Hoje trago alguns trechos de Charles Bukowski, o velho safado, o escritor que encantou uma geração que procurava se encontrar.
Sem mais delongas…
Sentia vontade de chorar, mas não saía lágrima alguma. Era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior. Acho que você sabe o que quero dizer. Todo mundo, volta e meia, passa por isso, só que comigo é muito frequente, acontece demais. – Na Cela do Inimigo Público Número Um.
Retirado do livro: A Mulher Mais Linda da Cidade & Outras Histórias
A raça humana sempre me causou nojo. Intrinsecamente, o que torna tudo nojento é a morbidez do relacionamento familiar, o que abrange casamento, intercâmbio de poder e auxílio, e isso, feito ferida, uma lepra transforma-se então: no vizinho de porta, na redondeza, no bairro, na cidade, no município, no estado, no país… em todo mundo, um agarrado ao cu do outro, na colmeia da sobrevivência pela imbecilidade de um medo animalístico. – O Grande Casamento do Zen Budista.
Retirado do livro: A Mulher Mais Linda da Cidade & Outras Histórias
Seria Celine mesmo ou outra pessoa? Às vezes eu achava que não sabia nem quem eu era. Tudo bem, sou Nick Belane. Mas dá uma checada nisso. Alguém podia berrar. “Ei, Harry! Harry Martel!”, e o mais provável é que eu respondesse: “É, que foi?”. Quero dizer que podia ser qualquer um, que importância tem? Que é que tem num nome?
Retirado do livro: Pulp
Ora, tudo que posso dizer é que existem bilhões de mulheres no mundo, certo? Algumas bem vistosas. Muitas muito bonitas. Mas de vez em quando a natureza nos sai com um truque bestial, reúne todos os atributos numa mulher especial, uma mulher inacreditável. Quer dizer, a gente olha e não acredita. Tudo se move em perfeita ondulação, mercúrio, serpente, a gente vê umas cadeiras, um cotovelo, uns peitos, um joelho, e tudo se funde numa unidade gigantesca, um todo inesquecível, com aqueles olhos lindíssimos a sorrir, a boca meio descaída, os lábios imóveis como prontos para estourar numa gargalhada, pela sensação de impotência da gente. E elas sabem se vestir, e o cabelo longo incendeia o ar. Tudo demais, porra.
Retirado do livro: Pulp
Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar pela chuva e esperar pelo sol. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava ficando doido também.
Retirado do livro: Pulp
Pensamos muito, é ruim demais. Não queremos colonizar sua Terra. – Jeannie.
– O que é tão ruim, Jeannie? – Nick Belane.
A Terra. Poluição, violência, ar envenenado, água envenenada, comida envenenada, o ódio, a impotência, tudo. A única coisa bonita na terra são os animais, e já estão sendo dizimados, cedo estarão extintos, com exceção dos cavalos e ratos de estimação. É tão triste, não admira que você beba tanto. – Jeannie.
Retirado do livro: Pulp
Eu tinha notado que em ambos os extremos da sociedade, tanto entre os ricos quanto entre os pobres, frequentemente se permitia que os loucos se misturassem livremente entre as pessoas. Eu sabia que era não inteiramente são. Também sabia, uma percepção que eu tinha desde a infância, que havia algo de estranho em mim. Era como se meu destino fosse ser um assassino, um ladrão de banco, um santo, um estuprador, um monte, um ermitão.
Retirado do livro: Misto-Quente
Sentado ali, bebendo, considerei a opção do suicídio, mas me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo e minha existência, ambos eram propriedades minhas. Eu podia me levantar agora e sorrir com escárnio para meu reflexo no espelho da cômoda: se você tem que ir, que leve ao menos uns oito junto, uns dez, uns vinte…
Retirado do livro: Misto-Quente
Não deixe de conferir: Quem é Charles Bukowski?
Lembrei de como meu pai costumava chegar em casa todas as noites e falar do seu trabalho para minha mãe. A ladainha sobre o trabalho começava assim que ele cruzava a porta, continuava ao longo do jantar e se estendia até o momento em que meu pai gritava lá do quarto “Luzes apagadas!”, às oito da noite, para que ele pudesse descansar e recuperar as forças para o trabalho do dia seguinte. Não havia nenhum outro assunto, exceto o trabalho.
Retirado do livro: Factótum
Não conseguia achar disposição para ler os classificados. A ideia de me sentar diante de um homem e sua mesa e lhe dizer que eu queria um trabalho, que eu tinha as qualificações necessárias, era demais para mim. Francamente, eu estava horrorizado diante da vida, o que um homem precisava fazer para comer, dormir, manter-se vestido. Então fiquei na cama enchendo a cara. Quando você bebe, o mundo continua lá fora, mas por um momento é como se ele não o trouxesse preso pela garganta.
Retirado do livro: Factótum
A primeira vez que descobri que eu era um idiota foi no pátio da escola. Brincavam e me ameaçavam e me cutucavam como faziam com os outros dois idiotas do colégio. Minha única vantagem sobre eles, que eram espancados e perseguidos, era que eu não me importava. Quando me cercavam, eu não me aterrorizava. Nunca me atacavam, mas por fim desciam a lenha sobre os outros dois para eu ver.
Retirado do livro: Factótum
Como, diabos, pode um homem gostar de ser acordado às 6h30 da manhã por um despertador, sair da cama, vestir-se, alimentar-se à força, cagar, mijar, escovar os dentes e os cabelos, enfrentar o tráfego para chegar a um lugar onde essencialmente o que fará é encher de dinheiro os bolsos de outro sujeito e ainda por cima ser obrigado a mostrar gratidão por receber essa oportunidade?
Retirado do livro: Factótum
Janeway Smithson estava naquele trabalho havia vinte e cinco anos e era estúpido o suficiente para se orgulhar disso. Carregava uma pistola no lado direito da cintura e se gabava de ter freado um táxi no teste em menor tempo e distância do que qualquer outro homem na história da Companhia. Olhando para Janeway Smithson, ocorreu-me que ou isso era mentira, ou tinha sido pura sorte, e que Smithson, como qualquer cara que passava a vida inteira em uma empresa, era totalmente maluco.
Retirado do livro: Factótum
“Eu morava num conjunto de casas populares na Carlton Way, perto da Western. Tinha cinquenta e oito anos e ainda tentava ser escritor profissional e vencer na vida apenas com a máquina de escrever. Iniciara esse curioso meio de vida aos cinquenta anos. Mas não se pode viver sempre escrevendo, e havia muito espaço a preencher. Eu o preenchia com uísque, cerveja e mulheres. Acabei me enchendo da maioria das mulheres e me concentrei no uísque e na cerveja”.
Retirado do livro: Hollywood
“Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual.
Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali”.
Retirado do livro: Hollywood
“Fiquei um pouco triste por não ser jovem e estar fazendo tudo aquilo de novo, bebendo e brigando e jogando com as palavras. Quando a gente é jovem, pode realmente aguentar uma surra. A comida não importava. O que importava era beber e sentar à máquina. Eu devia ter sido louco, mas há muitos tipos de loucura, e alguns são muito gostosos. Eu morria de fome para ter tempo de escrever. Não se faz mais isso. Olhando aquela mesa, via-me ali sentado de novo. Naquele tempo estava louco e sabia disso e não importava.”
Retirado do livro: Hollywood
“Concluí que os atores eram diferentes de nós. Tinham seus próprios motivos. Vocês sabem, quando se passa muitas horas, muitos anos fingindo ser uma pessoa que não se é, bem, isso pode nos causar alguma coisa. Já é duro bastante tentar ser a gente mesmo. Pensem em tentar muito ser alguém que não se é. E depois outra. A princípio, vocês sabem, pode ser emocionante. Mas depois de algum tempo, depois de a gente ser doze outras pessoas, talvez seja difícil lembrar quem é mesmo, especialmente se a gente teve de compor as próprias falas.”
Retirado do livro: Hollywood
“Todos nós precisamos de fuga. As horas são longas e têm de ser preenchidas de algum modo até nossa morte. E simplesmente não há muita glória e sensação para ajudar. Tudo se torna logo chato e mortal. Acordamos pela manhã, jogamos os pés para fora da cama, colocamo-los no chão e pensamos ah, merda, e agora?”
Retirado do livro: Hollywood
“Lá estava um pequeno grupo com gravadores. Alguns flashes espocaram. Eu não sabia quem eram. Começaram a fazer perguntas.
– Acha que se deve glorificar a bebida?
– Não mais do que qualquer outra coisa…
– Beber não é uma doença?
– Respirar é uma doença.
– Não acha os bêbados condenáveis?
– Acho, a maioria. E também a maioria dos abstêmios.
– Mas quem se interessaria pela vida de um bêbado?
– Outro bêbado.
– Acha beber muito um hábito socialmente aceitável?
– Em Beverly Hills, sim. Na sarjeta, não.”
Retirado do livro: Hollywood
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