Aviso! Esse texto contém uma baixa dosagem de spoilers!
Costuma-se dizer que outubro é o mês das crianças, mas nada mais nostálgico, nada nos remete tanto à infância do que o período natalino. Sendo assim, creio que dezembro, seja o mês da criança que habita em todos nós. E claro, os filmes da juventude sempre foram de grande importância nessas datas festivas, das férias escolares, da expectativa pelos presentes, da reunião de família, a Ceia de Natal, em uma época em que, os tios e tias não nos faziam perguntas sobre as namoradinhas ou namoradinhos (a piada do pavê era inevitável ), nossas preocupações eram outras, na verdade, nem eram preocupações.
Parando com a enrolação, preciso falar sobre o FILME mais importante da minha infância. A História sem Fim, uma produção germana-americana, de 1984, com direção do talentosíssimo Wolfgang Petersen (diretor de Tróia, Mar em Fúria, Inimigo Meu, entre outros), baseado no livro homônimo de 1979, do escritor alemão Michael Ende.
Bastian Balthazar Bux (Barret Oliver) é um menino que vive com o seu pai (Gerald McRaney) e tem grande dificuldade em superar a morte de sua mãe. Além disso, ainda sofre bullying de uns valentões da escola, que costumam roubar seu dinheiro do lanche e jogar o garoto na lixeira. Na tentativa de fuga de seus opressores, Bastian acaba entrando em uma livraria alfarrabista do Senhor Koreander (Thomas Hill), este, um homem de idade e misterioso, naquele momento, lia um livro chamado “A História sem Fim”, despertando a curiosidade do menino, mas o dono do sebo dizia que aquela não era leitura para crianças. Porém, quando o telefone toca, o velho vai atender, deixando o livro sobre a mesa (na verdade intencionalmente), Bastian o pega, deixando um bilhete dizendo que irá devolvê-lo, e foge para a escola. Chegando lá, o garoto corre para o sótão e começa ler.
A partir daí somos levados à Terra de Fantasia, e apresentados à algumas das criaturas extraordinárias, que habitam esse reino. O local, antes belíssimo, agora vinha sendo devastado por um inimigo sem nenhuma forma aparente, o NADA. Por onde passava, esse terrível vilão destruía as paisagens, moradias e habitantes, deixando um vazio no lugar. E conforme o mal crescia, a Imperatriz Menina (Tami Stronach), grande líder de Fantasia, adoecia. Sua doença era mortal e tinha uma grande associação ao crescimento do Nada.
Somente um grande guerreiro poderia partir em uma busca pela sua cura. Esse guerreiro se chamava Atreyu (Noah Hathaway), um menino com mais ou menos a mesma idade de Bastian, que se prontifica a partir nessa jornada, ciente de todos os perigos que poderia enfrentar, e mesmo sem saber exatamente onde encontrar a cura para a imperatriz. E junto com seu cavalo e amigo Artax, Atreyu começa sua missão. Bastian, fiel em sua leitura, embarca nessa jornada, compartilhando de seus sentimentos e sofrendo o que o jovem guerreiro sofre, aos poucos percebendo que também faz parte da história da qual está lendo.
São tantas cenas memoráveis, que só de lembrar, a infância vem à tona, a época da inocência, das brincadeiras, dos sonhos, os bons tempos da Sessão da Tarde, Cinema em Casa, Sessão das Dez, Temperatura Máxima... Quase escorreu uma lágrima aqui.
E por falar em lágrimas, vejo muitos comentários por aí sobre a tristeza que são as cenas da morte do Mufasa em O Rei Leão e da mãe do Bambi, no filme homônimo (realmente são bem tristes), mas sinceramente, creio que nada se compara a cena do Pântano da Tristeza, com Atreyu e seu cavalo Artax, triste, desesperadora, traumática, eu diria. Difícil de ser superada até hoje.
Só que após tanto sofrimento e para renovar as esperanças, surge o personagem mais querido da aventura, o dragão da sorte Falkor (dublado por Alan Oppenhaimer), que mais parece um poodle gigante. E quem foi criança nessa época, tenho certeza que sempre sonhou em sobrevoar o mundo nas costas de Falkor. E que bicho carismático, além de entrar na história para elevar a auto-estima de Atreyu, e lhe ajudar em sua busca, ainda serve pra arrancar alguns “Owwwn” de qualquer telespectador.
Além do dragão da sorte, alguns personagens são igualmente inesquecíveis, o gigante Come Pedras (dublado por Alan Oppenheimer), o Elfo da Noite (Tilo Pruckner) e seu morcego sonolento, Teeny Weeny (Deep Roy) e seu caracol de corrida, Gmork (Lobisomem servo do Nada, dublado por Alan Oppenheimer), a tartaruga Morla, o Ancião e o casal briguento Engywook (Sydney Bromley) e Urgl (Patricia Hayes).
Outro fator marcante é a clássica trilha sonora envolvente do músico alemão Klaus Doldinger e do italiano Giorgio Moroder, músicas capazes de arrancar arrepios a cada cena (sempre sorrio ao lembrar de Atreyu galopando em seu cavalo Artax, ou voando com Falkor, em belos cenários e o tema principal “rolando solto”).
Aliás, Giorgio Moroder reinou no final dos 70 e durante os 80, com seu uso massivo de sintetizadores, inovando a disco music. E entre suas trilhas mais famosas, além de The Neverending Story, estão: O Expresso da Meia-Noite de (1978) vencedora do Oscar, Cat People (1982), Scarface (1983), Flashdance (1983), Falcão – O Campeão dos Campeões (1984), a versão restaurada de Metropolis de 1927 (1984), Um Tira da Pesada 2 (1987), e a canção, também vencedora do Oscar, Take my Breath Away feita para o filme Top Gun (1986).
Michael Ende não ficou satisfeito com o resultado final da produção, pois só contava uma parte de seu livro e nem tão fielmente assim. Acabou processando os produtores e perdendo, conseguindo apenas retirar seu nome dos créditos iniciais, porém, sendo creditado nos finais.
Mesmo com esse contratempo, A História sem Fim foi um grande sucesso de bilheteria, dando um retorno muito lucrativo a um filme que contou com um orçamento muito alto, sendo a produção mais cara, rodada fora dos EUA e URSS, até aquele momento. E acabou marcando toda uma geração, ganhando fãs ao redor do mundo, tendo ainda mais duas sequências em 1990 e 1994, mas com qualidade tão duvidosa que nem são dignas de comentários. Se tornou um clássico do cinema dos anos 80, que pode ser considerado o precursor, pioneiro e maior inspirador de todos os filmes de fantasia que viriam posteriormente, também baseados em obras literárias.
Hoje em dia, com toda a evolução dos efeitos especiais, tanto blockbuster surgindo por aí, a produção pode parecer datada, mas a magia transmitida continua a mesma, coisas que só o cinema oitentista era capaz. E muito mais do que somente um filme de fantasia infantil, tem muita coisa séria a ser mostrada em tela, que vai da interpretação de cada um, mas temas como, a importância da leitura, a dificuldade de lidar com o luto, a falta de esperança e nosso vazio existencial, estão lá. E quem cresceu assistindo, creio que, assim como eu, foi enxergando-o de uma maneira diferente, conforme amadurecia. Um filme pra toda vida!
Eu poderia me estender mais, contando o quanto essa obra é significativa pra mim, e como me fez falta num certo período de anos que ficou sem passar na TV, em uma época que ainda não existia download, ou DVDs para comprar, mas isso é uma outra história…
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Dados Técnicos.
Título: A História sem Fim – 1984
País: EUA, Alemanha Ocidental..
Duração: 1 hora e 35 minutos.
Direção: Wolfgang Petersen
Elenco: Barret Oliver, Noah Hathaway, Tami Stronach…
Sinopse: Bastian (Barret Oliver) é um garoto que usa sua imaginação como refúgio dos problemas do dia-a-dia, como as provas do colégio, as brigas na escola e a perda de sua mãe. Um dia, após se livrar de alguns garotos que insistem em atormentá-lo, ele entra em uma livraria. Lá o proprietário mostra um antigo livro, chamado A História Sem Fim, o qual classifica como perigoso. O alerta atiça a curiosidade de Bastian, que pega o livro emprestado sem ser percebido. A leitura o transporta para o mundo de Fantasia, um lugar que espera desesperadamente a chegada de um herói. A imperatriz local (Tami Stronach) está morrendo e, junto com ela, o mundo em que vive é aos poucos devorado pelo feroz Nada. A única esperança é Atreyu (Noah Hathaway), que busca a cura para a doença da imperatriz com a ajuda de Bastian.