Opinião com Café.
Clayton Alexandre Zocarato.
“Rios Vermelhos” lança um olhar saudosista e dialética acerca dos filmes “noir”, não necessariamente pelo abuso de tons sombrios e escuros, que caracterizam os filmes de suspense policial franceses, regrado a muito sangue e mistério, com uma pitada de humor negro e tramas históricas.
O espectador se vê envolvido em trama com um cisma ideológico de busca na formação de uma raça perfeita, em uma “eugênia” a envolver uma atmosfera de ensino universitário marcado pelo ódio e intolerância, levando a questionamentos de uma sociedade pós-moderna, alcunhada nos parâmetros da distorção da realidade, com clivos psicanalíticos de até onde maldade humana pode está escamoteada em uma consolidação do “saber”, sem conter limites para uma “ética do cuidado”, com o próximo como caracteriza o psicanalista inglês Donald Winnicott (1896 – 1971).
Esse “cuidado” é deixado de lado a partir do momento em que a trama logo no seu inicio está rodeada em torno de uma universidade, onde misteriosos assassinatos são cometidos, com um curioso detalhe, onde mãos e olhos das vítimas são extirpados, caracterizando como um enigma para a polícia.
Jean Reno (1948) entra em ação como detetive Pierre Niemens, encarregado das investigações e se depara com ligações acadêmicas, rodeadas por princípios nazistas, a um ritual macabro de fabricação da verdade, como artefato de destruição da liberdade de pensamento e da opinião própria.
Seu parceiro, Vincent Cassel (1966) (que mora no Brasil, e tem filmes realizados em terras tupiniquins), tem destaque como um policial interiorano que se defronta com uma cosmopolita “França” recheada de preconceitos, e de uma lógica de comportamento procurando em arcádias, de grandeza intelectual, um principio, para sua existência, precária a consolidação de um ideal ético, para todos, ao qual a instituição universitária se torno um “mago” cruel de nivelamento a um pensamento, desvalorizando os valores de um conhecimento universal que possam promover a ascensão de antagônica classes sociais.
A própria concepção “rios vermelhos”, relembra uma concepção aristotélica, ao qual o corpo humano com suas veias, lembra, canalizações fluviais levando sangue para todos os órgãos e partes do corpo transcorrendo um “organon (instrumento – lógica)”, de pureza do “saber supremo”, que tem como incumbência mor, a manutenção de uma pureza racial, desfavorecendo projetos de uma etnicidade, múltiplas de significados e ornamentos, integrando dentro a um mesmo espaço de sociabilidade, disparidades de argumentações em torno de como se viver bem, com o “diferente”, sem cair em um “transhumanismo”, estagnado de dicotomias alarmantes de destruição da “ternura e amor pela humanidade”, usando do conceito outorgado pela filósofa alemã Hannah Arendt (1906 – 1975).
Embora a violência seja algo imiscuído como parte de engrandecer a neurose coletiva das pessoas, defronte ao senso comum de fuga dos problemas diários, vejamos que o suspense não se faz tão presente, e sim o que ocorre é uma mistura de comédia, como um princípio “freudiano”, de lutar contra os medos mais profundos da mente, enfrentando o terror que cada criminoso possui ao qual o cartesianismo de Niemans se anuncia, ou seja, se torna uma sombra de ameaça perante aqueles que cultivam o mal.
Nesse caso, ele procura na sua frieza e astúcia, junto com sua postura altiva (não arrogante), uma maneira de amedrontar aqueles que cultivam o mal, nesse caso dentro as perspectivas históricas, de pairar como uma ameaça a um puritanismo macabro, recheado por um xenofobismo escaldante, que foi uma das características da abertura e socialização europeia durante os anos 2000, advindo de um maior diálogo entre minorias étnicas e Estados Nacionais, que procuraram empreender laços de fraternidade diante a sombra de um nacionalismo ultra-conservador, e da concentração de saber erudito, destinado, nas mãos de uma pequena parcela de intelectuais ligados a “universidade”, e aos interesses de “Corporativistas”.
A “violência de organização ligadas extrema direita”, e os procedimentos macabros de violação de túmulos, emerge, “Rios Vermelhos” com comparativos teóricos a obra “O Cemitério de Praga” (2010) de Umberto Eco (1932-2016), acerca do uso do “sórdido”, como recurso de manipulação de massas, aspergindo o “temor do sobrenatural”, como arma de concentração ideológica, destinado a destruição de uma empatia conciliadora, bem como submete as lembranças do trágico assassinato do “premier” italiano Aldo Moro ( 1916 – 1978), pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, que unia conhecimento intelectual do “marxismo-leninismo”, e tendo como alvo principal, fortes ataques as doutrinas conservadoras do cristianismo católico.
Se pensarmos dentro dessas comparações históricas e filosóficas, “Rios Vermelhos” representa um alerta para como o “saber” pode ser usado de forma errada, e produzir os piores tipos de horrores, indo para a intolerância política, até a disparidade de um controle maciço, no conflito de opiniões fazendo germinar uma cultura critica motivada por um poder sem limites, com uma condução política inescrupulosa de hegemonia da “verdade”, fazendo uma única “opinião”, como fator de construção, a uma moral psicológica decente.
O medo do ressurgimento de extremismos, e de grupos terroristas e paramilitares (como o E.T.A e o IRA), ligados a combater o preconceito de Estado, contra prelados de espaços populacionais resolutos a terem sua “autodeterminação” respeitada, deixa um alarde da necessidade de uma maior participação da “universidade” em produzir anseios de democracia, para uma sociocultura que venha combater ditames, a construção de discriminações, tanto raciais, como políticas e ideológicas.
“Rios Vermelhos”, conta, a união “Sherlock Holmes, com Oscar Schindler (personagem principal do drama histórico produzido por Steven Spielberg, A lista de Schindler, de 1993, vencedor de 07 Oscars)”, ou seja, extenua entretenimento com ativismo, e sangue com reivindicação de direitos.
Um bom prato para o público atento e “pop”, a se deliciar com suas tessituras sombrias e pautadas a uma comédia macabra.
Um convite para navegar, pelos lados mais sombrios da mente humana, em torno de um córrego carregado de mistério e provocação, faça essa viagem dialética, em torno da embriaguez de intolerância e destruição de escopos de afeto, através do fluido do temor, como força motriz, do inconcebível moral, de uma vida digna.
Nos movemos pelo “rio da agonia”, com destino ao “amor vermelho”, da consciência complacente, de mutualismo de respeitabilidade.
Navegamos então, homens da cultura “pop”, rumo à subjetividade de ação e argumentação filosófica!
Todos a bordo, por favor!
Em tempo: A trama tem continuação com Rios Vermelhos 2, de 2004, que fugiu muito do enredo original. Contando com ilustre participação do ícone vampiresco inglês Christopher Lee (1922 – 2015).
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Rios Vermelhos.
Filme com 1 hora e 45 minutos de duração.
Direção: Mathieu Kassovitz | Suspense | França (2000)
Sinopse: O veterano policial Pierre Niémans (Jean Reno) é enviado à cidade de Guernon para investigar um bizarro assassinato ocorrido próximo à uma famosa escola. Ao chegar, Niémans constata que o crime foi causado por alguém meticuloso, que não deixou nenhuma pista sobre quais os motivos do assassinato. A 300 km do local outro policial investiga a violação do túmulo de uma criança morta vinte anos atrás. Trata-se de Max Kerkerian (Vincent Cassel), um impetuoso policial novato que foi no passado ladrão de carros. As duas investigações seguem em paralelo até que os dois policiais se encontram e descobrem que os dois casos estão intimamente ligados e que precisarão trabalhar juntos para resolvê-lo.