Música e quadrinhos se misturam na história de Henry Jaepelt. O autor que conta com um traço inconfundível, publicou em seus 30 anos de carreira, trabalhos no Brasil e no exterior.
Venha saber tudo sobre o inimitável Jaepelt.
1 – Antes de tudo. Quem é Henry Jaepelt?
Teoricamente, esse sou eu. Catarinense de Timbó, nasci aos 12 de fevereiro de 1966. Leitor inveterado, apreciador de Rock, Metal e Blues. Mais ou menos isso aí.
2 – Como começou sua paixão pelos desenhos? E quais foram suas referências?
“Quanto mais você lê, tanto mais descobre o pouco que sabe” – Henry Jaepelt.
Começar a desenhar, a gente começa sem muita referência. Vai desenhando. Com o passar do tempo, ao entrar em contato com livros ilustrados, desenhos animados , gibis e demais possibilidades gráficas, você vai ampliando seus horizontes e vendo o que mais te agrada. E foi mais ou menos isso que aconteceu. Eu sempre recebia muitos gibis de um tio-avô que era ávido leitor – e a partir daí, comecei a procurar os títulos que mais gostava na banca da cidade.
As referências mais duradouras foram chegando à medida que conhecia mais quadrinhos europeus. Dos tradicionais norte-americanos, acho que Joe Kubert – e do outro lado do atlântico, boa parte dos artistas de TEX, como G. Ticci e Giolitti, passando por Estebán Maroto, até chegar em Moebius/Gir e demais “humanoides”. Quanto mais você lê, tanto mais descobre o pouco que sabe… e então, sempre é interessante conhecer novos visuais e novas formas de tratar papel e tinta. Não tem como parar – e o diálogo artista-mundo/mundo-artista acontece o tempo todo.
3 – Você publicou diversos fanzines no Brasil e no exterior. Onde você recebeu maior reconhecimento artístico?
Colaboro com zines brasileiros desde princípios de 1987… e no exterior, desde 1989. Tive oportunidade de conhecer o trabalho e o “modo de trabalhar” de inúmeros editores. E tudo vira exemplo, tanto do que DEVEMOS fazer… ou do que NUNCA deveríamos fazer. E é legal ter toda essa bagagem, você se obriga a assimilar todos esses detalhes e cresce no processo. Mas, algo que eu aprendi com editores estrangeiros é a questão do respeito ao artista – eles te tratam de outra forma. Não alteram teu trabalho, não mexem em tons, requadros, não cortam áreas, mandam exemplares dos zines onde você participa e exemplares sem participação, trocam ideias, percebem o que você faz e tal. Aqui, no entanto, a coisa não é bem assim. Não é difícil você se deparar com “esquecimentos” ou “liberdades” no mínimo esquisitas ou discutíveis. Mas, a maioria te trata “OK”, e quando você tem a sorte de converter esses editores em amigos pessoais de décadas, com certeza é porque há reconhecimento e respeito. Colocando na balança, as coisas se equivalem… embora alguns casos destoem do panorama, né?
4 – Seu “traço não é comum”. Diríamos até que existe um universo Jaepelt, o que é incrível, pois você não “cedeu ao padrão comercial”. Mas o quanto isso lhe ajudou e o quanto atrapalhou na sua carreira? E qual a classificação de seu traço? Seria um psicodélico underground?
Sim, desde que comecei a me inteirar do que rolava no meio da HQ alternativa, lá pela metade dos anos 80, eu optei por me distanciar do “padrão” e acrescentar ideias e detalhes pessoais ao meu trabalho. Claro que isso é um processo demorado e não tão simples assim – há anos-luz de diferença entre o que eu sabia naquela época e o que eu aprendi desde então. Mas, numa época em que 80% do que se fazia em termos de zines de quadrinhos estava ligado a super-heróis de uma forma ou de outra, partir para outra direção foi complicado – e fixou em mim um para-raios. Como conheci muitos editores que compartilhavam ideias no que se refere a “o que seria a HQB ?”, os espaços foram surgindo e como falei mais acima, a partir de 87 comecei a publicar esse material. Então, ficção científica, terror e similares começaram a aparecer mais. Acrescentei algo da crônica e um pouco de filosofia aos textos e fui vendo no que dava. Também colaborei com outros autores, fiz centenas de parcerias ilustrando textos de terceiros, terceiros ilustrando meus textos, trocas de lápis e arte-final com outros artistas… afinal, os fanzines eram um laboratório gigantesco e em contínua expansão, então, era entrar de cabeça e explorar as possibilidades. Decepções à parte, foi um período muito criativo e produtivo, além de um aprendizado muito enriquecedor.
Acredito que desse mix de ideias e conceitos surgiu isso que você chamou de “universo Jaepelt”. E por isso que o traço é reconhecível e ligado ao meu nome… acabo até sendo influência para uns e outros por aí (mesmo que não o digam ou não o admitam), uma vez que priorizei a personalidade nos trabalhos, deixando modismos de lado, insistindo em algo “nada comercial”.
Não sei dizer se ajudou ou atrapalhou… se tivesse atrapalhado, eu não teria conseguido essa certa popularidade ou reconhecimento, nem estaria aqui respondendo esta entrevista, certo? Eu faço o que gosto – se não curto, nem me preocupo em começar. Não é uma obrigação comercial, nem nada do tipo. É prazer.
“Psicodélico underground”? Não sei se é mesmo isso. Há mais ingredientes na mistura… é o estilo do Henry Jaepelt, fica mais fácil (risos). Gosto de música psicodélica, e curto muitos quadrinhos underground… mas, também introduzi elementos poéticos, da crônica, toques de filosofia, tentei motivar o pensamento, senso crítico, um protestozinho aqui e ali, para sermos politizados e não politiqueiros… ou mesmo quando adaptava para HQ músicas de Heavy Metal para a Rock Brigade nos idos de 91. De qualquer forma, é algo que deu muito trabalho e necessitou de muita e muita prática.
5 – Qual foi o trabalho que você mais gostou?
Diversos. Eu tenho uma estante com meus originais e outras coisas aqui relacionadas a ideias para trabalhos antigos ou novos… penso que um próximo trabalho deve ser sempre melhor em algum aspecto do que aquele que o precedeu. Você deve aprender algum truque, alguma mancha nova, uma maneira de resolver algum detalhe de outra forma.
6 – Atualmente as informações são compartilhadas instantaneamente. Coisa que na década de 80 não ocorria. Mas parece que o movimento de fanzines deu uma diminuída. O mundo virtual não deveria ter ajudado no crescimento desse mercado?
“O excesso de informações hoje em dia favorece a “preguiça”, o comodismo e tal.” – Henry Jaepelt.
Se você for numa rede social, como Facebook ou Instagram e digitar “Zinefest”, “Zine fest” ou “zine fair” você verá que há uma grande quantidade de festivais de zines acontecendo no mundo afora. Lotados. Você verá fotos de meninas usando trajes tipicamente muçulmanos sentadas numa mesa divulgando seus zines em Kuala Lumpur, por exemplo. Diminui para aqueles que não os enxergam como a ferramenta didática (sim, zines nas escolas para estimular criatividade, aumento de autoestima, favorece aprendizagem, aproxima alunos, ajuda no desenvolvimento da escrita e incentiva leitura… e outras coisas que educadores espertos podem sacar) ou como laboratório, para experimentar fórmulas diferentes, expandir horizontes.
Existe toda uma rede por aí… mas, tem que ter interesse em procurar… afinal, os meios eletrônicos, quando usados com objetividade, favorecem contatos e aumentam tua exposição. É uma questão de ser curioso e persistente…
Comparar com outras épocas é algo que depende do contexto. O excesso de informações hoje em dia favorece a “preguiça”, o comodismo e tal. Nos anos 80 ou você se mexia indo atrás de informações por escrito, ou nada acontecia. Então, se você realmente quiser, tem que ir atrás da informação e fazer algo a respeito – isso não mudou.
7 – Henry. Atualmente você trabalha com o que? Existe algum projeto para o futuro?
Faço minhas ilustrações. Troco ilustrações pelo correio com artistas de outros países. Troco zines. E estou explorando uma outra faceta, que é a de roteirista. Estou aperfeiçoando os escritos e trabalhando a visualização do que escrevo. Veja bem, são anos e anos de ideias anotadas sendo transformadas em algo mais palpável para alguns amigos ilustrarem. Um deles já virou HQ e deve sair numa coletânea lá no nordeste ainda esse ano, ilustrada por uma grande amiga que tem um traço fantabuloso!
Os projetos vão surgindo na medida que forem surgindo. Sempre tem algo sendo imaginado e trabalhado em anotações mentais.
Além disso, estamos organizando a segunda edição do Catarina Comix Festival que acontece aqui na cidade em Agosto – evento ligado a quadrinhos, zines, desenho, cosplay e demais atividades artísticas no contexto. E planejando um outro evento que ainda está bem embrionário, mas, talvez se concretize ainda este ano (vamos ver).
8 – Qual dica você pode deixar para quem está começando?
Ter amor próprio, ser teimoso pra cacete… e praticar, mas, praticar até chegar a algum lugar fora do “padrão”. Enquanto se parecer com alguma coisa que já existe, não estará bom o suficiente…
9 – Tem algum contato que queira deixar?
Estou nas redes sociais. Querendo entrar em contato, basta me procurar.
Henry, o HQ’s com Café não tem palavras para agradecer pela oportunidade, desejamos que você obtenha todo sucesso do mundo. Se você quiser deixar algum recado, essa é sua hora.
Agradeço a oportunidade e o espaço cedido – sempre à disposição
Leia outras entrevistas.