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Euro-Cine | Trinity – Na Colina dos Homens Maus

Opinião com Café.
Clayton Alexandre Zocarato.

“Trinity – Na Colina dos Homens Maus”, evoca campos analíticos, que vão desde a violência na luta por terras, como a uma condição cinematográfica em se entrever apontamentos de como um mesmo “enredo” pode colocar muitas situações problemáticas, que interagem entre si, porém contendo paradoxos de entendimentos, a uma condição humana, de amor pela vida, e também do companheirismo levado ao extremo, como um utensílio existencial perante as maldades humanas.

É notório pensarmos dentro de uma visão de “cultura pop”, que os faroestes italianos ganhariam grande projeção nos de 1960, com as produções de Sérgio Leone (1929 – 1989), e sua trilogia dos “dólares” (Por um Punhado de Dólares -1964, Por Uns Dólares a Mais – 1965 e Três Homens Em Conflito, 1966), contando com a participação de Clint Eastwood (1930) e o ícone dos filmes de “bang-bang” Lee Van Cleef (1925 – 1989), levando um efeito existencialista, de um efeito psicológico, ao qual o homem não pode fugir do seu destino, sendo obrigado a enfrentar seus medos mais cedo, ou mais tarde, como um sinal de transferência de sua personalidade, diante os perigos ligados a um apelo pelo sentido “trágico” da vida.

Vejamos que no caso de Trinity, o sentimento de solidão é transpassado pela necessidade do protagonista principal Cat Stevens (Terence Hill – 1939), em fugir de uma zona de conflito, ao qual sua vida está diretamente ligada a do seu companheiro Hutchy Bessy (Bud Spencer – 1929 – 2016), ao qual o “gatilho”, não pode ser aposentado, sendo como uma parte intrínseca de suas condutas aventureiras, exaurindo um caminho de desafios constantes, em torno do perigo, como forma de ascensão e crescimento moral.

A cidade palco da narrativa, é instaurado por um reino de terror, sendo expurgada pela corrupção de grandes latifundiários, faz uma alusão à condição de luta social dos negros do fim do século XIX, que procuram através de subempregos viverem a margem de uma civilização “Americana”, enraizada pelo racismo, e ao qual conserva forte predomínio de conservadorismo para uma miscigenação atuante, expõem um claro desnivelamento moralista, no que seja condizente a integração cultural, de índios e afrodescendentes, perante comunidade “branca”.

De certa maneira, essa crise, cria uma identidade de conseguir construir uma cidadania que não fosse excludente e elitista, se torna um dos grandes desafios dos países latinos – americanos, durante seus processos de independência das nações europeias, ao qual não é incomum, haver uma consciência escravocrata na não aceitação multiculturalista, que estava se desenhando com a extirpação da exploração predatória da população negra.

Contendo esse enredo, a argumentação social ganha terreno, dentro de uma estética na desconstrução de paradigmas, meneando combates a um reducionismo populacional, bem como disseminando o faroeste, não só como uma “chuva de chumbo”, constante, mas sim, contendo entraves indagadores, de como encarnar um clivo de contestação às mazelas humanas, contendo polivalentes sufixos de questionamentos, em torno da subjugação de uma classe humana perante seus semelhantes.

A questão do “western spaghetti” faz de Hill e Spencer um lado camaleônico, de lançar diversificados campos de comportamentos que produzem um gosto hilariante de ação revertido, a um toque de crueldade, perante famigerados campos de individualidade, permutados pela angústia em promover algum tipo de consumação heroica, defronte as incertezas de um banditismo, que não fique arraigado unicamente aos lampejos de desestabilizar a ordem social vigente, todavia que venha conter comprometimentos de ajudar o próximo diante as opressões do mais forte.

Ou bem seja, as ações dos dois pistoleiros possuem um ar “quixotesco” de buscar a superação a um “razão ativista” por maior que seja equivalente as vontades individuais, como um torpor de lutar contra comiserações ambiciosas, de submeter os mais carentes a submissão do “chicote corruptivo” das classes mais abastadas.

Não seria um exagero lograr bases questionadoras para um spectro “marxismo revolucionário”, em fazer um alarde do “velho oeste” como uma luta contra exclusão de um capitalismo industrial, adornado pelo desenvolvimento da navegação e da construção das estradas de ferro, ao longo do território estadunidense (uma de suas marcas registradas, diga-se de passagem!), desapropriando terras indígenas, levando a miséria aos mais distantes prelados de construção de civilidade.

Outro ponto esgarçado é a penúria dos artistas circenses, a mercê da própria sorte, sobrevivendo na maioria dos casos, com donativos, advindos de seu público, e também estando subjugada a própria sorte, não tendo seu trabalho o devido reconhecimento merecido.

A arte cênica, aqui produz pilares a uma transgressão idealística, para a sétima arte nos devaneios de uma arquitetura, na valorização da micro-cultura, diante de uma hegemonização mórbida, de organizar lutas, contra um adversário “mor” de produção cinematográfica ligada a industrialização técnica, beirando uma massificação, como coloca intelectuais ligados a teoria da cultura como Walter Benjamim (1892 – 1940) e Theodor Adorno (1903 – 1969).

O circo está imiscuído como um plantel, de valorização da individualidade, e de colocar o trabalho humano, acima de megalomaníacos procedimentos da técnica, contra o advento da subjetividade.

Marcel Marceau (1923 – 2007) influente artista circense francês, enaltece a importância do movimento mímico, como um autoentendimento do artista, construindo uma simbiose de relações com o público, se prevaricando na tendência de que o cinema não pode ficar preso aos efeitos da tecnologia, e sim conter no artista, sua couraça de júbilos de reconhecimento como obra de arte.

“Trinity – Na Colina dos Homens Maus”, ultrapassa as marcas dos faroestes tradicionais, não chega ser um “marco”, e tão pouco alcança a estratosférica marca de “clássico”, todavia, lança apontamentos para o espectador em como o “simples” pode se chegar ao “complexo”, projetando artimanhas para um criticidade lúdica nas intersubjetividades em se fazer do cinema, um caminho para o aperfeiçoamento moral e social do indivíduo.

Algumas características dessa saga, é que seus protagonistas principais, Terence Hill e Bud Spencer, viriam a trabalharem juntos em outras produções, não necessariamente sendo de faroeste, ao qual pelas suas formas físicas não deixam de fazerem uma alusão Stan Laurel (1890 – 1965) e Oliver Hardy (1892 – 1957), consagrados pela série cômica “O Gordo e o Magro”.

Outro fato interessante: Woody Strode (1914 – 1994), que interpreta Thomas, um artista circense em busca de vingança pelo assassinato de um amigo, que ajuda a “dupla principal” indicado ao Globo de Ouro, por sua atuação em “Spartacus” de 1960, foi atleta de decathlon e futebol americano, o que facilitou suas cenas no trapézio assim como Bud Spencer era um examino nadador, o que homologa, o interesse em assistir seus trabalhos.

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Trinity – Na Colina dos Homens Maus.
Filme com 1 hora e 40 minutos de duração.
Diretor: Giusepe Colizzi. | Faroeste – Comédia | Itália (1969)

Sinopse: Cat Stevens (Terence Hill) e Arch Hutch Bessy (Bud Spencer) são dois pistoleiros que são convocados para ajudar uma pequena cidade a se livrar das garras de um ganancioso homem e sua gangue, que tomaram a região de assalto. Auxiliados por alguns artistas de circo e pelos habitantes da cidade, Stevens e Bessy não vão parar até conseguirem derrotar os facínoras.