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Café Arcaico | Gremlins

“Vocês fazem com o mogwai o que sua sociedade fez com todas as dádivas da natureza. Você não entende. Você não está preparado.”

Fim de ano pra mim é uma época de pura nostalgia, período em que pareço mais disposto a relembrar a infância, dos momentos mágicos da juventude, e claro, rever aqueles filmes que marcaram a vida nos tempos joviais. E pra quem cresceu nos anos 80 e 90, certamente Gremlins, fez parte dessa era de ouro.

Dirigido por Joe Dante, produzido por Steven Spielberg, escrito e roteirizado por Chris Columbus, Gremlins é um filme natalino de comédia/terror, lançado em 1984, de grande sucesso do cinema. Um verdadeiro clássico oitentista, dos maiores representantes do seu tempo, com todos os ingredientes característicos da época, comédia, terror, humor ácido, aventura, surpresa, romance e crítica social.

Rand Peltzer (Hoyt Axton) é um inventor fracassado, que vive tentando promover suas invenções, esperando que alguma dê certo. Em uma de suas viagens, ele procura um presente de Natal para seu filho Billy Peltzer (Zach Galligan), isso o leva até Chinatown, aonde um menino (John Louie) o conduz até a loja de seu avô, um sábio chinês (Keye Luke). Na loja, enquanto conversa com o seu dono, já apresentando uma de suas criações duvidosas, Rand ouve alguma coisa cantarolando uma música diferente e misteriosa. Essa criatura era um mogwai, um bicho simpático, com orelhas pontudas, peludo, semelhante a um morcego misturado com uma coruja. O homem se encanta com aquele ser, e julga o presente ideal para seu filho, porém, o velho chinês se recusa a vendê-lo por qualquer preço, dizendo que um mogwai exige muita responsabilidade. Seu neto fica inconformado e manda Rand Peltzer esperá-lo fora da loja, e assim, vende a criatura escondido de seu avô, mas antes de entregá-lo, alerta de que existem três regras básicas e cruciais a serem seguidas:

  1. Ele não pode entrar em contato com a água,
  2. Mantenha-o longe da luz forte, a luz do sol pode matá-lo
  3. Não importa o quanto ele chore, o quanto ele suplique, nunca, nunca o alimente após à meia-noite.

Claro que essas regras serão quebradas. Se não fosse assim, não teríamos o filme.

Após esse prelúdio, somos apresentados à pequena e fictícia cidade Kingston Falls, toda coberta de neve e com os preparativos completos para o Natal. Assim conhecemos Billy Peltzer, nosso protagonista, filho de Rand e Lynn Peltzer (Frances Lee McCain), um jovem que trabalha em um banco e é muito ligado ao seu cachorro Barney, tem um interesse amoroso por Kate Beringer (Phoebe Cates), sua companheira de trabalho, e vive com medo da Sra. Ruby Deagle (Polly Holliday), uma senhora mesquinha e podre de rica, praticamente a dona da cidade, e que vive ameaçando dar um fim no cachorro de Billy.

Conhecemos também o Sr.Futterman (Dick Miller), um homem já de idade, cheio de paranoias e um nacionalismo exagerado e xenofóbico, que insistia em criticar produtos de origem estrangeira, enaltecendo os produtos nacionais (logo em sua primeira vez em tela, aparece desaprovando o Fusca de Billy, que havia congelado na neve e não queria funcionar).

Ao ganhar o presente de Natal de seu pai, Billy fica maravilhado com aquele animalzinho diferente, inteligente e absurdamente fofo, agora batizado como Gizmo, e de imediato, os dois se tornam muito ligados um ao outro. E convenhamos, o bichinho é capaz de derreter o coração de qualquer um, todo mundo adoraria ter o Gizmo de estimação. Mas quando Billy vai mostrar seu novo animal para um amigo, o menino Pete Fontaine (Corey Feldman), este acidentalmente derruba um copo d’água no mogwai, e assim é descoberto o que acontece com mais uma regra quebrada, com a água os bichos se multiplicavam, e agora existiam vários, e com uma personalidade bem diferente do pobre Gizmo, todos arruaceiros. Porém, o pior ainda estaria por vir, quando os bagunceiros boicotam o relógio da casa, e Billy acidentalmente, os alimenta depois da meia noite. No dia seguinte, todos estavam em casulos, em estado de metamorfose, e após esse processo, renasceram como monstros, ainda arruaceiros, só que muito mais demoníacos. E a coisa piora, quando o líder desses seres, Stripes, mergulha em uma piscina fazendo se multiplicar, surgindo uma multidão deles e começam a tocar o terror na pacata cidade, com resultados catastróficos. Restando a Billy, Kate e Gizmo combaterem essas criaturas endiabradas, batizadas como Gremlins.

Explicando: Gremlins são criaturas mitológicas, populares na tradição saxã e germânica. São seres do mal que, segundo a lenda, gostam de causar confusão, incomodar as pessoas e até mesmo são capazes de boicotar qualquer tipo de equipamento.

O roteirista e autor de Gremlins, Chris Columbus, teve essa ideia após seu apartamento ficar infestado por ratos. Segundo ele, era insuportável o barulho causado pelos roedores por dentro das paredes de onde ele residia, à noite era assustador. Chris nunca imaginou que seu roteiro saísse do papel, mas Steven Spielberg ao lê-lo se empolgou com a originalidade do script e resolveu levá-lo às telonas. Mas não sem antes fazer alterações, o argumento original foi considerado muito pesado, por exemplo, a mãe de Billy seria decapitada pelos monstros, Gizmo se transformaria no líder Stripes e o cachorro Barney seria morto também (nunca mate o cachorro!). Todas essas partes foram excluídas para que o filme se tornasse um pouco mais familiar.

Para a direção, Spielberg escalou Joe Dante, diretor que vinha do interessante Grito de Horror (The Howling, 1981), filme sobre lobisomens e que recentemente tinha trabalhado com o próprio Spielberg em No Limite da Realidade (Twilight Zone: The Movie), filme dividido em quatro episódios, homenageando a famosa série dos anos 50 e 60, Além da Imaginação. Dante dirige o terceiro seguimento, It’s a Good Life.

Joe Dante foi a escolha perfeita, conduzindo a obra com maestria, construindo e apresentando muito bem cada personagem, mostrando o perfil de cada um, deixando tudo bem ambientado, com extrema competência tanto em mostrar um filme mágico de Natal, como ele se parece no começo, até a reviravolta, quando vira um terror/comédia de humor negro, bizarro, e por vezes, nojento, com direito a Gremlin sendo triturado em um espremedor de suco, explodindo em microondas, derretendo no sol, etc.

Só que apesar tudo isso, as situações são absurdamente engraçadas, impossível não dar risadas em cada momento envolvendo as criaturas, mesmo que seja em seus constantes atos de violência.

Destaco muito a cena em que os Gremlins estão se divertindo e enchendo a cara num bar aonde Kate trabalha à noite, pra mim é uma das cenas mais hilárias já feitas. E também os monstros se deliciando ao assistirem A Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937) no cinema é, no mínimo, sensacional. Sem contar todos os easter eggs inseridos, coisa típica do cinema de seu realizador, com direito a rápidas aparições de Steven Spielberg, George Lucas e o compositor Jerry Goldsmith em uma feira de ciências aonde Rand Peltzer tentava apresentar suas invenções.

Gremlins

Essas aparições se dão quando Rand está telefonando para sua esposa, e em momentos diferentes, algum desses indivíduos passam por trás ou pela frente da cabine telefônica.

Ainda conta com a ilustre participação de Chuck Jones, criador de Pernalonga e dos Looney Tunes, numa cena no bar bem no começo da projeção. São tantas referências, que precisaria de outro um texto só pra falar sobre. Vale a pena procurar todas, e mesmo encontrando várias, caro leitor, dê uma pesquisada na internet, porque com certeza, alguma passou batido.

Outro grande trunfo é a trilha sonora composta pelo saudoso e genial Jerry Goldsmith. Responsável por grandes trabalhos como Planeta dos Macacos (Planet of Apes, 1968), Patton -Rebelde ou Herói? (Patton, 1970), Chinatown (Chinatown, 1974), A Profecia (The Omen, 1976), Star Trek: O Filme (Star Trek: The Motion Picture, 1979), Alien: O Oitavo Passageiro (Alien, 1979), Rambo (First Blood, 1982), Poltergeist – O Fenômemo (Poltergeist, 1982), entre outros. Em Gremlins não poderia ser diferente, Jerry Goldsmith é preciso, criando o clima ideal para cada cena ou ambiente, seja no drama, romance, fantasia, comédia, terror, ele desenvolve aquelas músicas clássicas, que ao serem ouvidas em qualquer lugar, imediatamente remetem ao filme.

Se tornou um dos grandes trabalhos de sua bem sucedida carreira, pontuada por sua versatilidade ao trabalhar em diversos gêneros como ficção científica, filmes de guerra, thriller, suspense, ação, comédia, drama, sempre com virtuosidade.

Há de se enaltecer, e muito, o ponto mais alto de todo o filme: os efeitos visuais. A criação e desenvolvimento dos Gremlins pelas mãos de Chris Walas, que criou os monstros usando fantoches, bonecos mecânicos e stopmotion, somente se utilizando de efeitos práticos. E seu trabalho é um primor, impressionante e real, cada bicho com sua personalidade, com suas expressões bem realistas, desde a meiguice de Gizmo, até a maldade e deboche de Stripes. E no momento que a cidade fica infestada pelas criaturas arruaceiras, seu trabalho explode, num ótimo sentido, e graças a isso, o resultado é louvável e grandiosamente cômico.

Conta-se, que o desenvolvimento de tudo custou tão caro, a ponto de seguranças serem contratados para que ninguém roubasse os bonecos do set de filmagens.

Gremlins, a princípio estrearia no período natalino de 1984, porém, a Warner Bros. resolveu antecipar sua estréia para o verão norte americano e assim competindo com filmes como Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom) e Caça-Fantasmas (Ghostbusters), também lançados na mesma época. Seu orçamento foi de US$11 milhões de dólares, e acabou sendo um grande sucesso, arrecadando cerca de US$150 milhões, um belo êxito, figurando entre os grandes lançamentos desse ano tão furtivo para o cinema. Além dos já citados, 1984 trouxe também filmes como Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop), Karatê Kid – A Hora da Verdade (Karate Kid), A História sem Fim (The Neverending Story), A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street), Tudo por um Esmeralda (Romancing the Stone), Era uma vez na América (Once Upon a Time in America), Footloose, etc., um ano histórico pra década.

Após o sucesso dos monstros anarquistas e com risada diabólica, a carreira de Chris Columbus deslanchou. No ano seguinte, em mais duas parcerias com Spielberg na produção, escreveu os roteiro de Os Goonies (The Goonies, 1985), outro grande clássico do cinema dos anos 1980, e o Enigma da Pirâmide (The Young Sherlock Holmes, 1985), filme sobre o jovem Sherlock Holmes. A seguir iniciou uma interessante carreira como diretor, sendo responsável por filmes famosos como Uma Noite de Aventuras (Adventures in Babysitting, 1987), Esqueceram de Mim 1 e 2 (Home Alone, 1990 e Home Alone 2: Lost in New York, 1992), Uma Babá Quase Perfeita (Mrs.Doubtfire, 1993) e dando o pontapé inicial na saga Harry Potter com A Pedra Filosofal (Harry Potter and the Sorcere’s Stone, 2001) e A Câmara Secreta (Harry Potter and the Chambers of Secrets, 2002).

Joe Dante também teve uma carreira bem sucedida, dirigindo o interessante Viagem Insólita (Innerspace, 1987), Meus Vizinhos são um Terror (The ‘Burbs, 1989) com Tom Hanks e Carrie Fisher (nossa eterna Princesa Léia), e uma sequência de Gremlins (Gremlins 2: The New Batch) em 1990, obtendo muito sucesso, com um trabalho de alto nível como o primeiro. E frequentemente trabalhando com o músico Jerry Goldsmith, até Looney Tunes – De Volta a Ação (Looney Tunes: Back in Action, 2003), este que seria o último trabalho do compositor, que veio a falecer no ano seguinte. Dante continua na ativa.

E pra finalizar, nada melhor do que parafrasear a sequência derradeira do filme: Então, se o seu ar-condicionado emperrar, sua máquina de lavar explodir, ou seu videocassete travar, antes de chamar o técnico, apague as luzes, cheque os armários e guarda-roupas, olhe embaixo da cama. Pois nunca se sabe, pode haver um gremlin em sua casa.”

Sobe os créditos, a música tema ressoa…uma obra-prima! Uma pérola dos anos oitenta que marcou gerações.

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Dados Técnicos.

Título:  Gremlins – 1984
País: Estados Unidos
Duração: 1 hora e 45 minutos
Gênero: Terror/Comédia/Fantasia
Direção: Joe Dante
Roteiro: Chris Columbus
Elenco: Hoyt Axton, Zach Galligan, Phoebe Cates, Polly Holliday, Corey Feldman, Harry Carey Jr., Scott Brady, Dick Miller, Belinda Balaski, Edward Andrews, Chuck Jones, Peter Cullen, Don Steele, Frances Lee McCain, Glynn Turman, Marvin Miller, Jonathan Banks, Howie Mandel, Kenneth Tobey

Sinopse: Rand Peltzer (Hoyt Axton) é um “inventor” que, ao tentar dar um presente natalino único para seu filho, Billy Peltzer (Zach Galligan), compra em Chinatown um Mogwai, um ser aparentemente gracioso. Mas o dono, um velho chinês, não queria vendê-lo por dinheiro nenhum, pois ter um Mogwai envolve muitas responsabilidades. Entretanto, o neto do ancião o vende por duzentos dólares e diz as regras essências para ter um Mogwai: nunca colocá-lo diante de uma luz forte e muito menos na luz solar, que pode matá-lo; nunca molhá-lo e, a regra principal, nunca o alimente após a meia-noite, mesmo que ele chore ou implore. Rand ouve o aviso sem dar a devida importância e leva o Mogwai para sua casa em Kingston Falls, uma pequena cidade. Paralelamente, Billy trabalha como caixa de banco e sofre com as exigências de Ruby Deagle (Polly Holiday), uma cliente igualmente rica e antipática. Além disto tem de aturar o pedante Gerald (Judge Reinhold), que quer usar sua posição para conquistar Kate Beringer (Phoebe Cates), a namorada de Billy. Quando Billy recebe o presente fica maravilhado, mas as regras não são respeitadas. Assim, quando é molhado o Mogwai se multiplica assustadoramente e, alimentados após a meia-noite, se tornam criaturas más, que aterrorizam a cidade.