Pular para o conteúdo

Café Arcaico | Amor na Tarde

As mentiras de um amor sincero.

É fato que Billy Wilder foi (e ainda é) um dos cineastas mais influentes de todos os tempos. Sua versatilidade fez com que o diretor transitasse pelos mais variados gêneros durante sua frutífera e impressionante carreira cinematográfica. Seu dom artístico era tão espantoso que, o realizador conseguiu transformar coisas aparentemente pequenas em realizações memoráveis, ou pelo menos, maiores do que deveriam ser em seu desenvolvimento. Como o próprio mito do Rei Midas, tudo que Wilder tocava virava ouro, claro que, sem o final trágico do ganancioso monarca da mitologia grega. Um belo exemplar de tudo que foi explanado acima, é sua comédia romântica lançada em 1957, Amor na Tarde (Love in the Afternoon).

Estrelado por Audrey Hepburn, Gary Cooper e Maurice Chevalier, Amor na Tarde foi o primeiro trabalho que o já consagrado Billy Wilder realizou em conjunto com o roteirista I.A.L.Diamond e, logo de cara, ficou perceptível que essa união seria de grande sucesso. Wilder e Diamond entregam uma obra que poderia ser só mais um romance esquecível e descartável, mas em suas mãos, o que se viu, foi uma produção com um roteiro inteligente, sofisticado, cheio de diálogos afiados e cenas hilárias. Iniciava-se ali uma duradoura e exitosa parceria, perdurante até o final da carreira de ambos e, resultando em alguns clássicos como, Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1959), Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960), Cupido Não tem Bandeira (One, Two, Three, 1961), Irma La Douce (Idem, 1963), só pra citar alguns.

Ambientado em Paris, Love in the Afternoon nos apresenta logo após sua cena de abertura, Claude Chavasse (Maurice Chevalier), um detetive particular especializado em casos de adultério, ele também é o narrador que faz um breve resumo sobre a capital francesa e como a cidade tem sua relação com o amor. O investigador é viúvo e mora com sua filha Ariane (Audrey Hepburn), uma jovem cheia de curiosidades, estudante de música e violoncelista, que adora especular, sem autorização, os casos em que seu pai trabalha. Dentre essas investigações, a que mais chama a atenção da protagonista, é uma atual envolvendo Frank Flanagan (Gary Cooper), um mega empresário de meia idade, metido a conquistador, que passa a vida em viagens pelo mundo à negócios, mas sempre festejando e se relacionando com diversas mulheres.

Ao espreitar uma conversa entre seu pai e Monsieur X (John McGiver), um cliente que acabara de confirmar a infidelidade de sua esposa, Ariane descobre que o marido traído tinha planos de ir até Ritz Hotel, local onde sua cônjuge se encontrava com seu amante, para assassinar seu rival. Este homem era justamente Frank Flanagan, o magnata por quem a jovem tinha se interessado. A fim de impedir que essa tragédia se concretizasse, Ariane resolve ir até o hotel para alertar Flanagan e Madame X (Lise Bourdin) do que estava para ocorrer. Óbvio que desse encontro surgiram sentimentos e uma atração entre Ariane e Frank, fazendo com que os dois marcassem encontros regulares, que aconteceriam no período da tarde. Mas para equilibrar a situação, a moça passa a inventar histórias de relacionamentos que nunca aconteceram em sua vida, se baseando em casos que havia lido no arquivo de seu pai, para se mostrar uma mulher experiente, a qual os homens se jogavam aos seus pés.

Quando Billy Wilder e I.A.L.Diamond se conheceram, em meados da década de 1950, ao que se sabe, a amizade foi algo instantâneo, visto que os dois se deram muito bem de imediato. O cineasta, então, sugeriu ao seu novo amigo e parceiro de ofício, que trabalhassem no roteiro de seu novo projeto, a comédia romântica que foi batizada de Amor na Tarde. Essa vindoura produção teve como base o livro “Ariane, Fille Russe Jeune”, publicado em 1920, de autoria de Claude Anet, que na verdade era o pseudônimo literário de Jean Schopfer, um tenista francês e campeão de Roland Garros em 1892. O romance de Anet já havia sido adaptado para os cinemas em 1931, sob a direção de Paul Czinner que, na ocasião, dirigiu três versões da mesma obra, uma alemã (Ariane), uma francesa (Ariane, Jeune Fille Russe) e uma inglesa (The Loves of Ariane), mas de fato, a versão de Wilder/Diamond veio a ser a de mais sucesso e a mais relevante adaptação do livro.

Para dar vida ao “Casanova do Século 20”, Frank Flanagan, primeiramente Wilder queria Cary Grant ou Yul Brynner, ambos recusaram, deixando-o decepcionado, pois realmente ansiava por trabalhar com Grant, algo que nunca aconteceu. Gary Cooper acabou sendo o escolhido e, segundo Wilder, além de ser um ótimo ator, também seria uma excelente companhia para o período de gravação em Paris. E mesmo não sendo a primeira escolha, pode se dizer que na terceira o tiro foi certeiro, à medida que a atuação de Cooper é precisa na pele do conquistador de meia idade, esbanjando talento e charme. Outro trunfo do elenco, está na escalação do ator, cantor e humorista francês Maurice Chevalier, desempenhando o detetive e pai de Ariane, Claude Chavasse. Chevalier que, outrora, fizera muito sucesso com algumas canções famosas e uma carreira cinematográfica até relevante, em Hollywood nos anos 1920, ganhou ânimo novo com essa retomada após o sucesso de seu papel.

Se na escolha do intérprete do magnata conquistador, Wilder recorreu à sua terceira opção, o mesmo não se pode dizer da protagonista Ariane, uma vez que Audrey Hepburn sempre foi a favorita, o papel foi feito praticamente sob medida para a ainda jovem, mas já premiada estrela do cinema. Audrey, que já havia trabalhado com Billy Wilder em Sabrina (Idem, 1954), mais uma vez obteve êxito na parceria com o cineasta, e seu desempenho como a moça apaixonada, jovial, ativa, curiosa, magricela (como era chamada por Flanagan) e claro, mentirosa, é hilário. Não é preciso nem dizer que ela “rouba” o filme para si, algo que acontecia sempre e, naturalmente, a atriz brilhava com os holofotes apontados em sua direção. Até porque, mesmo muitas vezes ficando marcada como símbolo de beleza, elegância e sofisticação, Audrey Hepburn foi muito mais do que isso, muito mais do que a “Bonequinha de Luxo” (seu papel mais famoso, no clássico homônimo de 1961), ela foi uma ótima atriz, histórica, icônica e inspiradora, nas telonas e fora delas.

Uma boa parte do público e crítica torceram o nariz em relação ao casal protagonista, dizendo ser pouco crível uma relação entre os dois personagens, muito se baseando na grande diferença de idade entre eles. Na época, Gary Cooper já somava 56 anos, enquanto Audrey Hepburn, apenas 28 (mas se passava por mais jovem facilmente). Algumas técnicas foram utilizadas para tentar, de certa forma, maquiar essa situação como, não se dando muitos closes no rosto do ator, geralmente filmando-o à sombra, a fotografia em preto e branco também ajudou a disfarçar um pouco a sua idade. Mas sinceramente, esse é um detalhe irrelevante e uma polêmica à toa, pois as atuações Cooper e Hepburn são tão boas que a diferença de idade fica em segundo plano. Gary Cooper constrói Frank Flanagan de maneira tão atraente que fica fácil se convencer de que uma pessoa se interessaria por ele, não importando o quão mais jovem ela fosse. Já Audrey Hepburn e sua Ariane… bom, o que dizer? Quem não se apaixonaria por Audrey Hepburn?

A trilha sonora que ficou a cargo do premiado compositor alemão Franz Waxman, ganhador do Oscar por Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) também de Billy Wilder e, Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun , 1951), de George Stevens, exerce uma função crucial na trama, só que dessa vez, nem tanto por seu trabalho autoral, já que a música que conduz todo o romance é a famosa valsa francesa Fascinação. A bem da verdade, essa canção que foi composta em 1904 por Fermo Dante Marchetti e, ganhando letras em 1905 por Maurice de Féraudy, passou praticamente esquecida durante décadas, voltando a fazer sucesso com lançamento do filme em 1957. Na ocasião, além da importância que desempenha no desenrolar da trama, ainda ganhou uma versão cantada, com uma bela interpretação da cantora norte-americana Jane Morgan. No Brasil, a canção ganhou também algumas versões, a mais famosa delas na voz (e que voz!) da inigualável Elis Regina.

Fazendo parte da banda sonora, também se encontra o grupo musical chamado de The Gypsies, que acompanha Frank Flanagan em praticamente todos os lugares, desde seus encontros românticos, onde os músicos tocam para criar todo o clima, com a execução de Fascinação sendo o ápice da noite, seguindo-o em locais inusitados como, suas despedidas e chegadas em aeroportos ou estações ferroviárias, ou até mesmo no banho turco! Esses momentos são dos mais cômicos e engraçados de toda a projeção, e são mesmo de rachar de rir ver o grupo correndo para lá e pra cá, tocando para o seu chefe, mas ao mesmo tempo que diverte, também se nota uma certa cutucada dos mestres e roteiristas Wilder/Diamond, às certas peculiaridades da burguesia e suas manias estranhas e esnobes, que conseguem praticamente tudo à base do dinheiro, ao mesmo tempo que são mimados e dependentes.

Outro ponto que sempre esteve em pauta na filmografia de Wilder e que também se faz presente aqui, é a mentira, a nossa farsa de cada dia. De pessoas que mentem para alcançar um objetivo, indivíduos que fingem ser o que não são para escapar de determinadas situações, que fantasiam um mundo paralelo ao seu, como se o ser humano precisasse frequentemente de um escapismo da realidade, mas sempre arcando com as consequências de suas invenções. E é assim com Ariane, a jovem inexperiente mas perspicaz, adotando uma estratégia toda mentirosa, para de certa forma tomar as rédeas da situação com o seu interesse amoroso, e não ser só mais um de seus inúmeros casos. E Frank Flanagan que parece lutar contra seus sentimentos, e não dar o braço a torcer, mentindo que não se apaixonou pela moça, pois claro, ele era o conquistador, jamais poderia ter sido fisgado. Só que dessa vez, como se trata de um romance, toda situação é tratada de forma branda, terna e carinhosa, sem gravidades, afinal de contas, torcemos pelo casal.

Embora nunca mostrado de forma concreta, é sabido que durante o andamento da obra, Frank e suas amantes e, com Ariane não seria diferente, fazem sexo ao final de cada encontro, logo que os músicos deixam o local, após executarem Fascinação. E por ser cheio de conotações sexuais, a obra não escapou do conservadorismo norte americano, e para seu lançamento na terra do Tio Sam, a censura impôs que uma narração fosse inserida em seu desfecho para que tivesse um final moralista, pois a relação do casal poderia ser considerada imoral. Wilder discordou veementemente do que estavam fazendo com o seu trabalho, mas foi forçado a aceitar essa condição para evitar maiores problemas. E assim, Amor na Tarde foi lançado em 29 de Maio de 1957 no circuito parisiense e, em 19 de Junho do mesmo ano, nos Estados Unidos, sendo um fracasso de bilheteria nas Américas, porém, triunfando em solo europeu, onde foi elogiadíssimo tanto pela crítica, quanto pelo público em geral. Com destaques para o roteiro rebuscado, diálogos hilários e as espirituosas atuações de seu trio central, Hepburn, Cooper e Chevalier.

Love in the afternoon, além de ser uma belíssima declaração de amor à Paris e, Billy Wilder fez questão de filmar na capital francesa, também é uma grande homenagem a seu grande mentor, o cineasta alemão Ernst Lubitsch, com quem trabalhou em seu início de carreira. Com direito até mesmo a Gary Cooper, de certa forma, quase reprisando seu papel em A Oitava Esposa do Barba Ruiva, comédia romântica de 1938, dirigida por Lubitsch e com roteiro de coautoria de Wilder. Fato que acabou ocorrendo por uma grande coincidência, já que o papel de Frank Flanagan, primordialmente, não fora feito para ele. E mesmo sendo um filme considerado “menor” em meio à grandiosa e brilhante filmografia de seu realizador, Amor na Tarde pode, de repente, não despertar tanto o interesse do público sob uma ótica mais atual, mas ainda assim é um trabalho do mais alto nível, inteligente, refinado, irônico, divertido, romântico e com alguns momentos marcantes, especialmente o seu lindo final… Ah que final!

Título: Amor na Tarde (Love in the Afternoon)

Direção: Billy Wilder
Ano: 1957
País: Estados Unidos
Duração: 130 minutos
Gênero: Comédia Romântica

Elenco: Audrey Hepburn – Ariane Chavasse

              Gary Cooper – Frank Flanagan

              Maurice Chevalier – Claude Chavasse

              John McGiver – Monsieur. X

              Madame X – Lise Bourdin

              Van Doude – Michel

              The Gypsies – Eles mesmos

              Olga Valéry – Hóspede no hotel com o cachorro

Marcações: