“You must remember this
A kiss is just a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by”
Lançado em 1942, durante a aclamada Era de Ouro de Hollywood, Casablanca é um clássico sem precedentes, uma obra histórica, que dispensa qualquer tipo de apresentações. Para muitos, o romance definitivo, para qualquer cinéfilo, um marco atemporal. A trama envolvendo um triângulo amoroso entre Rick Blaine, Ilsa Lund e Victor Laszlo, ambientada em Casablanca, no Marrocos, em plena Segunda Guerra Mundial, alcançou um estrondoso e impressionante sucesso com o passar do tempo. Mostrando-se um feito impressionante para um filme postulante ao fracasso, que sofreu com diversos contratempos e, com membros envolvidos em sua produção, descrentes com qualquer êxito, acreditando em um fiasco vindouro, ou no máximo, só mais um lançamento daquele ano. Me arrisco a dizer que esse foi o mais feliz engano da história do cinema.
Casablanca foi baseado em uma obra teatral intitulada Everybody Comes to Rick’s, e sua origem deu-se em 1938, quando o escritor Murray Bennet, em viagem à Europa com sua esposa, passaram por Viena, em uma Áustria já no período de Anschluss (termo utilizado para a anexação do país à Alemanha de Hitler) e presenciaram a onda de anti-semitismo no território. Ao deixarem à cidade, rumaram ao sul da França, e foi ali que Murray descobriu que a cidade marroquina de Casablanca, à época uma colônia francesa, era um território neutro e um importante lugar para os refugiados da guerra, que buscavam fugir dos horrores do nazifascimo. Ao retornar aos Estados Unidos, Bennet se reuniu com a também escritora Joan Alison com a intenção de desenvolver o roteiro para a Broadway, porém a peça foi recusada e, assim, nunca foi encenada.
Posteriormente, o roteiro da peça de Murray e Joan, chegou às mãos de Hal B. Wallis, executivo da Warner Bros., através da editora assistente e caçadora de talentos do estúdio, Irene Diamond ou, Irene Levine (seu verdadeiro nome). Wallis foi convencido a comprar os direitos do script, pelo qual pagou o valor de 20 mil dólares (valor considerado alto para a época, ainda mais se tratando de uma peça nunca encenada). A transposição do roteiro para o cinema ficou a cargo dos irmãos Julius J. e Philip G. Epstein, em parceria com Howard Koch. As filmagens começaram em maio de 1942 (um mês de atraso da data prevista), com término em agosto do mesmo ano e, no meio do trajeto, o título da obra, que já havia gerado várias discussões, foi finalmente alterado e batizado de Casablanca, na tentativa de imitar o sucesso do filme Argel, de John Cromwell, lançado em 1938. A princípio, reputava-se que a obra seria apenas mais uma propaganda bélica, visto que, ocorrera até recentemente, a ingressão dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, após o ataque japonês à base naval norte americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Esse trágico acontecimento, findou com a neutralidade do Tio Sam em relação à guerra que, agora se juntaria aos aliados e, precisava mostrar a todos que lutaria até o fim do lado certo da história.
O primeiro cineasta a ser considerado para conduzir a obra foi William Wyler que, devido a compromissos em sua agenda, não pôde assumir o projeto. Com a recusa de Wyler, o produtor Hal B. Wallis optou por escalar um diretor que, além de ser seu amigo, já tinha uma carreira consolidada nos estúdios da Warner, o húngaro e judeu Michael Curtiz. Realizador altamente ativo e, um tradicional diretor de estúdio, que já obtinha alguns êxitos na década de 30 e início de 1940, com filmes de aventura que consagraram as carreiras dos astros Errol Flynn e Olivia de Havilland, entre estes, Capitão Blood (Captain Blood, 1935), A Carga da Brigada Ligeira (The charge of the Light Brigade, 1936), o clássico As Aventuras de Robin Hood (The Adventures of Robin Hood, 1938) e, A Estrada de Santa Fé (Santa Fe Trail, 1940).
Mano Kertész Kaminer, mundialmente conhecido como Michael Curtiz, nasceu em Budapeste que, na época pertencia ao Império Austro-Húngaro e, embora sua data de nascimento sempre tenha gerado dúvidas, é provável que tenha nascido no dia 24 de dezembro de 1886, como ele mesmo dizia. Sempre interessado em artes, ingressou no Teatro Nacional Húngaro em 1912, trabalhando como ator e diretor, realizando, posteriormente, filmes na Hungria, Dinamarca e Áustria, assinando suas obras com o nome artístico Mihaly Kertész. Seu épico A Lua de Israel (Die Sklavenkönigin) realizado em Viena em 1924, chamou a atenção do executivo Jack Warner, um dos fundadores da Warner Bros. Entertainment, que acabou contratando-o. Migrando para os Estados Unidos em 1926, mudou seu nome para Michael Curtiz e, em 1928, dirigiu seu primeiro de muitos filmes para a Warner, A Arca de Noé (Noah’s Ark), obra bíblica estrelada por Dolores Costello e George O’Brien. Curtiz se tornou notório pela sua alta produtividade, realizando mais de 100 filmes ao longo de sua carreira, mas sem criar nenhum identidade própria, como acontecia na Era de Ouro, a era dos estúdios, o trabalho do diretor, era nada mais do que atender às exigências dos executivos, conduzindo os trabalhos de forma discreta, submetendo-se a seus empregadores.
Ao ser integrado à equipe de produção do vindouro romance de guerra, as reivindicações ao seu trabalho não foram diferentes do ocorrido de praxe. Curtiz ainda tinha que lidar com a politicagem feita no estúdio, com representantes do governo monitorando a todo instante a condução da obra, querendo se intrometer no roteiro, etc, além de gerar desconfiança de executivos da Warner (menos Wallis), que questionavam sua competência para conduzir tal obra. Assim, não há muito a se destacar em sua direção em Casablanca, e talvez isso tenha sido seu maior mérito, pois a magia do filme se encontra em pequenos detalhes, coisas mínimas que se tornaram grandiosas sob sua batuta. O ponto mais notório e digno de ser mencionado, é o fato do cineasta ser um judeu dirigindo uma obra anti nazismo e, embora o cineasta húngaro não tenha sido um refugiado de guerra, alguns de seus parentes, na Europa, sofreram nas mãos dos criminosos comandados de Hitler. E mesmo à distância, enquanto filmava em Hollywood, tentava usar de sua influência para ajudar seus familiares a fugirem do velho continente, porém, não conseguindo impedir que sua irmã e família fossem enviadas ao campo de concentração de Auschwitz, ao qual, somente ela sobreviveu.
Para dar vida ao protagonista Rick Blaine, dono do estabelecimento e maior ponto de encontro de Casablanca, o Rick’s Café Américain (bar fictício), o presidente do estúdio Jack Warner, insistia na escalação de George Raft, ator muito sucedido na década anterior, principalmente por atuar em filmes de gângsteres como, Scarface de Howard Hawks, de 1933. Mas Hal Wallis estava convicto de que o papel havia sido feito para Humphrey Bogart, ator já com uma certa rodagem, vindo do recente sucesso Relíquia Macabra (The Maltese Falcon, 1941) de John Huston. Óbvio que Hal estava mais do que certo, Bogart imortalizou o personagem, com um Rick Blaine cínico, frio, calculista, misterioso, parecendo um ser inatingível, um personagem saído de um filme noir, mas com um coração enorme, agindo sempre para ajudar a quem precisa. E ao término do primeiro ato, descobrimos também que, o gélido empresário tinha sentimentos, sofria por amor, e tudo isso veio à tona ao reencontrar em seu estabelecimento, sua antiga amada Ilsa Lund.
Peça central da trama, a personagem Ilsa Lund teve como primeira opção, por parte de Wallis, a estrela austríaca Hedy Lamarr, mas houve a recusa por parte da MGM, que detinha os seus direitos. Então, o executivo da Warner convenceu o poderoso produtor David O. Selznick a emprestar sua nova estrela em ascensão, a sueca Ingrid Bergman, em troca, Wallis emprestou a Selznick a estrela da Warner, Olivia de Havilland. Ingrid Bergman, talentosa atriz sueca que, após obter sucesso em sua terra natal, principalmente com o filme Intermezzo, lançado em 1936 e produzido por Selznick em solo europeu, recebeu o convite do próprio produtor para trabalhar em Hollywood. Assim como já dito sobre Bogart, Ingrid Bergman também imortalizou sua personagem Ilsa Lund, papel mais importante de sua riquíssima, bem sucedida e internacional carreira. Bergman ilumina cada cena em que está presente, com sua personagem misteriosa, idealista, determinada e, ao mesmo tempo, apaixonada e dividida.
Completando o triângulo amoroso tão icônico, Paul Henreid encarnou o importante líder da resistência e marido de Ilsa Lund, o tcheco Victor Laszlo que, havia escapado de um campo de concentração e precisava fugir de vez das mãos dos nazistas, para voltar a liderar seus aliados. Conta-se que, Henreid só aceitou o papel que lhe foi designado ao saber que seu personagem, além de ficar com a protagonista, teria um “papel chave” em toda a trama. Ele ainda chegou ao set de filmagens com um certo atraso, devido a sua agenda lotada, aliás, em 1942 viveu os dois papéis mais importantes de sua carreira, Victor Laszlo e Jeremiah Durrance no filme A Estranha Passageira (Now, Voyager). A importância de seu papel se deve ao fato de que ele representa a luta anti nazismo, os bravos que resistiam e brigavam por seus ideais, contra qualquer tipo de repressão e, esse era um dos objetivos da produção, essa mensagem tinha que ser passada.
Há personagens coadjuvantes, que também desempenham papéis cruciais para o desenrolar da película como, o major nazista Heinrich Strasser, vivido por Conrad Veidt. O capitão corrupto da polícia local Louis Renault, desempenhado por Claude Rains. O criminoso Ugarte, que tem posse de dois salvos-condutos, essenciais para quem queira sair de Casablanca, interpretado por Peter Lorre. E claro, Sam, o pianista, representado por Dooley Wilson, tão memorável, que chega até ser injusto chamá-lo de coadjuvante. O músico responsável pela animação dos clientes da casa noturna de Rick, não só era um pianista competente e cheio de carisma, mas também um amigo fiel do protagonista, que já o acompanhava de longa data, estando ao seu lado nas boas e más horas, conhecendo-o como ninguém. O ator e cantor Dooley Wilson, na verdade, era baterista e não sabia tocar piano, ele teve que fingir durante as filmagens, mas o que fez de seu personagem tão marcante foi sua interpretação da belíssima canção “As Time Goes By”. A canção composta em 1931 por Herman Hupfeld, tornou-se mundialmente famosa uma década depois, imortalizada na voz de Dooley Wilson, sendo, talvez, ou com certeza, o tema de amor mais famoso da história do cinema (E que CANÇÃO!). Posteriormente, tendo diversas regravações e releituras, com os mais variados intérpretes e até, tornando-se o hino da Warner Bros.
Ainda sobre o elenco, há de se fazer uma menção mais do que honrosa, à louvável atitude do casting da produção, que se empenhou em contratar diversos atores e atrizes exilados e refugiados de guerra para participarem do projeto. É o caso dos já citados Conrad Veidt, Paul Henreid e Peter Lorre, além de Madeleine Lebeau, que vive a ex namorada de Rick, Yvonne e vários figurantes como, Louis V. Arco, Wolfgang Zilzer, Trude Berliner, Hans Heinrich Von Twardowski, Ilka Grunig, Ludwig Stossel. Muitos desses refugiados sentiram na pele os horrores da guerra, alguns, inclusive, escaparam por pouco das mãos do nazismo. Informações de bastidores, dão conta de que, um dos momentos mais icônicos de Casablanca, a batalha de hinos, quando soldados de Hitler, comandados por Strasser, começam a entoar uma canção nazista e são abafados por membros da resistência, liderados por Victor Laszlo, cantando La Marseillaise (hino da França), arrancou lágrimas de vários envolvidos, tamanha era a emoção de todos, com um momento tão representativo. Detalhes como esse, potencializam ainda mais a importância histórica da obra.
Discussões sobre os rumos que a trama deveria tomar, foram tantas que, o roteiro era alterado a todo momento, com os irmãos Epstein reescrevendo cenas e falas, no dia a dia no próprio set de filmagens. Muitas vezes entregando o script praticamente em cima da hora para os atores, com pouco tempo para decorarem o texto e, em certos momentos, nem Michael Curtiz sabia o que seria filmado a seguir. Esse e outros motivos trouxeram muita indisposição com elenco, diretor e produção, causando diversos desentendimentos entre os envolvidos, incrível até, como tantos diálogos e frases tão marcantes saíram de um roteiro tão conturbado. E com o atraso e orçamento estourado, a cena final no aeroporto, precisou de muito improviso e criatividade. Como a sequência foi gravada em estúdio, um avião de papelão foi montado e anões foram contratados para parecerem que eram menores do que a aeronave. Com a filmagem feita com uma certa distância, em uma tomada noturna e com neblina artificial, “maquiando” tudo ao redor, esse fato inusitado é totalmente imperceptível e o desfecho, é claro, um primor. Um fato curioso é que Humphrey Bogart era alguns centímetros mais baixo que Ingrid Bergman, então, para gravarem juntos, o ator se utilizava de plataformas ou caixotes sob os sapatos, para parecer maior.
A trilha sonora ficou a cargo do compositor austríaco Max Steiner, renomado músico que já carregava alguns clássicos em sua bagagem como, King Kong, Nasce uma Estrela, Émile Zola e O Vento Levou. Ao que se sabia, Steiner não gostava da canção “As Time Goes By” e queria removê-la, algo que não foi permitido (com todo respeito ao grande músico que era, seria um sacrilégio se isso tivesse acontecido). Sendo assim, Max incorporou a canção tema em seu trabalho, assim como fez com La Marseillaise, e a versão de instrumental de As Time Goes By pontua os momentos cruciais da projeção, consequentemente, as passagens que se tornaram épicas com o tempo. No final, sua banda sonora acabou sendo bem sucedida, adequada e do tamanho do projeto, mesmo com a correria envolvida, mas isso já era algo esperado devido a grande competência de Max Steiner, um dos maiores músicos da história do cinema.
Casablanca teve sua pré estreia no dia 26 de novembro de 1942, com uma noite de gala no Hollywood Theatre, em Nova York. Esse lançamento coincidiu propositadamente com a investida dos aliados no norte da África, a chamada Operação Tocha, que tinha como objetivo abrir uma frente ampla de batalha no continente para acelerar a derrota alemã em solo africano. Estrategicamente, o lançamento em circuito comercial, foi datado de 23 de janeiro de 1943, mesmo período em que se findara a Conferência de Casablanca, evento em que os aliados planejaram novas estratégias para a fase seguinte da Segunda Guerra Mundial. A recepção foi muito boa por parte da crítica especializada, que não poupou elogios ao novo lançamento da Warner, e o desempenho na bilheteria também foi considerável, nada espetacular, mas ao longo dos anos, a obra foi se popularizando cada vez mais.
A consagração veio no ano seguinte, mais precisamente no dia 02 de março de 1944, na realização da 16ª Cerimônia do Oscar, onde Casablanca se sagrou o grande vencedor, com os prêmios da Academia de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado e, concorrendo em mais outras 5 categorias. Um triunfo gigantesco para uma obra que, de início, tinha tudo para dar errado, encaminhou-se para isso, com todos os empecilhos, brigas, discordâncias, politicagem e atrasos, mas que no final das contas, acabou se tornando um dos maiores clássicos da história do cinema. Uma das obras mais relevantes da sétima arte, que ao longo de décadas, foi referência, sendo copiada e homenageada constantemente, sempre figurando em listas sobre de melhores filmes de todos os tempos.
Por mais que o governo norte americano, comandado por Franklin Roosevelt, forçosamente tentou de todas as formas, fazer de Casablanca uma propaganda de guerra, uma obra para inspirar o patriotismo, o filme foi muito além e se mostrou muito, mas muito mais do que isso. Criou-se uma aura ao seu redor, como Ingrid Bergman dizia – “Casablanca parece ter vida própria”, acrescento a seus dizeres que, essa vida própria é imortal, com um legado impressionante, que ainda emociona e não se enfraquece com o tempo, mesmo com todos os clichês presentes (e são muitos). Não dá para cravar o que faz essa obra de arte ser tão épica, talvez as ilustres atuações de um elenco afiado, ou a esplendorosa canção As Time Goes By, ou o seu roteiro primoroso, com diálogos marcantes e frases que são tornaram memoráveis por décadas, provavelmente, seja a junção de todos esses fatores, mas como conseguiram alcançar tamanha perfeição, talvez seja um mistério. O fato é que, Casablanca encontra-se no Olimpo do cinema e nada o tira de seu pedestal, está lá para a eternidade.
Dados Técnicos.
Título: Casablanca
Direção: Michael Curtiz
Ano: 1942
Gênero: Drama/Romance/Guerra
País de Origem: Estados Unidos
Elenco: Humphrey Bogart: Rick Blaine
Ingrid Bergman: Ilsa Lund
Paul Henreid: Victor Laszlo
Claude Rains: Capitão Louis Renault
Dooley Wilson: Sam
Conrad Veidt: Major Heinrich Strasser
S.Z.Sakall: Carl
Madeleine Lebeau: Yvonne
Peter Lorre: Ugarte