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HQ’s Entrevista | Edgar Smaniotto

Entre HQs, o futuro da Escola, a importância da leitura, e os rumos de novas diretrizes da filosofia, e uma pitada de vida extraterrestre e tecnologia interplanetária, o Professor, Pesquisador, e Filósofo Edgar Smaniotto, recebeu em sua residência localizada em Marília, interior de São Paulo, o HQ’s com Café, para uma bate papo muito profícuo, em ressaltar a importância de um pensamento cultural que se faz também unido com um ativismo intelectual, na busca de um futuro que ofereça condições de enriquecimento moral e intelectual para todos, e também que o aprender esteja pautado em um jugo de diversão e formação crítica, não estando somente atrelado aos bancos escolares e universitário.

Edgar Smaniotto também é membro do Conselho Municipal de Educação e do Conselho Municipal de Cultura do município de Marília, onde atua em defesa da educação de qualidade e da cultura brasileira.

De Zé do Caixão a Karl Marx, e da Terra á Lua no melhor estilo Júlio Verne, o nobre pensador da cultura transumanista e apreciador da pantropia, discorreu em relação ao futuro do homem como o conhecemos,  e a oportunidade que temos em unir tecnologia de ponta com intelectualidade atuante, visando a integração de povos, em busca de uma ética de convivência visando o bem comum de todos.

Sem mais delongas deixamos o leitor com a viagem intelectual que Edgar nos proporcionou:

1 – Na sua opinião, como está sendo concebida e tratada a cultura das HQs hoje no Brasil?

A produção de histórias em quadrinhos cresceu muito no Brasil, principalmente em diversidade, mesmo que o número de leitores não seja o mesmo dos anos oitenta e noventa do século XX, naquela época algumas HQs vendiam mais de cem mil cópias. Hoje os números não são mais tão expressivos, mas existe uma gama maior de títulos disponíveis, temos muitas HQs traduzidas, com certeza, o mercado mudou muito. Atualmente parte considerável das publicações em banca são mangas, os super-heróis, tanto DC quanto Marvel continuam presentes, com diversas publicações; os títulos Disney foram descontinuados pela Editora Abril, mas vão retornar agora em março pela Culturama.

Os Fumetti italianos continuam em bancas, graças ao Tex, mas também temos Zagor, J. Kendall: Aventuras de uma Criminóloga, Dylan Dog e Martin Mystery (todos pela Mythos) e agora a editora 85, que com financiamento coletivo está novamente disponibilizando no Brasil  Dampyr, Mister No e Diabolik. Os títulos da Turma da Mônica continuam fortes, e tudo indica com boas vendas. Os estúdios Maurício de Souza inovaram com Turma da Mônica jovem e com os encadernados em que vários diferentes roteiristas e artistas trabalham com os personagens da editora. Títulos como Astronauta, Piteco, Turma da Mata, Chico Bento, Capitão Feio realmente são muito bons. Espero que o Estúdio venha a investir no mesmo modelo em outros quadrinhos, que não apenas os personagens do Maurício de Souza. Também temos os financiamentos coletivos, que tem viabilizado muito a produção nacional, com uma qualidade que antes era impossível. Ainda temos fanzines e HQS divulgadas e publicadas em sites, blogs e redes sociais. Eu, por exemplo, acompanho as tirinhas do Edibar, da Silva do Lucio Oliveira pelo Facebook. Podcasts e canais do youtube estão fazendo um bom trabalho de divulgação. Temos também um quadro crescente de pesquisas acadêmicas, e inclusive a Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial (ASPAS), da qual faço parte.

2 – Como pensa a respeito da “arte” como um símbolo de humanismo ou anarquismo em relação a atual conjectura política do Brasil?

A arte incomoda, principalmente aqueles que temem a inovação, a liberdade de pensamento e de crítica. Nesse quesito devemos ser intransigentes defensores da liberdade artística, este é um tópico que sempre me pauto pelas reflexões de Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”  

3 – Informação ou conhecimento? Qual seria o melhor caminho para a formação de uma cultura pop, com características lúdicas?

Informação é bem-vinda, com certeza, mas diante do volume gigantesco de informações disponíveis atualmente via internet, o conhecimento aprofundado é cada vez mais necessário. Vejo muitas vezes pessoas desvalorizando o conhecimento escolar, mas ele é cada vez mais importante para estabelecermos uma base sólida de conhecimentos, ou podemos nos perder no volume de informações, muitas vezes falsas, presente na internet. Veja o caso de pessoas que aderem a hipóteses esdrúxulas como a Terra Plana ou que O Homem não foi a Lua; ou mesmo a ideias perigosas, tanto pessoal como socialmente, como os grupos anti-vacinas; e é lógico também temos aqueles que não entendem a teoria da evolução, por não entenderem nem o que é uma teoria. Isso não é algo novo, sempre esteve aí, apenas a internet da mais visibilidade a estes grupos, e uma plateia. Não é apenas falta de conhecimento, é até pior, é não compreender algo, e por isso acreditar em uma informação errônea, e então divulgar isso na internet como verdade.

A cultura pop é por natureza lúdica, ninguém lê X-men, Tex, Batman, apenas por interesse acadêmico, e quando fazemos isso é por que já tínhamos uma leitura lúdica anteriormente. Mas veja, não dá para ler X-Men e não identificar ali as lutas de minorias como os negros, mulheres e LGBTs; assim como não dá para ler Tex, Zagor, Mister No ou Mágico Vento e ser contrário aos direitos dos povos indígenas; ser um leitor de Batman e favorável a pena de morte. Ler as HQs ou assistir os filmes de Star Was e ser a favor de governos autocráticos, quando este tipo de incoerência ocorre, e que aquele leitor apenas absolve uma informação, um lazer momentâneo, mas não teve um pensamento crítico desenvolvido, o que é o papel central da escola em nossa sociedade. Está pessoa não adquiriu conhecimento nenhum, então ela lê V de Vingança ou O Cavaleiro das Trevas e não consegue absolver dali os perigos do fascismo, stalinismo, nazismo e autocracias em geral. Se duvidar termina a leitura de V e vai para o Facebook compartilhar “memes” a favor políticas autocráticas e censura a arte. Falta informação? Não! Falta conhecimento. E este para ocorrer deve ser socialmente e historicamente construído, crítico e em constante conversação. Por isso devemos preservar a escola de qualquer censura e a autonomia dos docentes.

 4 – O transumanismo seria uma realidade ou está somente ao mundo das ideias?

Primeiro precisamos pensar no que é o transumanismo, ou seja transcender o homem atual. O homo sapiens é o resultado de um longo processo de evolução, que durou pelo menos 5 milhões de anos, e já chegamos a compartilhar este planeta com outras espécies humanas como os hominídeos de Denisova e os neandertais (inclusive há genes destes em nossa estrutura genética). Mas nossa evolução, ao contrário do que muitas vezes o senso comum pensa (talvez resultado daquele esquema de evolução linear que começa com um primata parecido com um macaco e segue até o homo sapiens) não terminou. Continuamos a interagir com o meio ambiente a nossa volta, e algumas mudanças acabam sendo positivas, o que gera uma seleção destas, em decorrência de outras, a chamada seleção natural. Nos últimos 30 mil anos pelo menos 22 genes ligados à digestão e ao metabolismo sofreram mudanças, uma adaptação ao consumo de leite e bebidas alcoólicas. A cor da pele também é uma adaptação ao período de migrações do Sapiens, que se espalharam por todo o planeta. Também foram mapeados mudanças em genes da mastigação (introdução do cozimento) e da aprendizagem (uso da linguagem e da escrita). Ou seja, ainda estamos em evolução. O que os transumanistas defendem é que este processo lento de adaptação, não mais é compatível com as mudanças ambientais causadas em nossa sociedade industrial moderna. Assim precisaríamos dar uma mão à mãe natureza, provocando mudanças biogenéticas que nos possibilitem uma melhor adaptação ao mundo que nós mesmos criamos. Algumas destas mudanças seriam terapêuticas, como por exemplo, adaptar nossos genes a nossa alimentação e esforço físicos modernos, visto que a obesidade é em grande parte resultado de uma adaptação bem sucedida em uma época em que a comida era escassa e assim acumular gordura corporal era uma vantagem, mas hoje, com mercados na porta de casa e fast-food esta adaptação bem sucedida se tornou um incomodo prejudicial à saúde e até mortal para alguns. A cura do câncer poderia vir daí, bem como da diabetes e etc. No final de 2018 vimos o caso do cientista chinês, que conseguiu criar os primeiros bebês humanos geneticamente modificados para resistir ao HIV. Ainda não temos dados para avaliar as consequências deste experimento, mas poderia estar aí uma solução para diversas doenças. Com o tempo poderíamos adaptar nosso corpo a ambientes não-terrestres, talvez colonizar as luas de Saturno e Júpiter, ou Marte. Assim dando uma mãozinha para a mãe natureza.

 5 – Qual seria o papel da Universidade na formação de pensamento dialético hoje? Ainda há espaço para grupos criativos” segundo as palavras de Domenico de Masi?

A Universidade é indispensável para a formação, principalmente o espaço em sala de aula e os grupos de estudos, espaços de debates e discussões que não podem ser substituídos pela tecnologia. Veja como as pessoas tem cada vez mais dificuldade em conversar, trocar pontos de vista, como ocorre na política. Acostumamos a ver apenas aquilo que reproduz nossa imagem do mundo, nossos “amigos” no facebook são os que concordam com a gente, em geral as pessoas seguem um canal de YouTube ou formador de opinião que balize suas ideias. Vejo este fato uma das causas da diminuição de leitores de jornais e revistas, ninguém quer ler uma publicação em que um articulista pode contrariar suas ideias, ela quer seguir apenas alguém que aprove tudo o que ela pensa. É como se a pessoa quisesse escutar apenas ela mesma, ou um reflexo dela. O espaço para criação e inovação nunca esteve disponível, ele é uma luta constante dos democratas, precisamos sempre buscar, principalmente na universidade, construir ambientes criativos e inovadores. Nós professores sabemos o quanto a própria sala de aula pode se tornar um grupo criativo. Ivan Illich no seu clássico “Sociedade sem Escolas” procurava justamente defender a ideia de grupos criativos como lugares de formação, em substituição a escola. Eu aposto em tornarmos a escolas lugares de criatividade e inovação.

 6 – O humano na atualidade está sem humanismo? Como está sua opinião em relação a ética na atualidade?

Existe uma crise do humanismo, o que vem sendo apontado por diversos pensadores. Mas veja, se pegarmos a história humana como um todo, a guerra, o patriarcalismo, a violência como modo de resolver conflitos, a autocracia como governo sempre foram predominantes. O humanismo, assim como a democracia, é uma utopia em permanente construção, não existe um fim, mas uma luta eterna por uma visão de mundo humanista. Devemos sempre valorizar nossa capacidade de criação e nosso livre-arbítrio. A série Jornada nas Estrelas prima pelo seu humanismo e cosmismo, duas correntes filosóficas que valorizam o papel do homem no universo. É o tipo de utopia que devemos ter em mente.

 7 – Qual será o futuro das HQs em sua opinião?

Na minha opinião, pelo menos no Brasil, tendem a perder seu status de cultura de massa, como o cinema, e a se restringir a um público menor e seleto, uma arte erudita, como o teatro. Já um de seus gêneros principais, o de super-herói encontrou um caminho de sobrevivência popular no audiovisual (cinema e séries). Pelo menos é assim no Brasil, na Europa e nos EUA, mas não no Japão onde o mangá realmente se tornou uma arte de massas. Como era os Comics nos EUA dos anos 30, 40, 50 do século XX. Lá tem mangás para todos os grupos e faixa etárias. No Brasil, cada vez mais é uma arte restrita a um grupo menor, exceção para a Turma da Mônica. Isso não representará de todo um fim deste tipo de arte, apenas uma mudança já em curso, para encadernados e edições cada vez mais luxuosas, para um público que pode investir nestas coleções. Leitores, presumo, que sempre teremos, só que restrito a um público menor, como é o caso do teatro e da literatura aqui no Brasil; o que não dá mais é pensar em quadrinhos como uma expressão cultural capaz de rivalizar com a música, séries de TV, cinema, games na mesma proporção de público. Muita gente que vai em eventos relacionados a HQs é mobilizada mais pelo cinema e séries de super-heróis do que pelas próprias HQs.

8 – A filosofia sendo disseminada no meio da cultura pop perderia a sua evolução crítica e metodológica? Como o senhor enxerga esse ponto?

 Não penso assim, considero o contrário, que a filosofia, praticada apenas na academia como ocorre atualmente no ocidente, muitas vezes como comentário de textos filosóficos e história da filosofia tem é afastado os filósofos do debate público, muitos filósofos buscam transformar a filosofia em uma ciência. Mas ela é outro campo de conhecimento, um conhecimento próprio, e deve ser assim. Ou vai ficar restrita a lógica e filosofia analítica.  Nos últimos tempos ganhou força a ideia de uma filosofia aplicada: com cafés filosóficos, orientação ética, aconselhamentos pessoais sobre temas diversos como morte ou a busca de um objetivo existencial. Eu mesmo estou desenvolvendo um projeto intitulado Academia de Filosofia Futura (já tem uma página no Facebook), nosso objetivo é alinharmos justamente discussões sobre futurismo, filosofia e inovação social e tecnológica. Atualmente venho me dedicando a questões de ética, envolvendo transumanismo, bioética, possível descoberta de vida extraterrestre ou contato com inteligências extraterrestres, nosso direito de interferir em outros mundos; mas também temas como a morte e a busca pela felicidade. Nosso objetivo é justamente trabalhar com Cafés Filosóficos, orientação e aconselhamentos filosóficos

9 – O cinema está (ou já está?) em uma face de engrandecimento dos heróis ou há um engrandecimento de imortalidade do homo-sapiens, com produções como o da Marvel e a DC? Como enxerga essa explosão de heroísmo no cinema?

Considero a explosão dos heróis no cinema o encontro entre a possibilidade técnica e um desejo de utopia que permeia a sociedade moderna. O herói é o salvador, que pode fazer o que nós humanos comuns não podemos. Em uma sociedade massificada, identificamos no herói nosso desejo de fazer algo mais, de nos destacarmos entre os outros. Mas também é uma boa diversão, e em um mundo comandado pela lógica do trabalho permanente, o escapismo do mundo dos heróis é bem-vindo. O homem sempre almejou alcançar uma condição superior, na mitologia antiga temos os heróis e semideuses, atualmente os super-heróis. São arquétipos de nossas fantasias do “super-homem” que desejamos alcançar. Agora, entretanto, com as novas biotecnologias, estamos entrando em uma época em que será possível alcançarmos uma condição transumana. Isto será bom ou não? Devemos investir nesta direção? São problemas éticos que devemos discutir desde agora, ou podemos ser atropelados pelos fatos. Veja: nos anos trinta do século XX, revistas de ficção científica publicavam histórias com guerras onde se utilizavam armas como bombas atômicas e ataques aéreos. Era só ficção! Certo? Sim. Mas logo se tornou uma realidade, e não estevávamos preparados para as questões éticas ali colocadas. A ficção científica é uma espécie de sociologia do futuro, de onde podemos ter um deslumbre de problemas sociais e éticos que enfrentaremos, e já nos prepararmos para tal, através de uma reflexão profunda e discussões. Eu particularmente penso que a utilização da biotecnologia para modificar nossos corpos, o transumanismo (ou pantropia, adequando o corpo humano a ambientes extraterrestres) associado a projetos de terraformação (adequar planetas como Marte para condições semelhantes a terrestre) será indispensável a nossa sobrevivência como espécie. Mas devemos nos assegurarmos, para não criarmos uma superespécie humana biologicamente distinta, em que estes venham a viver mais e melhor que os outros humanos “normais” e assim termos um regime de castas biológicas. Seria um terror eugenista.

10 – E o cinema europeu, como fica nessa era de super-produções?

Eu raramente, tanto em quadrinhos, como séries ou cinema me preocupo com a origem do produto, busco histórias bem contadas e artisticamente satisfatórias. Pode ser o cinema brasileiro, do qual gosto muito, apesar de muitos diretores para consolidar o público estejam cada vez mais seguindo a estética dos programas da Globo e dos blockbusters americanos. Não acho isso ruim, desde que obras com estéticas diversas também sejam produzidas. O cinema brasileiro hoje investe muito em comédia, infantil e conteúdos históricos, porque aí encontram um nicho em que podem concorrer com os americanos. Com o filme do “O Doutrinador” de Gustavo Bonafé de 2018 e “Turma da Mônica – Laços” de Daniel Rezende a estrear agora em 2019 uma aproximação entre cinema nacional e quadrinhos nacionais, duas artes tão desvalorizadas por aqui podem vir a desenvolver uma parceria interessante. Já pensou em ver “O Astronauta” no cinema, um filme de ficção científica brasileiro com orçamento digno? Vamos ver! Sobre cinema europeu, gosto de Sergei Eisenstein (O Encouraçado Potemkin); Ingmar Bergman (Morangos Silvestres); Federico Fellini (A Doce Vida); Giuseppe Tornatore (Cinema Paradiso); Krzysztof Kieslowski (Trilogia das Cores); Claude Chabrol (Madame Bovary), entre outros. Mas é lógico, assim como o cinema brasileiro, tem uma estética diferente da norte-americana; por isso a importância de uma educação estética nas escolas. Não tem problema em assistir um “Vingadores”, mas deve-se também ser capaz de apreciar estéticas diversas. Também acho que as prefeituras deveriam investir mais em clubes de cinema. Penso haver espaços para todos, mas uns sobrevivem empresarialmente, e outros precisam de apoio cultural de governos e leis de incentivo.

11 – Quais seus diretores, filmes e gêneros favoritos?

Gosto muito de ficção científica e terror, e neste quesito aprecio tanto clássicos como 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick como filmes trash. O terror sempre foi um dos meus gêneros favoritos, eu lia muito as revistas Calafrio e os Mestres do Terror,  dos estúdios D-Arte criadas pelo estúdio por Rodolfo Zalla e Eugênio Colonnese, e assistia uma série chamada “Contos da Cripta”, derivado da HQ homônima que eu também gostava muito. Quando eu era adolescente tinha também o Cine Trash na Bandeirantes, o que era muito legal, e aí conheci a obra do que considero a mais genial diretor brasileiro José Mojica Marins (Zé do Caixão). Ele não apenas criou um universo ficcional como se tornou o principal personagem deste. Meu querido amigo Edgar Franco vem fazendo algo similar no seu universo de quadrinhos “Aurora Pós-humana”. Em ficção científica assisto quase tudo, e aí coloco também os super-heróis; sou apreciador de um gênero quase extinto, o faroeste, no qual se destaca o finado, mas sempre eterno Spaghetti western italiano. Assisto praticamente todo o tipo de filme, se a história me interessar, de super-heróis a dramas políticos e sociais; e por vezes, como sou casado, a comédias românticas (risos).

12 – A cultura critica pode estar passando por um processo de empobrecimento intelectual e moral?

No mundo temos uma emergência de movimentos conservadores e de orientação mais autocráticos, o que coloca um certo desafio, a mantermos uma cultura de inovadores democratas, onde me enquadro. Penso que devemos sempre lutar pela valorização da cultura, da ciência, da filosofia, da democracia, do respeito aos direitos humanos; e fomentarmos uma cultura de inovação social, para além do discurso dominante, que inovação, é apenas fabricar um celular mais “moderninho”. Precisamos de novas formas de inovação social e política, que deem conta da complexidade de nosso tempo. Para além, inclusive, dos discursos prontos de grupos e partidos políticos. Apenas assim vamos garantir espaços para o enriquecimento intelectual e a discussão ética, e não a imposição da moral de um grupo sobre outros grupos.

13 – Escola: caminho ou descaminho. Qual seria um tipo de educação, que provoca o conhecimento filosófico mas ao mesmo tempo crie uma práxis de cidadania concisa?

No caso do conhecimento filosófico penso ser indispensável o acesso aos textos clássicos. Assim como em literatura precisamos ler Machado de Assis, e não apenas comentários a sua obra, em filosofia alunos do ensino médio já deveriam ter contato com uma seletiva de textos de Platão, Aristóteles, Descartes, Richard Rorty, entre tantos outros. Já metodologicamente, os professores devem dar preferência a metodologias ativas (principalmente Aprendizagem Baseada em Problemas) e o diálogo. Por exemplo, se vamos discutir aborto, como um problema social e político da atualidade, o interessante é os alunos lerem o texto de um filósofo conservador, o de um liberal e de um marxista sobre o tema; e aí terem elementos para discutir estás, diferentes visões filosóficas sobre um mesmo problema. O professor/filósofo na melhor tradição socrática vai guiando os alunos através de questionamentos, do elenkhós, o método da refutação. Que não pretende chegar a uma resposta previamente posta pelo professor (como a maiêutica platônica), mas sim valoriza o diálogo e a busca por resposta pelo próprio aluno/aprendiz de filósofo.

14 – E a leitura? Como o senhor analisa a produção editorial no Brasil, e a produção de livros com rigor científico e lúdico?     

A leitura é indispensável para a formação, e no caso do Brasil isto é muito sério, pois temos um dos menores índices de leitura do mundo. Agora o mais trágico é que professores também leem muito pouco no Brasil, e são eles que devem incentivar a leitura. Assim precisamos urgentemente de políticas públicas de incentivo à leitura. As editoras brasileiras, por exemplo, deveriam lançar mais livros em formato de bolso, e com papel jornal, a preços acessíveis para estudantes e a população mais pobre. Considero a produção editorial brasileira atingiu um ótimo nível em algumas áreas, como livros didáticos, científicos e técnicos; mas ainda deixa a desejar em outras, como no investimento em ficção científica e autores brasileiros de literatura em geral. A literatura infantil é uma área onde o lúdico e a qualidade literária realmente surpreende, aqui, atingimos um nível de produção realmente único.

15 – Edgar Smaniotto. Como definiria essa pessoa?

Pai, marido, professor e um pesquisador multidisciplinar e polímata.

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Entrevista realizada por Clayton Alexandre Zocarato.