“Esta manhã nos trouxe paz sombria.
O sol radioso, não mostrará seu rosto
Porque nunca houve história mais triste
do que esta de Julieta e de seu Romeu.”
Romeu e Julieta é um clássico universal, sua romântica e trágica história mundialmente conhecida, é de fato um marco de extrema importância para a carreira de seu autor, o dramaturgo, poeta e ator inglês William Shakespeare. Sendo assim, se faz desnecessário tecer qualquer resumo ou sinopse sobre a trama ambientada na cidade italiana de Verona, onde um jovem casal, filhos de duas famílias rivais, Montecchio (família de Romeu) e Capuleto (família de Julieta), se conhecem e se apaixonam perdidamente de forma instantânea, vivendo um amor impossível.
O Bardo britânico William Shakespeare, considerado o dramaturgo mais importante de todos os tempos, desenvolveu sua trágica peça, acredita-se que entre os anos de 1591 e 1595, porém são apenas conjecturas baseadas em pesquisas, pois nem os estudiosos conseguem afirmar com exatidão sua data de lançamento. É certo que Romeu e Julieta pertence à uma tradição de romances trágicos remetentes ao período da Antiguidade (sendo um deles, o mito de Píramo e Tisbe, um conto da mitologia romana publicado por Ovídio em sua coleção Metamorfoses), que vieram sendo adaptados ao longo dos anos, e a cada lançamento de autores diferentes, algum contexto, personagens, ou nomes das famílias eram inseridos, e que futuramente seriam utilizados na peça shakespeariana. O poeta inglês tomou como base, além de toda sua influência na mitologia e tragédia grega, um poema narrativo do também poeta e seu conterrâneo Arthur Brooke, publicado em 1562, intitulado A Trágica História de Romeu e Julieta (The Tragicall Historye of Romeus and Juliet) que por sua vez, o traduziu de um poema italiano de autoria do poeta e bispo Matteo Bandello, de 1554; e mais tarde, em 1582, foi retomado em prosa pelo autor William Painter com o título O Palácio do Prazer. William Shakespeare em sua adaptação, utilizou uma estrutura dramática, interligada entre a comédia e tragédia, aumentando a tensão, e dando ênfase à personagens secundários, desenvolvendo-os e tornando suas histórias interessantes, além de toda dramaticidade que cercava o casal protagonista. Todos esses fatores fizeram com que o dramaturgo fosse elogiado por seu apuro técnico, maturidade e habilidade dramática.
Romeu e Julieta se tornou uma de suas obras mais famosas e relevantes, ao lado de Hamlet, Macbeth, Rei Lear, Sonho de uma Noite de Verão, Otelo, O Mercador de Veneza, entre outros; e desde sua apresentação teve um forte impacto na cultura, inspirando gerações, e despertando estudos, teorias e análises nos mais variados campos. Além, é claro, de toda sua influência na arte, em suas diversas áreas através dos séculos, como o teatro, literatura, música, pintura e mais adiante, o cinema. Claro que, com a invenção dos Irmãos Lumiére ao final do Século XIX, e que anos depois se tornaria a nossa amada Sétima Arte, não seria diferente, a trágica história do jovem casal de Verona, mais cedo ou mais tarde, seria adaptada para as telonas.
Sua primeira adaptação cinematográfica foi feita por Georges Méliès no início do século XX, mas essa versão é dada como perdida, assim como grande parte do trabalho do cineasta e gênio francês. Em 1916 foi lançada mais uma versão no cinema mudo, dirigida por J.Gordon Edwards, mas esta, assim como a versão de Méliès, também é dado como um filme perdido. Posteriormente, em 1929, a peça foi adaptada pela primeira vez no cinema falado, na comédia musical The Hollywood Revue of 1929, de Chuck Riesner, filme dividido em vários atos, cada um contando uma história. Em 1936, o diretor George Cukor apresentou sua versão da obra, porém, não foi bem aceita pelo público e crítica; e em 1954 o diretor italiano e neorrealista Renato Castellani, lançou sua adaptação e saiu vencedor do Prêmio Leão de Ouro no Festival de Veneza. Com tudo isso contextualizado, finalmente chegamos à década de 1960, quando o diretor toscano Franco Zeffirelli presenteou o cinema com sua visão do romance de Julieta e Romeu.
Gian Franco Corsi Zeffirelli (1923 – 2019), mundialmente conhecido como Franco Zeffirelli, teve seu primeiro contato com o cinema quando apresentado ao lendário diretor italiano Luchino Visconti, ainda em início de carreira. Este o contratou e o tornou assistente de direção em seu filme A Terra Treme (La Terra Trema), de 1948. Luchino exerceu em Franco uma profunda influência profissional e pessoal, e os dois também mantiveram um relacionamento homoafetivo durante algum tempo. Nos anos cinquenta, Zeffirelli teve uma trajetória muito ativa no teatro e ópera, fatores que o deram projeção mundial, rodando o globo com suas obras pela Europa e chegando aos Estados Unidos. Na década seguinte, então, o cineasta finalmente resolveu desenvolver suas ideias nas telonas, e em 1967 lançou seu primeiro longa metragem A Megera Domada (The Taming of Shrew), baseado também em uma peça de William Shakespeare, com as estrelas Elizabeth Taylor e Richard Burton como protagonistas. Em seguida, ele rodou um documentário chamado Florence: Days of Destruction, para arrecadar fundos para Florença, sua cidade natal, que tinha sido devastada por inundações, e após isso, começou a se dedicar ao filme que o elevaria também ao status de um grande diretor de cinema.
Com a produção de Romeu e Julieta iniciada, Franco Zeffirelli queria ser o mais fiel possível à obra de Shakespeare, praticamente levando a peça às telas, e isso pôde ser visto na maneira teatral da atuação de seu elenco, e no roteiro todo recitado em versos, na maioria de seus diálogos. Mas mesmo querendo manter fidelidade ao teatro, para reproduzir a Verona Renascentista, palco de toda a trama, o diretor se utilizou pouco do estúdio, e resolveu filmar em locações, se dispondo das cidades e comunas italianas de Artena, Tuscania, Pienza, Gubbio, Montagnana e Roma, onde filmou na Cinecittà Studios. Curiosamente, a cidade Verona não foi utilizada nas filmagens. O apuro técnico e perfeccionismo do cineasta, renderam-lhe uma direção segura e muito elogiada, principalmente nas cenas de batalhas de espadas na praça central da cidade. Somando-se a isso, a brilhante direção de fotografia de Pasqualino de Santis e o belíssimo figurino de Danilo Donati, fazem de Romeo and Juliet, um filme tecnicamente primoroso, beirando a perfeição. Em tempos atuais, a obra pode parecer um pouco datada (principalmente por conta de seus diálogos), mas não deixa de ser um trabalho emocionante, poesia pura.
Para viver o casal protagonista, diferente de todas as transposições da peça para o cinema, Zeffirelli se empenhou em escalar dois atores jovens e desconhecidos, que refletissem, ou pelo menos se aproximassem da idade dos amantes na obra original, no caso, Julieta tinha treze anos e Romeu, dezessete. O astro Paul McCartney relatou que foi considerado pelo diretor para interpretar o jovem Montecchio, e embora Franco Zeffirelli nunca tenha mencionado nada sobre isso, o ex Beatle confirma a veracidade de sua afirmação, inclusive colocando-a em sua autobiografia. O fato é que, Paul não foi escalado e depois de trezentas audições, o inglês Leonard Whiting, de dezessete anos, foi escolhido. O diretor dizia sobre a escolha do jovem ator que “Leonard tinha um rosto magnífico, melancolia suave, doce, o tipo de jovem idealista que Romeu deveria ser.”
Para dar vida à Julieta, a atriz Anjelica Huston, com dezessete anos na época, estava na mira de Franco, mas saiu de cogitação quando seu pai, o diretor John Huston, a escalou para estrelar seu filme Caminhando com o Amor e a Morte (A Walk With Love and Death), lançado em 1969. Sendo assim, mais de quinhentos testes foram feitos, mas foi nos palcos de Londres que o realizador descobriu e se encantou com uma jovem cheia de talento, não tendo mais dúvidas de quem seria a estrela de seu filme. Essa garota promissora era Olivia Hussey, uma atriz argentina (por parte de pai) e britânica (por parte de mãe), com experiências no teatro desde os treze anos de idade, e já atuante em papéis menores em dois filmes, ela tinha apenas quinze anos, quase dezesseis, quando começou seu trabalho como a jovem Capuleto. E dentre todos os êxitos do diretor acerca da obra, talvez Olivia seja o maior deles, impressionante como ela ilumina toda cena em que está presente, com seu rosto angelical, sua alegria e atuação cheia de inocência, meiguice e pureza.
Leonard Whiting também não fica muito atrás em seu destaque, e o entrosamento entre ele e Hussey é admirável. O casal consegue demonstrar de forma impecável a inexperiência de dois adolescentes apaixonados, impulsivos e dispostos a confrontarem qualquer um que fosse para viver aquele amor, que certamente seria amaldiçoado por suas famílias. Em cenas que, para descrever, preciso repetir um termo já utilizado, são “poesia pura”, com versos recitados cheios de declarações amorosas, promessas eternas, bravura e determinação. Essa química perfeita fez com que aqueles dois “anônimos” se tornassem Romeu e Julieta, uma vez que, estes foram os maiores papéis de suas carreiras, deixando-os eternamente marcados. Não importa quantas versões dessa obra de Shakespeare o telespectador venha a assistir, sempre que se falar em Romeu e Julieta, os rostos que virão à memória serão imediatamente os de Leonard Whiting e Olivia Hussey.
E como toda grande obra precisa de uma grande trilha sonora, o célebre Nino Rota ficou responsável por conduzir a música que viria abrilhantar cada passagem do romance. Giovani “Nino” Rota Rinaldi (1911 – 1979) foi um lendário compositor, maestro, pianista e acadêmico italiano, que desde a infância já se mostrava um músico prodígio, escrevendo seu primeiro oratório aos onze anos de idade, e aos doze já se apresentava em Milão e Paris. Tendo trabalhado com frequência na ópera, balé e teatro, se tornou ainda mais notório ao iniciar suas atividades no cinema, ficando marcado por desempenhar seu papel com praticamente todos os diretores italianos importantes da época, como Luchino Visconti, Renato Castellani, Mario Monicelli e principalmente Federico Fellini, e além disso, foi também o responsável pela histórica trilha de O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), e o Poderoso Chefão – Parte II (The Godfather – Part II, 1974) de Francis Ford Coppola. Rota já havia trabalhado com Franco Zeffirelli no teatro e no filme A Megera Domada, e foi nessa época que já ficou acordado que ambos voltariam a trabalhar juntos, e novamente em mais uma produção shakespeariana.
As composições de Nino Rota para o filme são um verdadeiro primor, canções minuciosamente trabalhadas para cada momento e personagens, sendo o ponto mais marcante o seu Love Theme. Este, que é o tema principal, é de uma beleza rara, um lirismo impressionante, evidencia toda a perfeição alcançada por Rota. A canção assinala pontos cruciais em toda obra, como o momento em que os dois jovens se conhecem no baile dos Capuleto, inclusive com uma versão cantada intitulada What is a Youth (versão composta em parceria com Eugene Walter), também se faz presente na clássica cena da sacada, onde os amantes proferem suas juras de amor, selando um compromisso entre eles e também seus destinos; e encerra seu ciclo elevando e entristecendo ainda mais a derradeira cena na cripta da família de Julieta. Nesse desfecho, que é a passagem mais bela de todas, não só a música é digna de louvores, mas também a atuação daqueles dois atores iniciantes, Leonard e Olivia, que dominaram seus papéis como se fossem veteranos no auge da atividade, e se sobressaem, cada um em seu momento, embalados pelo tema do amor de Rota, dando à obra, um final digníssimo, romântico e trágico, descrevendo apenas como uma palavra, épico!
Romeu e Julieta estreou no dia 05 de Março de 1968, levou multidões aos cinemas, e se tornou um grande sucesso, agradando tanto ao público, quanto à crítica especializada ao redor do mundo, popularizando-se muito entre os jovens da época, algo que já esperado, visto que, sua trama é definida como o arquétipo do amor juvenil. Gerou um pequena polêmica devido à uma breve cena de nudez dos protagonistas, que eram menores de idade, mas por se tratar de uma passagem muito rápida e sem nenhum erotismo em excesso, e contava também com o consentimento e autorização dos pais dos jovens, nada prejudicou o desempenho e nem rendeu uma repercussão negativa à produção. O Love Theme de Nino Rota também se tornou um êxito mundial, inclusive ganhando novos arranjos pelo renomado músico Henry Mancini, e uma versão cantada por Johnny Mathis, canção que chegou ao topo das paradas norte americanas, com uma nova letra e com o título A Time for Us. No ano seguinte, em 1969, Romeo and Juliet foi indicado aos Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Figurino e Melhor Fotografia, saindo vencedor nas duas últimas categorias. E no Globo de Ouro venceu nos quesitos Melhor Filme Estrangeiro em Língua Inglesa, e Olivia Hussey e Leonard Whiting, ambos receberam o prêmio de Estrela Revelação do Ano, trazendo-lhes a merecida consagração.
É justo e consenso de se afirmar que, se o inglês William Shakespeare, no final do século XVI, apresentou ao mundo a versão permanente de um romance que datava de tempos mais antigos, o italiano Franco Zeffirelli, no século XX, brindou a sétima arte com a versão cinematográfica definitiva da história de amor e tragédia de Romeu e Julieta, e assim como havia acontecido há quase quatro séculos atrás, também se tornou um clássico e encantou gerações.
Informações técnicas.
Título: Romeu e Julieta (Romeo and Juliet)
País: Reino Unido – Itália
Ano: 1968
Gênero: Romance – Drama
Direção: Franco Zeffirelli.
Duração: 138 minutos.
Sinopse: Em Verona, Romeu (Leonard Whiting), um jovem, fica apaixonado e é correspondido por Julieta (Olivia Hussey), uma donzela que pertence a uma família rival. No entanto, este amor profundo terá trágicas conseqüências uma vez que nenhuma das duas famílias, cada vez mais envolvidas em um conflito sangrento, não deixará que os dois consumem a paixão.
Olivia Hussey: Julieta Capuleto
Leonard Whiting: Romeu Montecchio
Milo O’Shea: Frei Lourenço
John McEnery: Mercúcio
Michael York: Tebaldo
Pat Heywood: Ama de Julieta
Bruce Robinson: Benvólio
Paul Hardwick: Lorde Capuleto
Natasha Parry: Lady Capuleto
Antonio Pierfederici: Lord Montecchio
Esmeralda Ruspoli: Lady Montecchio
Roberto Bisacco: Lorde Páris
Robert Stephens: Príncipe