Hoje é dia de falar com mais um artista independente desse nosso Brasil.
Altemar se descreve como uma pessoa curiosa e sonhadora. Ele concilia sua vida entre os desenhos e a sala de aula, entre suas obras e heróis favoritos estão: Watchmen, Cavaleiro das Trevas 1, Parábola, Superman, Warlock e Mulher-Maravilha.
Venha saber tudo sobre o criador da Jaguara.
1 – Altemar Domingos, como começou sua paixão pelos quadrinhos?
Comecei a ler HQs quando tinha de 6 pra 7 anos, com Turma da Mônica, Disney, e quando fiz 8 anos comecei a ler o Homem-Aranha, desenhado pelo Ross Andru na RGE, depois continuei lendo quando a Marvel e DC foram pra Abril. Descobri muitos heróis e heroínas em Superaventuras Marvel e Heróis da TV. Ali eu descobri o Surfista Prateado que junto do Superman, Warlock e Mulher-Maravilha são meus heróis favoritos. Adorava as histórias do Frank Miller do Demolidor e o Conan desenhado pelo John Buscema e escrito pelo Roy Thomas. Uma das HQs que mais me marcaram foram Watchmen, Cavaleiro das Trevas 1 e Parábola, escrita por Stan Lee e ilustrada por Moebius. Ali descobri o traço elegante, orgânico, e o desenho de perspectiva do Moebius.
2 – Fale como surgiu a ideia de criação da Jaguara e da Jaguara Mirim.
A Jaguara surgiu em 1995. Eu queria fazer uma homenagem as mulheres com uma personagem forte e guerreira. A criação seguiu uma linha até óbvia, pensei numa guerreira indígena e meus primeiros esboços são até engraçados hoje, ela usava uma calça verde de ginástica e seu nome era Haloa. Depois percebi que essa palavra era um cumprimento havaino. Mas os longos cabelos com as pontas brancas já foram desenhadas nessas primeiras versões e resolvi manter. Mas eu percebi que precisava procurar ajuda sobre a língua que eu queria usar nas histórias, inclusive no seu nome. Quando lancei a HQ em 2005, uma aluna minha de 9 anos perguntou se poderia comprar a HQ e eu disse que não podia, pois tinha algumas cenas violentas desenhadas. Mas foi ali que percebi que deveria fazer uma versão infantil da personagem. E assim surgiu a Jaguara Mirim.3 – Aproveite para contar um pouquinho sobre sua origem e poderes.
A Jaguara é uma índia guerreira e líder da tribo dos Krenakores, uma tribo de índios gigantes, por isso ela possui por volta de 1,95 de altura. Ela também é a grande protetora do Jaguaretama, um vale cheio de tribos ferozes, predadores vorazes e criaturas sobrenaturais, situado no imenso Amazonas.
Ela é detentora da milenar Lança de Tupã, uma arma forjada e entregue à ela pelo próprio semideus, para que ela possa lutar contra criaturas e seres demoníacos que possam ameaçar a paz e equilíbrio do Jaguaretama.
Graças a um encantamento do Deus Nhanderubussu e uma peculiaridade da região, a terra do Jaguaretama fica praticamente invisível ao homem branco através de suas máquinas.
Jaguara é muito forte, ágil, rápida, tem sentidos super aguçados, habilidades de escalar e se movimentar pelas grandes árvores, não sente medo e tem fôlego e capacidade de nadar extraordinários, é estrategista de guerra e tem uma ligação muito íntima com a natureza da região. É estudiosa e conhecedora de outras culturas, comportamento este que a diferencia em muito dos grandes soberanos e chefes de tribos do Jaguaretama.
Possui um muiraquitã que é capaz de controlar alguns felinos e sua arma mais poderosa é a Lança de Tupã, que pode se transformar em qualquer arma que ela desejar. Atira rajadas, raios ou dardos com o poder do relâmpago e ela pode controlar esta arma com o pensamento.
A milenar Lança de Tupã é uma arma que foi forjada pelo semideus Tupã, senhor das tempestades e do poder do relâmpago.
A arma foi entregue à Jaguara por ela ser a única que pode empunhá-la e controlá-la, apesar de não ser muito fácil e exigir muito empenho da soberana.
A Lança de Tupã possui uma gema azulada que é da própria carne imortal de Tupã e, dentre outros tipos de armas, além de uma lança, ela se transforma ao comando e necessidade da Jaguara, em um arco duplo de combate à distância, capaz de atirar flechas com o poder do relâmpago.
Mas, quando Jaguara precisa usar o poder da Lança, a arma precisa de um tempo para se recarregar e pode causar um distúrbio no clima local, criando tempestades inesperadas.
Mas a Jaguara ainda está aprendendo a controlar esta arma e vez ou outra, a própria fica espantada com o que a Lança é capaz de fazer.
4 – Deu muito trabalho para inserir uma língua indígena na história?
Essa necessidade surgiu logo no início quando eu decidi usar uma língua indígena real.
Descobri então que na USP tinha um curso de Tupi Antigo e fui lá, na esperança de convencer algum aluno a me ajudar no projeto. Acabei conhecendo o Prof. Eduardo Navarro, ele mesmo se interessou em me ajudar e nos tornamos amigos depois disso. Inclusive o nome Jaguara foi sugestão dele.
As histórias da Jaguara são de aventura, misticismo e sobrenatural baseado em nossa cultura indígena. Os diálogos de todos os personagens indígenas são adaptados para o Tupi Antigo, língua que foi oficial do Brasil até meados do século XVII.
No final de cada livro, tem um vocabulário com a tradução de todas as palavras e expressões mantidas em Tupi Antigo para o português, além de um glossário ecológico com uma lista de todos os animais que são ilustrados no decorrer da história.
O grande diferencial do Universo da Jaguara, é que além de personagens e criaturas da cultura indígena, como o Jurupari, são introduzidos personagens de nosso riquíssimo Folclore, em versões mais demoníacas, mas preservando sua essência mítica.
Muitas dessas versões foram frutos de extensas pesquisas sobre o trabalho do pesquisador Luís da Câmara Cascudo.
O livro da Jaguara no ano de seu lançamento, teve um editorial de página inteira escrita pelo conhecido e saudoso editor da Bonelli Comics, o italiano Sérgio Bonelli.
Este honroso texto foi escrito por ele na revista Mister No, personagem que vive suas aventuras geralmente no Amazonas. Esta revista é distribuída por vários países da Europa.
5 – Sei que você pretende lançar um jogo sobre sua personagem. Tem alguma ideia de quando poderemos ver esse projeto concluído?
Este é um projeto de longo prazo, mas ele depende de muitos fatores para rolar. Por hora, eu estou trabalhando nas modelagens em 3D dos personagens principais para fazer uma apresentação e buscar investidores e parceiros. Tem também o projeto do jogo de boardgame que está rolando e logo darei novidades no site exclusivo da Jaguara que estou terminando de montar.
6 – Como foi o convite para ilustrar “O Saci de duas pernas”? Aproveitando, nos conte um pouco da premissa desse livro.
Eu publicava duas tiras num jornal do bairro onde eu morava no Itaim Paulista. Eram a “Turma do Itaim” e os “Casados e Apressados” e o dono do jornal, o Prof. Djair Galvão, me mostrou um esboço do que seria um livro infantil que estava escrevendo, me apaixonei pelo projeto na hora, pois tinha como base personagens do Folclore e o tema era sobre bullying usando uma ideia fantástica que era usar um saci que tinha nascido diferente e especial, pois tinha duas pernas e não uma só. Essa foi a ideia genial do autor que me fez querer participar na hora do projeto, lançamos a 1ª Edição em 2008 e hoje está em sua 3ª Edição pelo selo Eureca! Design.
7 – Você é dono da Eureca! Design, escreve quadrinhos, ilustra, quer fazer um jogo de vídeo game… Ainda sobra tempo para mais algum projeto?
Pra ser muito franco e passei longos anos para admitir isso, é que eu não dou conta sozinho de tantos projetos e minha produção, que já é lenta, se torna mais demorada ainda. Tanto que ainda não lancei o segundo livro da Jaguara, apesar de já ter mais da metade pronta. Eu mudo muito, às vezes me disperso nos outros projetos então, precisei focar bastante para fazer isso mudar. Então só faço barulho agora quando tenho algo realmente finalizado. Até porque boa parte do meu tempo é para ter outra atividade que me dê renda imediata para eu manter minha família.
Hoje meu foco é por o novo site da Jaguara no ar e falar sobre um projeto nele muito legal que serão as HQs online gratuitas.
Respondendo a pergunta então: Não. Não sobra tempo pra mais nenhum outro projeto… (risos).
8 – O quão importante para o cenário nacional é uma produção independente do tamanho de “Protocolo – A Ordem”?
Este projeto foi uma iniciativa incrível do Elenildo Lopes, que me deixou muito honrado quando recebi o convite e a ideia de reunir vários heróis nacionais numa única aventura foi muito ousada e necessária, já que a grande maioria desses heróis e heroínas são desconhecidos do público, ficando restrito aos conhecedores de HQs nacionais apenas.
Penso que esta iniciativa era uma forma de começarmos a mudar isso. Eu, por exemplo, ao levar a ideia do projeto para meus alunos, a maioria adolescentes, nenhum dos mais de 100 alunos tinha sequer ouvido falar de qualquer um dos personagens que estavam ali no projeto.
Uma parte desse desconhecimento se deve a dois comportamentos por parte dos autores, sob minha ótica, que são:
Os autores trabalham muito de forma individualizada por vários motivos, inclusive na divulgação. Como não temos ainda um sindicato e nem a cultura de usar um, caso tivéssemos um, temos muitas dúvidas sobre como proceder em grupo, principalmente sobre direitos autorais. Outro ponto, a meu ver, é talvez que a maioria não considere as outras áreas correlatas e ligadas as HQs, onde podemos buscar novos leitores e compradores de nossas HQs. Ou seja, frequentar eventos de Games e Animação e tentar entender estes dois mercados.
Em outras palavras, os personagens não chegam a novos leitores por outros canais de massa, a não ser para um grupo muito pequeno que já tem simpatia ou mesmo curiosidade pelas HQs nacionais e ainda por heróis e heroínas nacionais, que é especificamente o tipo que estamos inseridos. E chegam geralmente através de HQs impressas e ainda dependemos muito de eventos de quadrinhos pra fazer barulho.
Nas mídias sociais, já está acontecendo algo legal, mas ainda precisamos conversar mais entre nós e nos apoiar mais. Vejo alguns colegas defenderem a divulgação conjunta e acho muito válido desde que conversemos mais.
Outro comportamento que acho que rola é o autor saber qual a finalidade de seu personagem. Se ele será autoral ou comercial. Explico.
Se for autoral, o autor então fica restrito aos eventos que for, à sua forma de vender a sua HQ e de divulgar. Fica também responsável pelo visual e desenho (quando ele mesmo desenha, é claro) e não há problema nenhum nisso se é o que o deixará feliz.
Se for para transformar o personagem em algo mais comercial, então a primeira coisa é se preocupar com sua estética e qualidade do desenho e essa, penso eu e até porque passei por isso, é a parte mais difícil: reconhecer que seu personagem pode ser melhor desenhado por outro ilustrador. Acredito que foi isso que aconteceu em algum momento com o Maurício de Sousa e seus personagens. Ele quis expandir e precisou padronizar e melhor o traço de seus desenhos, já que ele mesmo tem um traço mais de solto, próprio de cartunista.
Nesse caso, temos muitos colegas de profissão aí disponíveis para conversar e trabalhar.
A divulgação tem de ser repensada e a forma como enxergamos nossos personagens. Precisamos olhar além do nosso mercado, estudar e entender os mercados que são próximos (Games e Animação) e pensar em oferecer algo de graça e em uma mídia de massa (facebook, youtube, etc). Se o lance é apresentar os personagens, eles precisam chegar mais facilmente ao conhecimento dos futuros leitores. E de graça e na mídia certa, posso garantir que chega. Claro, aí virá a aceitação ou não, e aí tudo fica a encargo do gosto desses leitores.
O projeto A Ordem se tornou então um meio muito legal de apresentar esses personagens para um julgamento real do público. Claro que o autor deve estar preparado para críticas boas e ruins.
Formamos boas equipes e hoje temos o projeto Alfa, que derivou da Ordem que também se tornará uma grande vitrine para nosso heróis e heroínas.
Por último, penso que o principal é acreditar em seu personagem, evoluí-lo sempre, buscar formas mais eficientes de divulgar e vender. Fazer contato com outros autores, talvez até fazendo projetos em conjuntos, o que acho muito válido. Estar aberto a críticas boas ou ruins, aproveitar oportunidades, ter foco, desenvolver autocrítica e promover o mercado, comprando HQs nacionais (as boas, eu sempre defendo isso) e presenteando com as mesmas. E produzir e produzir sempre dentro do que lhe for possível.
9 – Para finalizar. Quem é Altemar Domingos?
Ilustrador, professor, sonhador, curioso, leitor, brasileiro, amante de Folclore, artista, marido de Eliane e pai da Clara.
Altemar, o HQ’s com Café não tem palavras para agradecer pela oportunidade, desejamos que você obtenha todo sucesso do mundo.
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