O entrevistado de hoje fala sobre “a maldição do politicamente correto”, o que mudou nesses seus mais de 20 anos de serviços aos quadrinhos nacionais, discorre sobre o que pode ser feito para mudar nosso cenário e, ainda, fala um pouco sobre sua carreira.
Vem cá ler, tá bacana demais!!!
1 – Em 1991 você publicou “A Ameaça Amarela”, muita coisa mudou de lá para cá. Qual o maior avanço sentido nos quadrinhos nacionais nesses mais de 20 anos? Teve algum tipo de retrocesso?
Antes de mais nada, agradeço o convite para a entrevista!
Nossa, muita coisa mudou mesmo, de 1991 pra cá. Até o Laerte trocou de gênero! Antes disso, em 1994, a Internet surgiu, e aportou no Brasil no ano seguinte. A tecnologia digital mudou a cara do mundo. Os quadrinhos nacionais conheceram altos e baixos. A editora Trama apareceu com a proposta de publicar super-heróis: tivemos o Capitão Ninja, o UFO Team, Godless, para dar alguns exemplos. A Circo Editorial, que vinha dos anos 1980, se manteve por um tempo e infelizmente fechou as portas. Num apanhado bem geral, editoras abriram e fecharam, quadrinhos surgiram e desapareceram. Alguns se mantiveram. A tecnologia digital, porém, foi a grande reviravolta no roteiro: ela permitiu que muitos autores independentes pudessem mostrar seu trabalho sem precisar estar em bancas ou livrarias.
Agora, para mim, o maior de todos os retrocessos é o maldito “politicamente correto”. Não pode fazer piada disso, não pode falar sobre aquele assunto senão “ofende”, vamos dar espaço pra determinada minoria pra mostrar como somos legais. O mais triste é que essa praga não passa de uma censura autoimposta pelos próprios artistas. Não existe lei nenhuma proibindo que se faça piadas sobre determinados assuntos. Essa tendência só serve para agradar uma minoria chata e barulhenta, que nem consome histórias em quadrinhos. Já ouvi o desabafo de um roteirista veterano da MSP dizendo “Isso enche o saco! Não posso nem usar a palavra azar! Tem que dizer pouca sorte”. Nesse ponto, fico com o pensamento de Michael Crichton: “Você altera o nome de algo, mas a condição se mantém. Quem quer ser politicamente correto não quer mudar nada.”
2 – O que falta para o Brasil ser uma potência nos quadrinhos nacionais? Consumidores nós temos, vide vários eventos “nerds” espalhados pelo Brasil. Aproveitando, como você enxerga o mercado editorial nacional?
Pergunta delicada. Antes de tudo, o Ensino no país tem que dar uma guinada de 180 graus. Não é possível ter artistas, desenhistas, escritores, com esse modelo educacional falido do socioconstrutivismo. Como é que uma pessoa que escreve errado, sem pontuação nem ortografia, vai ter condições de escrever uma história interessante? Educação e Cultura são as chaves para o país desenvolver-se em todos os sentidos.
O Brasil já teve compositores do naipe de Villa-Lobos e Carlos Gomes. Veja como era o rock da década de 1980. Dá pra comparar com hoje, com Anitta e Pablo Vittar? Em termos de quadrinhos, você vê exemplos esparsos de gente que faz um trabalho bacana, artisticamente falando. Agora, quanto a roteiro, a coisa complica. Isso sempre foi nosso Calcanhar de Aquiles. Sei que tem gente que vai ficar brava com isso, mas não dá pra tapar o sol com a peneira. Para ser potência nos quadrinhos, primeiro precisamos arrumar a casa e nos livrarmos de todas as más influências que vêm sendo introduzidas aqui desde os anos 1960. Mas isso é assunto pra outra entrevista.
Com relação ao mercado editorial nacional, o Ibope e o instituto pró-Livro realizaram uma pesquisa que diz que há, no Brasil, 18,3 milhões de leitores de quadrinhos (Pesquisa: Crianças e jovens não estão trocando quadrinhos por tecnologia)! Onde está esse público? Na certa não está lendo só mangá e super-heróis. Nem só Disney e Maurício de Sousa. Essa gente quer material mais diverso, e não tem acesso por conta da distribuição precária do país. Isso é tão grave que a Panini decidiu abandonar as distribuidoras nacionais e ela mesma fazer esse trabalho. Pra driblar essa dificuldade, pode-se comprar pela internet. É o caso da Amazon.
Há editoras que investem em material diferenciado, como a Nemo, a Sesi-SP e a Avec, por exemplo, que publicam europeus e nacionais. Gosto muito dessa iniciativa de sair do arroz-com-feijão. Até o final dos anos 1980, a molecada na faixa dos 17 a 21 anos conhecia Moebius, Liberatore, Serpieiri, Hergé, Eisner e vários outros. Hoje em dia, gente nessa faixa etária acha que nada existia antes do Jack Kirby. Precisamos “desbitolar” o público.
Outra saída são as HQs em formato digital, que as pessoas baixam de graça. A maioria que faz isso acaba comprando o material impresso, inclusive eu.
3 – Bem, sabemos que teve uma época que você fazia mangá erótico-humorístico. Como surgiu essa oportunidade?
Ah, essa história é interessante. Eu estava preparando material pro meu portfólio e copiei, só de brincadeira, uma página de um mangá erótico, mudando apenas a fala do balão final. Pois justamente essa página foi vista por um editor, que enviou pra uma moça. Ela estava abrindo a editora dela, a Vertical, e só por causa daqueles desenhos, me contratou para produzir material! Detalhe: tive que aprender a fazer mangá na raça, pois até então eu nunca havia saído do meu estilo. Fui atrás de referências e peguei um estilo de uma série pouco conhecida aqui: Karavan Kidd, de Johji Manabe (quase meu xará)!
4 – Você sofreu algum preconceito ou brincadeiras de mau gosto por fazer esse trabalho?
Que nada! Às vezes eu encontro gente que lia esse mangá e vem me perguntar sobre ele. Depois de tantos anos!!!
5 – “Rastreadores da Taça Perdida” e “O Extracurricular Cucaracha” foram suas últimas publicações? Fale um pouco sobre elas…
Sim, são as mais recentes. No momento estou produzindo um novo álbum, de uma outra personagem (falo sobre ela daqui a pouco). Rastreadores da Taça Perdida conta a história de dois primos, aventureiros e caçadores de recompensas, contratados para descobrir o paradeiro da Taça Jules Rimet, que o Brasil ganhou na copa de 1970. Esse troféu foi roubado em 1983 e supostamente derretido. Na aventura, alguém descobre que a taça está, na verdade, escondida em algum canto do Brasil, e os dois primos vão atrás dela. A história tem bastante ação, cenas de perigo e humor, uma pegada europeia, tanto na narrativa quanto no traço. Li uma crítica na Internet comparando com One Piece. Achei um tremendo elogio!
Em Extracurricular Cucaracha, faço uma sátira ao gênero super-herói, quando um adolescente ganha poderes de barata e resolve tirar proveito disso. “Com grandes poderes, vem grande rentabilidade”. Essa HQ também tem ação misturada com humor, e eu aproveito para bagunçar os clichês super-heroicos, especialmente o do “coitadinho perseguido e injustiçado”. Não vou contar mais pra não estragar a surpresa.
Sobre o material que estou produzindo, chama-se A Cintada Ardente de Bila, a Pirulona. São seis aventuras de fantasia estreladas por uma guerreira que, apesar de não usar espada nem machado, sabe lutar muito bem com a fivela de seu cinto. Ela vem da aldeia das Pirulonas, mulheres de dois metros de altura e boas de briga. Bila é a mais baixinha, tem só um e oitenta e sete. Costumo dizer que Bila seria o Groo, se ele fosse uma mulher bonita, loira e inteligente.
6 – Quais são suas expectativas para o futuro?
Pretendo fazer com que a Editora Bila cresça de forma consistente. Para isso, estou apostando no marketing digital.
7 – Giorgio. Jogo rápido.
Personagem preferido? – Vários! Spirou e Fantásio; Asterix e Obelix; Lucky Luke; Spirit.
Filme preferido? – Duro de Matar.
Melhor história em quadrinho que você leu? – Atualmente, O Mensageiro Verde Cinza.
Um autor de quadrinhos? – Will Eisner/Renée Goscinny.
Melhor personagem brasileiro? – Hans Ribbentropp.
8 – Para finalizar. O que Giorgio Cappelli gosta de fazer quando não está desenhando?
Tenho hábitos bem simples: gosto de ler quadrinhos e livros, ir ao cinema ou a alguma exposição com minha esposa, passear com meu filho de quatro patas ou assistir a um DVD. Gosto de me manter atento ao que acontece no mundo, porque nunca se sabe de onde vai surgir a próxima ideia para um projeto.
9 – Deixe os contatos onde os leitores poderão adquirir suas histórias e falar com você.
Opa! No site www.criesuashqs.com os leitores vão encontrar não só as minhas histórias, como as de um pessoal muito talentoso: Júlio Magah, Lucas Libanio e Márcio Meyer. Tem também as Tiras do Cucaracha e as Tiradas do Bruno; estas, faço em parceria com a Mirella Rossini. Lá também tem um blog em que eu dou dicas para produzir quadrinhos.
Giorgio, o HQ’s com Café agradece o tempo concedido. Desejamos sucesso nessa sua caminhada, e se você quiser falar alguma coisa, essa é sua hora.
Eu é que agradeço pelo espaço concedido! Quem conseguiu aguentar me ler até aqui, os meus parabéns! A informação nunca foi tão acessível como hoje em dia, então, leitores, LEIAM. Leiam de tudo, desde bula de remédio até Olavo de Carvalho! Quadrinho, então, nem se fala. Não se restrinjam a um único estilo. Se você gosta de mangá, experimente Tintim. Se você curte Marvel e DC, dê uma chance a Asterix. Se você é apaixonado por HQs da Disney, arrisque um quadrinho indie. E quem quiser me conhecer pessoalmente, dia 16/09 estarei na HQ Fest de Indaiatuba! Grande abraço a todos!
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