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HQ’s Entrevista | Roberta Cirne (Sombras do Recife)

Com 9 anos de idade ela já escrevia seus primeiros contos de suspense, agora ela vai escrever uma HQ da qual conta as lendas de Recife. A pesquisa para que essa história surgisse levou cerca de 20 anos, você não pode deixar de conferir…

Antes de iniciarmos a entrevista, fique com uma curiosidade da história.

1 – Roberta, apresente-se para o público.

Tudo bem, gente? Meu nome é Roberta Cirne, trabalho com HQs desde a infância. Criei alguns personagens com uma amiga e a gente desenhava só para amigos, parentes, etc. Com o tempo virou uma parceria de trabalhos que nos renderam algumas publicações, como: “Passos Perdidos, História Desenhada” (4 volumes, prêmio HQMIX 2007 de contribuição), “Heróis da Restauração” e, por último, “Afro HQ”, contando a história do continente Africano do ponto de vista dos Orixás.
Parei por um tempo com as HQs por questões pessoais, mas não consegui me afastar de todo, e estou voltando agora com este projeto, o primeiro totalmente autoral, roteirizado e desenhado por mim.

2 – Como nasceu essa paixão por quadrinhos?

Como tanta gente, eu sempre li muito, e quadrinhos principalmente. Quando criança, adorava Luluzinha, Bolinha, Almanaques Disney (principalmente as HQs de Carl Barks, as ambientações da família Pato na Escócia, Klondike, que me instigaram o lado curioso e aventureiro). Minha mãe também sempre me incentivou a ler clássicos da literatura ao longo dos anos, e com certeza me auxiliou a criar roteiros, aliados aos desenhos.

3 – Suas obras envolvem muita pesquisa, “AFRO HQ” e “Heróis da Restauração” são grandes exemplos disso, quanto tempo em média você leva para pesquisar e produzir esses tipos de obras?

A pesquisa que estou trazendo já existe há 19 anos, porém nunca consegui publicar pelos meios tradicionais. Trabalhei em Passos Perdidos, Afro HQ e Heróis da Restauração em parceria com roteirista e historiador, então basicamente eu fiz a parte gráfica das HQs.
As HQs de Sombras do Recife são roteirizadas e desenhadas por mim, então estou cuidando de toda a parte literária, histórica e de design. Demora cerca de dois meses para transformar o roteiro já existente em rascunho, fazer a pesquisa de vestuário, móveis e ruas (basicamente pegando ruas que não mais existem, resgatando para a topografia da cidade atual…). Desenho, arte final, balonagem, e a parte de diagramação estará na mão de um outro profissional.

4 – Vamos falar sobre “Sombras do Recife”. De onde surgiu a ideia para fazer uma HQ sobre lendas? E fazer uma história sobre as lendas de Recife não te deixa com um público “restrito”?

Sempre gostei muito da temática de horror, desde criança, e já escrevia contos de suspense com 9 anos. A ideia da HQ surgiu em 1998, em um formato diferente. Eu queria fazer um quadrinho misturando cultura local com vampiros, pois já tinha personagens e histórias nesta linha de terror mais globalizado. Aos poucos fui refinando a história, a medida que lia mais sobre os usos e costumes da cidade, monumentos demolidos e desaparecidos, roupas, personagens pitorescos, doces, usos e costumes, coisas que só Recife tem. Fui juntando o material de referência ao longo dos anos em reportagens de jornais, livros encontrados em sebos, fotos, arquivos. Ainda tenho os manuscritos desta época e a pesquisa histórica que fiz, guardados, pois se trata de material praticamente inédito na internet, de livros que nunca foram reeditados em dezenas de anos.

Neste momento do projeto, estou narrando como cada monstro surge, em suas distintas épocas: Boca de ouro, em 1913; A Velha Branca e o bode Vermelho, 1885; Branca Dias, em 1598; Papa figo, em meados de 1850, e por assim em diante. Cada um terá sua história ambientada no Recife das épocas, com os usos e costumes, roupas, ruas, etc.
O que eu quero adicionar à ideia dos quadrinhos é a presença de textos adicionais, ou glosas, que podem ser lidos juntos ou em separado, mas que aprofundam a experiência da HQ. Estes textos serão paradidáticos, e contarão a história da cidade, de acordo com a pesquisa feita em mestres sociólogos e antropólogos estudiosos do folclore e da história de Recife. São a princípio 3 álbuns com 2 HQs cada, que vou lançar pelo CATARSE, para angariar o valor de publicação.

A primeira revista conta as histórias do BOCA DE OURO e da VELHA BRANCA, BODE VERMELHO.

Boca de ouro é um condutor de bonde de burro na Recife de 1913, que está passando pelas reformas e mudanças de transportes urbanos. Humilde e com os dentes estragados, ele sonha em ficar com a mulher que ama, mas que é casada. Ele é demitido, e resolve entrar para o jogo do bicho, que acabou de chegar na cidade. Torna-se o maior bicheiro de Recife, coloca uma dentadura de ouro e casa-se com a mulher amada, após assassinar o esposo dela. O que ele não sabe é que a história tomará um rumo inesperado e terrível.
Usei a lenda do boca de ouro, que aparece às pessoas nas ruas de Recife como uma espécie de zumbi, e aproveitei para passar pelas reformas da cidade em 1911/1913, demolição do porto, e vida noturna dos cafés da praça do Diário (surgimento do jogo do bicho e a boemia do início do século XX).A segunda história é a de Ermínia, uma mulher que, tendo a visão de uma criança fantasma, confunde com o menino Jesus e passa a adorar a imagem, e a enfeitar com jóias, deixando as três sobrinhas na miséria, sendo obrigadas a trabalhar e vender doce. Acreditando ganhar o céu, sendo mesquinha, ela conquista o inferno, e um dia, o próprio satanás a visita na forma de um bode encarnado.
Esta HQ usa duas lendas locais, a da criança feliz fantasma e da velha que encontra um bode vermelho, e foca no Recife de 1885, a sociedade da época, as cadeiras de arruar, anquinhas, missas, teatros, as chamadas “negras de ganho (que vendiam doces para os patrões)”, e toda a sociedade recifense, bem como as relações escravistas dos fins do século XIX.

Cada HQ tem 18 páginas, a princípio preto e branco, e virá com 8 páginas de texto aprofundando a leitura com curiosidades, fatos pitorescos, e cultura de época.

Quanto à restrição de público, acredito na universalidade do assunto, assim como vampiros e lobisomens, o monstro de Frankenstein, que ao longo do tempo foram se estabelecendo entre as assombrações clássicas .

5 – Quanto tempo você levou para preparar essa história? E quais são suas expectativas para esse projeto?

Como disse, juntando todo o tempo de pesquisa, quase 20 anos. Terror sempre foi a minha área. História da cidade e terror foram escolhas naturais, e poder apresentar e representar graficamente a cidade nesta forma é algo que sempre tive em mente, contar coisas que muitos recifenses desconhecem, passando pelas ruas, pontes, praças, sem desconfiar de toda a história que elas carregam. As assombrações do Recife foram por muito tempo pouco exploradas, e acredito que este projeto, dentro e fora do catarse, tem um potencial imenso. Este projeto vai além da ideia de publicação, e para isto estou montando um blog com estas e outras histórias neste universo de “Sombras do Recife”. Minhas bases de pesquisa foram: Mario Sette, Vanildo Bezerra Cavalcanti, Pereira da Costa, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, José Antônio Gonsalves de Mello e suas caracterizações sociológicas, alguns com obras esgotadas nas livrarias da cidade, mas que tive acesso por sebos, bibliotecas públicas, arquivos escritos…

Esse projeto começa no catarse, mas não termina por aí. Caso haja uma resposta positiva de apoios, a publicação será imediata. Caso não, vou estudar propostas de editoras, fazer parcerias e o site www.sombrasdorecife.com já está quase pronto, onde teremos conteúdo gratuito.

6 – Sombras do Recife vai ser uma história fechada ou teremos continuação?

É um universo em expansão, com muita coisa esperando para aparecer. Cada HQ de assombrações encaminha para uma junção, mas por enquanto vamos apresentando os personagens.

7 – O quão importante é esse sistema de crowdfunding (financiamento coletivo) para você, quadrinista independente?

O catarse dá a oportunidade não só de financiar, mas também nos ajuda a nos conectarmos com leitores e fãs, é como dizem lá, mais o CROWD que o FUNDING. O público que se agrega ao redor é mais valioso que o apoio em si (mas precisamos do apoio também, para que cada leitor receba seu material). É uma troca positiva para ambas as partes, e o Catarse possibilita tudo isso .

8 – Ser quadrinista no Brasil não é fácil, você sofre mais por ser mulher (já que temos poucas no cenário nacional) ou sofre o mesmo tanto que os homens?

Conheço algumas meninas que trabalham na área, a maioria fora do estado. Atualmente em Pernambuco não encontro mais nenhuma das quadrinistas que eram ativas na época dos festivais de quadrinhos de Recife. Gostaria de poder encontrar as desenhistas de HQs locais em atividade e formar um coletivo Pernambucano, pois o estado necessita desta representatividade na área.
Quanto ao machismo, existe, mas são poucos os casos. Ofensas em inbox ou convites ofensivos a gente ignora, despreza, deixa para lá. A grande maioria dos desenhistas que conheço respeitam tanto meu trabalho quanto a minha pessoa, e eu os admiro, muitos me ajudaram bastante ao longo dos anos com dicas, ideias, enfim, são meus amigos, colegas de trabalho nessa área difícil que é a dos quadrinhos.

9 – Você tem mais algum projeto em andamento? Ou pretende fazer algo no futuro?

Estou, junto com meu esposo Pedro Ponzo (também quadrinista) em contato com desenhistas e roteiristas no circuito Franco-belga de quadrinhos, e temos a possibilidade de publicação por lá, mas ainda tenho 2017 para dar andamento neste projeto em tempo integral. Aí veremos, apenas sei que vou dar andamento e com toda a garra e dedicação que o assunto merece.

10 – Roberta, deixe seus contatos para o público.

Podem me encontrar pelo Facebook e Instagram. Também tenho a Fan Page do projeto e nosso site deverá abrir em breve.

Muito obrigada pela oportunidade de falar e difundir um pouco de nossa história!

Nós que agradecemos pelo tempo que você disponibilizou para que essa entrevista acontecesse. Muito obrigado!

Mas antes de encerrarmos, fique com mais uma curiosidade. 

Quero chamar sua atenção para quantidade de curiosidades que está inserida na história. Nome de “cafés”, marcas de cigarros, nomes de frequentadores dos locais, primeiro refrigerante vendido em Recife… sem dúvida alguma, o nível de informações inseridos nessa HQ será gigantesco.

Para saber como comprar a história acesse o site do catarse.

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