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Euro Cine | Ontem, Hoje e Amanhã

O cinema italiano é prodígio em realizar películas que transcendam a barreira do moral e imoral, como também provocar na arte visual, caminhos que inundem profiláticos cunhos para uma produção intelectual que veja no “tempo”, um cabido intelectual  para arquitetar uma lapidação psicológica do homem contemporâneo.

“Ontem, Hoje e Amanhã” não deixa de esmiuçar a figura do senhor “Cronos”, como um regente para empreender, dígrafos para uma Itália que procura levantar dos claustros do fascismo através da valorização do cotidiano de pessoas simples, bem como a mostrar, as lisuras e demências dos bairros mais pobres de Roma, o que contrasta com a imagística de esplendor da nação herdeira do Império Romano.

Prostituição, feiras ambulantes, desemprego, baixa higiene, corrupção moral, aborto, o drama da existência, o nascimento para um mundo cheio de consagrações imponentes ao declive do fator humano, ou seja, o espectador é jogado a um profundo questionamento filosófico de como nossas projeções sociopolíticas estão sendo, providenciais para a produção um labirinto de hidras de condutas claras de amor pelo próximo.

Seu enredo em penações que não deixa de conter uma forte exasperação “a nova história” dos Annales, da década de 1960, transita para a “Hollywood Europeia”, como um sibilar de enaltecer papéis dramáticos, mas que não contenha o bonachismo da hiper interpretação, extenuada unicamente nos trejeitos e movimentos do ator.

Nesse caminho, Marcelo Mastroianni (1924 – 1996) e Sophia Loren (1934), regem uma combustão dentro de um esmo de parceria e conflito de ações subjetivistas, esgarçando os mais variados enigmas que compõem a humanidade, para uma assimilação comportamental ética, de compaixão e respeito entre as pessoas.

Desde a prostituta que desperta prazer em um seminarista, a luxuria descabida de uma “social light” decadente, e mórbida pelo gosto da luxúria, ou até a uma permissiva dona de casa dos subúrbios da “cidade de todos os caminhos”, que engravida propositalmente quantas vezes for possível para fugir do cárcere, em virtudes de suas transgressões fiscais e sonegadoras, perante a lei.

Ou seja.

Nossos dias são marcados por intuitos de ambição, e por preces onde tudo possa vim a ser resolvido, por meio da malandragem.

O eminente Professor e Crítico Literário Antonio Candido (1918 – 2017), “em seu famoso ensaio Dialética da Malandragem 1970”, cogitou dentro da sociedade brasileira a figura do malandro contido na obra de Manuel Antônio de Almeida (1831 – 1861) “Memórias de um Sargento de Milícias”,  em uma comparação metodológica com a obra de Vittorio De Sica (1901 – 1974), não deixa de abrilhantar a falcatrua do “popular” frente aos desafios de uma industrialização que não deixa oportunidades para todos os esteios humanos.

Uma Itália esquecida pelas grandes nações capitalistas, e que procura se reerguer dos traumas de Benito Mussolini (1883 – 1945), e incorpora apetrechos existenciais, aos quais, a crença em Deus, bem como a prostituição e a dúvida quanto a veracidade da razão, são incorporados, nas interpretações de Mastroianni e Loren.

Em uma comparação com a densa obra de James Joyce (1882 – 1941), “Ulisses (1914 – 1921)”, podemos citar que De Sica, procura mostrar um nefasto sentimento de depredação da alma humana, dentro de um espaço cinematográfico atormentado, por crises comportamentais, de um “eu doente” em não saber se colocar como detentor do seu próprio caminho.

As horas passam sem um sentido certo que ofereça um viés para que o tempo possa usufruir de estratagemas que possam vim a cadenciar um viés psicológico lapidado por novas formas de ternuras, e também que veja que cada um, tem que se contentar a coadunar sua vida, com a vontade dos outros.

De certa maneira isso não foge, dentro dos paradigmas do cinema italiano, a dúvida ética, quanto a certeza de estar ou não os personagens agindo por suas vontades, ou se entrelaçam momentos que correspondem ao ambiente social e moral ao qual vivem, sem haver uma cortina de intelectualidade clara, quanto a oferecer compreensão e interpretação para os piores sentimentos e desatinos que a subjetividade maléfica que “cada um possui” dentro as quimeras em organizar uma putrefação de estado espírito teleológico, que venha alfamar uma irrupção violenta dos piores desejos escondidos em torno da mente humana.

A falta de ética com brio a vida promiscua, oferecendo vértices para justificar, agonias de relacionamentos baseados na desconfiança, fazem de “Ontem, Hoje e Amanhã”, um retrato da incapacidade do “homo-sapiens”, em governar sua direção moral e social diante psicologismos, de lutar contra a solidão, ou mesmo em atentar a suportar o peso que “o outro” possui, para coordenação em se realizar um cinema que faça a “arte pela arte”, e não contendo elementos para destruição de sacrilégios a uma movimentação intelectual que não esteja contaminada por ideologias que semeiam a desconfiança para a produção de um cinema crítico, não possuindo ressentimentos ou glorificações que o tendenciam a uma acoplagem permissiva e arbitrária, a uma estética da recepção pelo espectador, já programada antecipadamente segundo as vontades de seus realizadores.

Nesse quesito, a luta do cinema italiano para não adentrar no quesito da “indústria cultural de massa”, procura uma fertilização de se fazer provocativo, mas concomitantemente, que lapide suas mensagens, como arma de produção intelectual e contendo parâmetros aos quais não seja unicamente, um caminho de diversão, sem assimilação subjetivista.

Nisso, De Sica, emoldura nas tríades divisórias de sua obra, a carência da juventude em se fazer livre, e não se transformar em moeda de troca para os mais carentes, que eleva para a banalização de formação intelectual, aos quais os dias não contenham um valor real para sua jornada, e que cada um em particular possui seu preço, a ser pago, pela canalhice de uma sociedade voltada para o material, e que não perpassa valores de respeito ao que se promulga como sendo “diferente”, contendo todavia uma dose de excentricidade.

A “mistura entre prazer e amor, outorga no quesito do ‘amanhã” que o sexo não é um cunho para uma postura de submissão, e sim uma arte de viver e também de se aproximar das pessoas, e que a luxúria de colocar o materialismo como um caminho para se chegar ao carnal, eleva padrões humanísticos demoníacos, para uma subjugação do proibido, não por condenar o homem, e sim, para que ocorra o respeito pelas classes humanas mais antagônicas, fazendo do gosto do proibido exale o verdadeiro sentido do amor em desejar, e ao mesmo tempo em  não o ter, porém ao mesmo tempo, extenuar a ternura do amor-livre, sem as máculas do sexo.

O sexo, bem como os tabus que ele impõem a uma Itália marcadamente católica, fabrica um sincretismo ao qual, Deus procura testar seus filhos, diante a “beleza”, que pode sair do celestial para o infernal, e degustar de sinfonias a um afastamento da “boa nova”, rompendo um traçado de rupturas, da normalidade patética, que a maioria das pessoas vivem, diante os interesses de um capitalismo enrijecido por barganhas de um aforismo de entrever, a ilusão da perfeição do “corpo”, como fonte de ditames a ilusão, do “belo”, eternizado pelas estonteantes curvas de Sophia Loren.

“A diva do “cinema spaghetti”, dentro do auge de sua carreira, fez companhia a outras beldades que ficaram marcadas, com o misto de talento, adocicadas a formas físicas esculturais, como Elizabeth Taylor (1932 – 2011), imortalizada por dar vida a Cleópatra (1963), Brigitte Bardot (1934) como deusa do “cinema noir” francês, e que depois dentro desse plantel de beldades teria nos anos de 1960 e 1970 a imagem de Jane Fonda (1937), nos Estados Unidos, como um cataclisma na união de sensualidade, com talento de atuação, que marcou outras grandes atrizes.

O que não fica muito distante a conduta de Marcelo Mastroianni, que em sua época de juventude teve Alain Delon (1935) e Paul Newman (1925 – 2008), que fazem alusão à união de contornos corporais com rigidez de interpretação, em uma comparação direta com Clark Gable (1901 – 1960), por exemplo, que fazia do cinema, um taciturno trajeto em compor sedução, mas ao mesmo tempo oferecer, uma sinopse de crítica ao enredo ao qual estava inserido, oscilando ao mesmo tempo diversão e contestação.

Todavia, De Sica, não traça diretamente uma contra-argumentação em torno do poder que a beleza usufrui na humanidade, e sim alerta para os perigos de um consumismo desenfreado de fatores estéticos que não conduzam a uma ontologia, em sacramentar intersubjetividades, em aclimar lutas, diante devaneios de um tecnicismo de lavrar o senso-comum, sendo ele seduzido constantemente pelo prazer neurótico, propiciando neuroses para o não nascimento a providenciais alcunhas de criticidades, em lutar contra os vícios mais horríveis de uma “moda”, que eleva o classicismo social, bem como diminui as pessoas uma perante as outras.

Não seria degelo orquestrar, que em torno de usar do vitimismo eugênico que boa parcela das pessoas possuem, em não se julgarem “belas” e também por não estarem felizes com sua constituição corporal, e assim estarem delineando um balbuciar do escravismo mórbido, que a beleza exerce, e que mesura, um agigantamento irascível de lunáticos preceitos ideológicos a descrença da inteligência, e da luta por uma condição mental, que não fique exclusivamente encarcerada aos devaneios do poder ‘que o “olhar” possui, diante algo, que iluda o cérebro e o transforme em um agrupamento de emoções aglutinadas pela inveja e mesquinharia em forçar antropológicas intempéries, a propagandas de nominalismos comportamentais focados em uniformizarem adereços “do belo”, contendo funções sociais de aceitação, perante uma pequena parcela de abastados propedêuticos.

A ditadura do corpo, sendo desmascarada em meio à procura da germinação, de uma individuação escatológica, onde o “ontem é detentor do hoje, e faz do amanhã, um clivo” de não haver futuro, para o que se aprende no passado.

Loren e Mastroianni fazem das conjecturas físicas, uma atemporalidade dos sentimentos humanos, ubérrimos a engenhosidade da arte, tanto do cinema como da moda, em ir contra o senso-comum, aos quais não possa haver algum nicho de ternura, perante as situações mais ingratas, que a humanidade enlaça contra si mesma, se distanciando a um saudável convívio étnico – social, que possa colocar todos os escopos corporais e mentais das pessoas, em torno de um mesmo limiar de aceitação e tolerância perante aquilo que multiculturalmente possa constar, em conter a marcar de ser considerado “diferente”.

Diferente?

Mas o que seria diferente, em um mundo que se torna demoníaco em buscar no corpo, as repostas e satisfações para seus dramas pessoais?

A imitação do sensível, que não faz altruísmos para se elevar substancialmente, faz com que tempo venha a ser colocado como um fator de encabeçar, meliantes cunhos para a postergação da intelectualidade, e que resplandeça em abrilhantar, uma metafísica que angarie o fraternal e não somente o corporal.

Em linhas históricas, “Ontem, Hoje e Amanhã”, vem combater a ideia de um inconsciente coletivo, na arguição, de ir contra os totalitarismos de não entrever um debate político, que possa colocar sucintos arquejantes comportamentais dialéticos, contra um “ethos” de contaminação do vulgar, na aquiescência do belo.

A plasticidade de valorização do mental, contra exclusivamente deixar o corpo humano, como um simbolismo de sexualidade promiscua, sem contornos para uma “informação”, que esteja se renovando constantemente, faz com que estereótipos mortuários de uma filosofia moral, sejam destruídos, em favor de elencar uma prostituição das artérias e coronárias, que venham propiciar centeios para a compreensão de psicoses em se fazer confundir, o sentimentalismo com consciência (se isso for possível!), sem conter a respeitabilidade pelas limitações físicas e econômicas que cada indivíduo maneja dentro de seus arquétipos de individualismo.

A questão do espaço-tempo do cotidiano de pessoas simples, aos quais De Sica, faz um conluio, em realizar um “populacho cultural”,  com uma pitada de incertezas, na eternização de que a gleba global se detém a gostar de valores ilusórios como entretenimento a matar sua fome de satisfação pessoal, se distanciando das remissões de seus pecados, para a organização efetiva de mentalidades flutuantes de respeito entre seus pares.

Ou seja, não existe um ontem sem pecado que não interfira no hoje, e que com isso sirva de exemplo para um amanhã ardente de fraternidade, mas construído grandiosamente em cima da monstruosidade humana.

Ontem, Hoje e Amanhã (Ieri, Oggi, Domani).
Filme com 1 horas e 58 minutos de duração.
Direção: Vittorio De Sica | Comédia – Romance |  França – Itália| 1963.
Elenco: Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Aldo Giuffre…

Sinopse: Histórias sobre três mulheres (todas interpretadas por Sophia Loren) muito diferentes e os homens que elas atraem. Adelina vende cigarros no mercado negro e é casada com o desempregado Carmine (Marcello Mastroianni). Ela é sentenciada a prisão, mas pode escapar enquanto estiver grávida. Sete anos e sete filhos depois, o marido esta exausto e a prisão parace algo inevitável, assim como o desprezo de Adelina por Carmine. Em Milão, Anna esta entediada e resolve dar carona a um escritor. Ela fala com um ar sonhador em fugir dali, e ele dá a atenção que ela precisa. Enquanto isso, Mara chama a atenção de um ingênuo seminarista, fazendo com que ela brigue com sua avó e faça um voto de castidade.