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Game Café | Celeste

Texto de: João Marcelo Simão Castro

“É agora, Madeline.”

“Respira.”

“Por que está tão nervosa?”

E assim começa Celeste…

Caso vocês tenham lido o post em que conto minha experiência com Jotun: Valhalla Edition, é provável que tenham percebido o quanto eu gosto de jogos de plataforma em 2D. Mas Celeste está além das belezas técnicas, ele tem uma história que precisa ser contada…

A revolução criativa de Celeste.

Celeste não tem um grande salto tecnológico, pelo contrário, é um jogo relativamente simples de plataforma em 16 bits, muito parecido com os encontrados no Super Nintendo. Os pontos altos deste jogo são sua história e jogabilidade.

É interessante ver como a narrativa se envolve com as mecânicas do jogo de um jeito inédito. Olha pra esse exemplo, a menina se olha no espelho… O reflexo dela toma forma e diz umas coisas bem escrotas pra ela.

Conversa
“Você é muitas coisas, querida, mas alpinista não é uma delas.”

A partir daqui, essa versão diabólica de você começa a te perseguir. Dessa forma, Celeste usa da jogabilidade pra falar sobre a ansiedade e depressão. Essa abordagem tão verdadeiramente interativa sobre esse tema nunca seria possível em filme, livro, música, nem em lugar nenhum. Celeste faz o que só um jogo poderia fazer, mas o que até onde eu sei, nenhum outro jogo tinha conseguido fazer tão bem.

Conceito de sombra de Carl Gustav Jung

No livro Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo [1] , Jung diz o seguinte sobre o que seria nossa “sombra”:

“Se formos sinceros e fizermos um pouco de esforço reconheceremos alguns aspectos da nossa sombra.

Ela está naquilo que detestamos nos outros, aquilo que me irrita no outro é um gancho para ela.

É comum pensarmos que a sombra só contém aspectos escuros e negativos da personalidade, contudo é a sombra que nos dá a dimensão humana, que escancara a realidade, que coloca nossos pés no chão, mas também esconde potenciais ocultos, tesouros inestimáveis que foram desprezados, é um remédio amargo e necessário! O confronto com ela é uma humilhação para o ego.”

É exatamente assim que Madeline vê e rejeita sua contraparte, até então, maligna.

O objetivo da terapia Jungiana é integração do ego com a sombra, isso é necessário porque os maiores riscos que nós enfrentamos vem de nós mesmos. Aceitar e integrar a própria sombra faria de você um ser completo

Nos integrar a própria sombra é difícil e perigoso, exige mortes simbólicas, testa o raciocínio e intuição. As mesmas coisas podem ser ditas sobre Celeste

Acredite em mim… Mortes simbólicas é o que mais tem nesse jogo. Eu, por exemplo, morri mais de 3 mil vezes e não fiz 100% do jogo.

Jung descreve como “processo de individuação” a jornada de quem enfrenta e integra a própria sombra. Quem faz essa jornada renasce mas só depois de deixar algumas coisas para trás.

Abraço
Se você acha que não tem uma sombra, talvez você seja a sombra

Uma história de auto descobrimento, e reconhecer todas as partes de si, sejam elas boas ou ruins

Em determinado momento, Madeline é questionada sobre o porquê quer chegar ao cume da Montanha Celeste, sua resposta é um simples “Eu preciso fazer isso” … Uma necessidade de ter uma grande realização talvez grandiosa – ou até meio estúpida. É como se fosse um teste pessoal, uma provação que você, de fato, consegue fazer aquilo; um ponto de partida que te levaria para outros sonhos. Mas mesmo com essa imposição de chegar aonde você disse que iria chegar, o fato é que nem sempre existe sucesso nisso, e mesmo se existir, o trajeto até lá não vai ser fácil, vão existir muitos problemas, desafios, medos. Você pode – e provavelmente vai – cometer erros que sequer passaram pela sua cabeça, vai descobrir lados ruins que se escondiam na sua personalidade, e em muitos momentos, você sequer vai acreditar que tem a capacidade pra chegar nesse objetivo… A escalada de Madeline é sobre aceitar que está tudo bem se isso acontecer.

A Contraparte de Madeline não é a vilã, é apenas o outro lado da mesma moeda, um lado que as vezes é um pouco mais pragmático, egoísta e desconfiado, mas que é tão necessário quanto a parte mais cabeça dura e honesta de Madeline. Ela representa, em muitos momentos, os pensamentos sinceros que a protagonista não tem coragem de por pra fora, ou ações que ela gostaria de tomar, mas evita devido aos seus problemas pessoais.

Durante a sexta fase do jogo, há uma faixa que, se tocada de trás para frente, revela bem o que a personagem passa durante sua escalada a montanha Celeste (Utilizei da licença poética para transcrever o trecho abaixo em português).

“Às vezes, eu … realmente não sei … o que está acontecendo mais. Eu … eu não … sei quem eu sou. Eu apenas … me olho no espelho, e … não sei para quem estou olhando. Ou … quem está olhando para mim. Eu … penso muito … sobre … para onde … minha linha de raciocínio está me levando … e nem sempre é um lugar bom. E isso me assusta. Eu não … gosto de … me assustar. Eu não gosto…”

Nesse trecho, conseguimos ver como a personagem demonstra o quão machucada está, a insegurança que ela sente, e como a culpa a consome constantemente por acontecimentos que estavam fora do seu controle. O jogo inteiro gira em torno disso, que Madeline pode SIM cometer erros, que pode ser egoísta as vezes e que isso é normal. Celeste reconhece que nós, como pessoas, não somos perfeitos, e não devíamos tentar ser.

Menino abraçando menina
Não deixem de conferir o instagram do Theo.

Mesmo que você nunca tenha bebido e brigou com as pessoas pela internet pra descontar algum sentimento, com certeza já recorreu para algum escape, numa tentativa de fugir de uma realidade que você não estava pronto para enfrentar. E está tudo bem, nem sempre vamos estar preparados para o que a vida joga no nosso caminho, e, com certeza, vamos errar na trajetória.

Torta de morango
Tente pegar todos os morangos, no final, vai valer a pena.

Não deixe de conferir…

Age of Mythology – Game Café

A Lenda de Zelda | Game Café

Crash Bandicoot | Game Café

Comix Zone | Game Café

Muito do que eu escrevi aqui está no canal do Meteoro Brasil e do Nautilus, caso queiram, recomendo conferir o conteúdo do canal deles.

[1] Link para o livro