“Círculo de Fogo”, do cineasta francês Jean Jacques Annaud (1943), enaltece tanto a imagem do herói, como a figura do anti-herói, sendo que seu cenário está alicerçado nas atrocidades, cometidas pelos Regimes Políticos Totalitários, do Stalinismo e Nazismo, durante o cerco a cidade de Stalingrado, em 1943, no auge da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
Um curioso detalhe, é a interpretação de uma tríade de “atores principais” do teatro inglês (Law, Fiennes e Weisz) em papeis ligados a cultura russa, que entornam dentro de uma análise multiculturalista, a disseminação de um cinema europeu, que não fique unicamente preso ao nacionalismo, produzindo um hibridismo acerca de como o conhecimento através da “sétima arte”, pode unir o “pop”, para explicar a barbárie de um conflito tão inútil, perante a ética de respeito pela humanidade, enfocada na sombra dos desejos mórbidos de Adolf Hitler (1889 – 1945) e Josef Stalin (1878 – 1953).
O afastamento aos princípios, de uma informação, a elucidar uma arte que não esteja relaçada ao banho de sangue, pertencentes em vários seguimentos artísticos durante o período de “31 anos de Conflitos Mundiais” (alusão ao conceito do historiador Eric Hobsbawn (1917 – 2012), ao qual coloca que os dois conflitos mundiais, foram ocasionados dentro de um mesmo composto de espaço e tempo histórico, interligados, fazendo com que o “belo”, seja rechaçado, pelo desprezo da humanidade por si mesmo, e fazendo jus, a um sentido de horror, em aguçar, o empreendedorismo macabro de esgarçar movimentos intelectuais, que venham a criticarem, o nefasto tratamento que os homens oferecem a seus semelhantes.
Um “humanismo macabro”, assim podemos dizer, é a arte no inicio do século XX, como a pintura de Pablo Picasso (1881 – 1973) e sua obra “Guernica” (1937), as longas linhas temporais ao desprezo da burguesia pela maioria da existência humana, na coleção de os romances de “Em Busca do Tempo Perdido” (publicado em sete volumes postumamente em 1927) de Marcel Proust (1871 – 1922), enfocando enlaces do inicio da Primeira Guerra Mundial, perante a dança de aceitação espiritual de Vaslav Nijinsky (1889 – 1950), unida a um operante o horror da brutalidade e bestialização da humanidade, realçada pela “A Sagração da Primavera” (1915) de Igor Stravinsky (1882 – 1971), enrubescida pelo mar de insatisfação moral, “de uma inteligência a favor das armas e da morte”, segundo o historiador político canadense Modris Eksteins (1943).
Annaud, indiretamente faz um filme onde dentro da sua estrutura ideológica, pode ocorrer uma miscigenação de astros, na busca de realizar um plano de enredo, a elevar a necessidade de se realizar, uma cinematografia que contenha fontes de diálogos, ente os mais diversificados sistemas do poder estatal, mesmo contendo entre seus protagonistas um clivo de rivalidade, entre suas nações de origem e que seja marcante para um eixo populacional tão completo, envolvendo, um caminho de produção a um distanciamento entre as rivalidades nacionalistas do “velho continente”.
Um diretor, francês narrando à história de um herói de guerra soviético, contando com o elenco dos súditos da “rainha”, lutando contra o domínio dos excedentes militares da “velha Prússia”, entoando, canções de um passado de armas, ao qual nação natal do diretor, lutou contra os “cossacos”, ao entrarem em uma “gelada estratégica”, ao desafiar os contingentes militares, do czar durante as Guerras Napoleônicas (1803 – 1815), assim como os seus “camaradas”, da terra da salsicha, e cerveja.
Enquanto a soberania britânica manteve-se firme e forte diante as ofensivas do “Pequeno Cabo” (apelido atribuído a Napoleão, por causa da sua baixa estatura) e do “Terceiro Reich”.
Sendo assim, Circulo de Fogo, está em um cisma de contestação e dialética cultural, que enfoca a própria formação de espacialidades geográficas do “Velho do Continente”.
Todavia, Stalingrado, possui uma representação de torpor e resistência de Stalin ao Nazismo, ao qual diante a escassez de recursos bélicos nos campos de batalha, ordena uma verdadeira chacina, para seus soldados, levando-os a uma luta “suicida”, contra a maquina de guerra nazista, e ao qual Vassili Zaitsev (1915 – 1991) interpretado por Jude Law (1972), um jovem soldado do Exército Vermelho, se torna popular por sua habilidade em lidar com fuzis, com o mínimo de desperdício de munição possível, se tornado um exímio franco- atirador, causando temor e pavor aos alemães.
Com ajuda e um jornalista, o comissário Danilov (Joseph Fiennes) (1970), sua imagem vai sendo incorporada como símbolo de luta e resistência da população russa, fazendo o alto comando nazista, envie um de seus melhores atiradores o Major Erwin Konig (Ed Harris) (1950), para fazer frente às habilidades de Zaitsev, outras participações que merecem destaque é Bob Hoskins (1942 – 2014) (imortalizado por seu papel como detetive canastrão Eddie Valiant, na animação “Uma Cilada para Roger Rabbit”, de 1988) ,produzido por Steve Spielberg (1946) e dirigido por Robert Zemeckis (1951), diretor da trilogia “De Volta Para o Futuro” (1985, 1989, 1990), como Nikita Khrushchev (1894 – 1971), que seria anos depois do fim do conflito, secretário geral do Partido Comunista (1953-1964) da URSS, e seu pragmatismo em incentivar a luta do Exército Vermelho até as últimas consequências (mais uma vez um ator inglês interpretando um personagem histórico soviético), Ron Perlmann (1950) (de Hellboy, Estados Unidos, 2004) que já havia trabalhado com Annaud em O Nome da Rosa) interpretando, o soldado Koulikov, que é um tipo de menor nas primeiras ações empreendidas por Zaitsev.
O mais curioso de tudo isso, é que em meios a esse jogo de Gato e Rato que se instaura entre os dois soldados ocorrem momentos de uma normalidade perante a destruição causada pelos incessantes bombardeios, feitos pela “Luftwaffe” (Aviação de Guerra Nazista), o que deixa um sentido de vazio, perante o peso da morte, onde o perdão se torna obsoleto, não cabendo dentro deu um atavismo moral, a crítica de atacar um ufanismo, recheado de inconsequência diante os desejos burocráticos a serem cumpridos, por autoridades maquiavélicas a fazerem da vida das pessoas, um jogo xadrez diabólico, aonde as peças vão sendo mudadas de acordo com a ordem do dia, e a vontade de seus lideres ditatoriais.
A estética de destruição e fome deixa um caminho de uma simbologia nefasta, para um globo de criatividade, que não respeita as diferenças, levando a uma candura, de elogio da loucura humana, como justificativa para um funesto, sentido necrófito das relações socioculturais claras de respeito pela vida humana.
O correr da rivalidade que o amor pode despertar mesmo em momentos de profunda cólera existencial, isso dentro da imagem da personagem da atriz Rachel Weisz (1970), (Tania Chernova), uma recruta, que se une Zaitsev e Danilov, o que desperta um atrito entre os dois, ou seja, dilemas de conflitos humanos subjetivistas entram em linha de colisão diante os horrores da guerra, e de certa forma emoldura o egoísmo da competição pela saciação do amor, mesmo em momentos tão conturbados, onde as vontades pessoais estão na frente da consciência moral.
Um tom sarcástico em se pensar, no amor durante um conflito de francos atiradores em um dos momentos mais trágicos da humanidade, o holocausto do povo russo, sendo peças de um jogo de xadrez mórbido promovidos por Josef Stalin e Adolf Hitler.
Para o expectador atento, Annaud, reserva uma pitada de “ironia histórica”, que faz jus a concepção do intelectual “marxista” polonês Isaac Deustscher (1907 – 1967), no que tange a “traição stalinista”, perante os princípios a construção de um governo proletário livre, transformado em um sínodo de destruição e de uma movimentação psicológica consternada pela carência de liberdades civis, e pelo factualismo de conter, um lado sombrio em que não se sabe ao certo, como pode haver heroísmos diante um sinal caótico de destruição aos princípios a uma aceitação do humano pelo próprio humano.
Annaud, já havia tratado da tirania macro-instituições, em seu aclamado “O Nome da Rosa” (já analisado nessa coluna), dos conflitos dentro da Igreja Católica, o que não deixa de conter um sentido de comparação com as intransigentes atitudes cometidas pelo governo soviético, em levar uma luta sangrenta, contra cabidos, a constituição de uma “pseudo democracia” camuflada pela loucura do “líder máximo russo”, em provocar uma carnificna, em nomes de ideias quase que concomitantemente parecidos, com os desatinos de cobiça e poder do III Reich.
Vassili Zaitsev pode ser alçado, como um “justiceiro sanguinário”, ou assassino de prontidão do Exercito Vermelho, fruto da propaganda de guerra, que o levou ao inconsciente coletivo, de ser projetado a uma arte, que coloque a matança como um cenário apócrifo, na construção de um caminho de vivências, que venham a respeitar as diferenças, e que também de alerta em como o “quarto poder”, pode transformar a áurea das pessoas, em um conturbado provento comportamental de distanciamento aos princípios de respeito pela humanidade, bem em agastar a sobrevivência de caminhos dialéticos, na tolerância entre as nações.
Os conflitos descritos pelas ruas de uma Stalingrado em ruínas, demonstra também o costume sombrio de agrado pelo horror, onde já não ocorre, mais limites para as barbáries, ou seja, o cotidiano “do homem ser lobo do próprio homem”, gera um percurso psicanalítico, a não comungar de uma “arte”, que possa propiciar uma esperança ética para o planeta, dentro de suas próprias diretrizes de sustentação moral e intelectual em aceitar, o que pode vim a ser classificado como diferente.
A guerra é um sinal ao qual, o cinema estrutura suas panaceias de elixir do sangue, como patrimônio de suas bagatelas de conhecimento intelectual, isso deixa tanto Zaitsev como o Major Konig, representando um enfermo campo de luta, por um sufixo histórico, em nivelar o patrimônio de um povo pelo outro, ou seja, aniquilar dádivas em arquitetar anunciamento da diversidade intelectual vindo a respeitar, as diferenças, mais exorbitantes entre os povos.
Um marketing do terror, e do incentivo ao assassinato, como simbolo de glorificação do vazio, assim pode elencar os “snipers”, contidos dentro do traçado estético de Circulo de Fogo.
Seu lançamento foi feito quase que simultaneamente com outras películas sobre os dramas da guerra, e da luta individual de um soldado contra preservação de sua sanidade perante o insano, “Atrás das Linhas Inimigas” (Estados Unidos, 2001), contando com Gene Hackman (1930) e Owen Wilson (1968), retratando, os dramas de soldados da coalizão internacional, supostamente desaparecidos, durante a “Guerra da Bósnia” (1992 – 1995) , e massacrados pelas forças servias, bem como os aclamados, “Além da Linha Vermelha” (Estados Unidos, 1998) contando com lenço estrelar Sean Penn (1960), George Clooney (1961), John Cusack (1966), Woody Harrelson (1961), Nick Nolte (1941) e John Travolta (1954), até a mega-produção “O Resgate do Soldado Ryan” (Estados Unidos, 1998), de Steven Spielberg, que consagrou Tom Hanks (1956), contando ainda com Vin Diesel (1967), e Matt Damon (1970), “Falcão Negro em Perigo” (Estados Unidos, 2001) de Ridley Scott (1937), acerca de um mal sucedido plano de resgate do exército norte-americano na “Guerra Civil da Somália”, em 1993, contando, com Ewan McGregor (1971), Sam Shepard (1943), Orlando Bloom (1977), Eric Bana (1968) e Tom Hardy (1977), até o violentíssimo, mas menos intenso culturalmente em sucesso, “Fomos Heróis” (Estados Unidos, 2002), com Mel Gibson (1961) e Madeleine Stowe (1958), acerca da Guerra do Vietnã (1955 – 1975).
Ou seja, houve um profícuo período reinvenção do “cinema de guerra”, que de certa maneira trouxe uma nova valorização da “telona” não somente como um caminho de entretenimento, e sim como denuncia política e social acerca da brutalidade e carência de diálogo entres as nações, diversificando os traçados geopolíticos, acerca do limiar de manipulação da realidade, em que a “arte” seja um caminho de alegria, e não de mártir, para o espectador.
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Circulo de Fogo (Enemy at the Gates)
Filme com 2 horas e 10 minutos de duração
Direção: Jean Jacques Annaud | Drama – Guerra – Suspense | Alemanha – França – Irlanda – Estados Unidos – Reino Unido – (2011)
Elenco: Jude Law, Rachel Weisz, Joseph Fiennes, Ed Harris, Bob Hoskins, Ron Perlman…
Sinopse: Vasily Zaitsev (Jude Law) é um jovem atirador russo que, convencido por um companheiro político (Joseph Fiennes), torna-se o ícone da propaganda russa em plena 2ª Guerra Mundial. A fama de Vasily o torna uma lenda viva para o exército russo e desperta também a atenção do exército nazista, que envia seu melhor atirador de elite (Ed Harris) com o objetivo de matar aquele que se tornou a esperança de toda a Rússia.