataque as próprias trincheiras. Mas não é obedecido neste pedido absurdo, então resolve pedir o julgamento e a execução de todo o regimento por se comportar covardemente no campo de batalha e assim justificar o fracasso de sua estratégia militar. Depois concorda que sejam cem soldados e finalmente é decido que três soldados serão escolhidos para servirem de exemplo, mas o coronel Dax (Kirk Douglas) não concorda e decide interceder de todas as formas para tentar suspender esta insana decisão.